sábado, 13 de fevereiro de 2010

LOS HERMANOS E A EVOLUÇÃO DA LIBERDADE, O CARNAVAL


Samuel Marinho *

Se Caetano Veloso continuasse desenhando a linha evolutiva do cancioneiro popular que ele mesmo sugeriu na década de 70, diria hoje que os Los Hermanos são o melhor acabamento do rock já produzido no Brasil.

Se a geração anterior tinha certa dificuldade em incorporar motivos ditos genuinamente brasileiros, com honrosa exceção aos Paralamas do Sucesso, os Los Hermanos vieram instalar a confusão definitiva sobre aquilo que podemos ser.

Ao serem diagnosticados pela crítica como banda de rock, eles subvertem a lógica e fazem também samba e novíssima bossa.

O princípio motivador dos meninos cariocas está numa espécie de alegoria carnavalesca constantemente confrontada com o olhar e sabor de ritmos estrangeiros bem amoldados à alma brasileira, o que a enriquece e a faz evoluir.

E quem se atreve a dizer do que é feito o samba da banda carioca?

Para além da síndrome de ecletismo forçado que norteou a nossa produção musical nos anos 90, o som dos Los Hermanos consegue soar coeso e pleno, bem distante da ramificação que seguiu influenciada pela genialidade de Chico Sciense.

Ouvir-Los é como descobrir um Brasil, 500 anos depois, e montar o quebra-cabeça do que somos: alegres, melancólicos, eufóricos, depressivos, sentimentais, apaixonados e amargurados.

Não somente a mistura das três raças tristes sugerida por Darcy Ribeiro no século passado em “O povo brasileiro”, obra que Marisa Monte considera como motivadora de sua própria música, algo até mais apurado que isso: um ar de tranqüilidade e desespero que coexistem no fio da navalha à beira de sol e mar.

Samba, suor e cerveja. Sexo, drogas e rock´nroll.

Já no primeiro disco “Los Hermanos” (1999), essa alegoria está claramente presente na sonoridade da banda e em letras mais explícitas como a de “Pierrot”. Apesar de irregular, a estréia, mal assimilada pelos megasucessos “Ana Julia” e “Primavera”, deixou o recado de que havia uma boa proposta a ser continuada.

No disco seguinte, o que era apenas sugestão, virou o conceito por si só, a obra-prima. “O Bloco do Eu Sozinho” (2001), um salto qualitativo de expressão impressionante, é a consciência do carnaval onipresente, na solidão e na multidão. No início do disco, um brasileiro solitário brada: “Todo Carnaval tem seu fim / E é o fim / É o fim / Deixa eu brincar de ser feliz / Deixa eu pintar o meu nariz.”

Do mesmo disco, “A Flor”, “Sentimental”, “Retrato pra Iaiá” e “Tão sozinho” são alegorias que flertam com a alma brasileira, provocando-a, trazendo-a mais uma vez para o enredo principal: “Quem é mais sentimental que eu?”.

O trabalho seguinte, “Ventura” (2003) aprofunda as nuances sonoras da banda, sem perder de vista o tema instigante: “Quem se atreve a me dizer do que é feito o samba?” são versos de “Samba a Dois”, palavras de quem sabe que o samba não se faz com uma nota só.

Destaque do mesmo álbum para a canção “Último Romance” que, melancólica e de temática mais universal possível, tira qualquer dúvida acerca da capacidade de perpetuação das canções dos Los Hermanos, antes tidas por uma crítica desconfiada como “músicas adolescentes”.

O disco “4” (2005) é o trabalho que antecede o hiato da banda, “uma conjunção ideal entre arranjos e músicas”, nas palavras de Bruno Medina, o tecladista. Essa alegoria é, de longe, a experiência mais introspectiva e pausada dos Los Hermanos, a essência da quarta-feira de cinzas, e encontra sua razão de ser nos versos finais da última canção “É de lágrima”: “É de lágrima que faço o mar pra navegar”.

A essa altura da carreira, Marcelo Camelo, principal compositor e vocalista da banda, já nos braços da crítica especializada, era comparado a Chico Buarque por vários motivos, dentre os quais se destacaria uma certa habilidade especial em retratar temas ligados à alma brasileira.

Alguém aí duvida?

Para os mais conservadores ou desavisados, a comparação pode até parecer absurda, mas o fato é que a música dos Los Hermanos representa a evolução da liberdade, o Carnaval, cantada pelo próprio Chico inspirado na obra de Darcy Ribeiro, quando consegue constituir um conceito de brasilidade ainda mais abrangente que o cantado pelo compositor de “Construção”.

“Tirar o pé do chão” é uma expressão que serve tanto para se jogar da beira de um precipício quanto para pular o carnaval.

Uma boa folia a todos.

* Samuel Marinho é colaborador deste blogue, contador e servidor público féderal

11 comentários:

  1. Conhecer o samba através dos Los Hermanos é equivalente a comparar Chico Buarque ao Marcelo Camelo, isto é, nada (Los Hermanos) com coisa nenhuma (M. Camelo)...

    "Conceito de brasilidade" na obra dos Los Hermanos !!!??? Desculpa mais eu preciso estudar muito ainda para apreender esse "conceito"... Talvez um pouco mais de MTV resolva!!!

    Por que quando uma banda de pop rock faz um arremedo de samba todos acham "revolucionário"? Deve ser o desejo do mercado cultural em absorver algum conteúdo popular...

    Onde nós chegamos?

    O Observador.

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  2. Lamento a sua predisposição em não enxergar que o novo sempre vem.

    Acho que é você que é mal passado e que não vê...

    Apenas ouça os discos, sem preconceitos. Não sou eu que estou comparando Marcelo Camelo, um renomado compositor brasileiro, a Chico Buarque. Na verdade, pra qualquer pessoa que esteja bem informada sobre o que se faz hoje de música no Brasil, essa compração já virou até clichê...

    Também não tenho nada contra a eme tê vê. E não estou propondo que ninguém conheça o samba por meio dos Los Hermanos.

    Onde chegamos?

    Seja bem vindo ao século vinte e um.

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  3. Por um caso Chico Buarque está morto ou vive no século passado? Se novo para vc é apenas uma questão cronológica então não estamos tratando de arte mas sim de física!

    Na arte, o novo é fundamentalmente conteúdo novo!

    Me desculpe mas é a primeira vez que leio essa estapafúrdia de comparação entre Chico Buarque e "Não-sei-o-que Camelo"...

    Vai ver é a crítica pop espacializada que faz esse tipo de comparações...

    O Observador.

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  4. É sabido que Chico Buarque tem sua produção artística atrelada a determinado momento histórico do século passado.

    Não quero dizer que Chico Buarque seja datado. Vejamos bem viu?

    O seu momento mais marcante, a sua contribuição foi essa.

    Diferente de Caetano que já segue influenciado pelos próprios Los Hermanos nos seus discos mais recentes.

    O novo a que me refiro é fisica e fundamentalmente novo. Os Los Hermanos conseguiram sim uma nova maneira de falar do Brasil e já são reconhecidos por isso.

    Abço

    "
    Todo dia um ninguém josé acorda já deitado
    Todo dia ainda de pé o zé dorme acordado
    Todo dia o dia não quer raiar o sol do dia
    Toda trilha é andada com a fé de quem crê no ditado
    De que o dia insiste em nascer
    Mas o dia insiste em nascer
    Pra ver deitar o novo

    Toda rosa é rosa porque assim ela é chamada
    Toda Bossa é nova e você não liga se é usada
    Todo Carnaval tem seu fim
    "

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  5. Bem se vê que vc não conhece nada do Chico Buarque. Mas do tal de Camelo...

    Deixe de escutar o pop por um dia e procure se informar melhor, talvez escutar umas músicas com mais acordes, mais refinadas, com letras melhores. Sugiro música popular brasileira contemporânea como "Cambaio" ou "Ode aos ratos" do Chico e do Edu Lobo. Tem também "embebedado" do Chico com José Miguel Wisnik; "Fora de Hora" do Chico com Dori Caymmi e, finalmente, "Renata Maria" do Chico com Ivan Lins.

    Todas as músicas citadas acima são a partir de 2002 até 2006, mas não são do interesse do pop. É por isso que as pessoas acham que esses compositores e cantores são "datados"!!!

    Temos que romper o circulo de fogo da indústria cultural, do oligopólio do entretenimento, para perceber que só do lado de fora é que há vida inteligente!

    O Observador.

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  6. Sem a indústria cultural o que seria de Chico Buarque????
    Sem a ditadura o que seria de Chico Buarque????

    Os Los Hermanos já são considerados há muito tempo "rock alternativo" pela falta de inserção na mídia. São hj como vc quer mais ou tanto underground quanto Chico Buarque.

    Dá vontade de rir quando o observador fala pra eu escutar algo mais refinado e com mais acordes...kkk Eu o desafio a tocar qualquer uma das sofisticadas cifras dos Los Hermanos de 2001 para cá ... Vc realmente não conhece a banda carioca... e nem o paradoxo escondido na areia...
    Uma pena ter parado no seu preconceito daquela gente chatinha que só gosta de MPB e das antigas.

    Vc já ouviu o trabalho solo de Marcelo Camelo???

    Pra mim a discussão está encerrada a não ser que o nosso caro observador, que nem coragem tem pra sair do anonimato, mas que todos nós já sabemos quem é, se comprometa a fazer uma pesquisa mais cuidadosa sobre a nova produção musical do Brasil...

    Existe vida inteligente após o golpe de 64. Você consegue ser mais ortodoxo quando o assunto é música que quando se propõe a discorrer sobre a política local.

    Todo Carnaval Tem Seu FIm
    É o fim.
    Viva a Favela do Samba.
    Salve Joãosinho Trinta.
    Salve Paulo Barros, o novo, e viva a Unidos da Tijuca.

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  7. "Rock alternativo"? "Underground"? o que é isso? Para mim são invenções, rótulos, marcas, signos da indústria pop made in USA!!!

    Não se zangue! Não tenho nada contra "Los Camelos", já escutei alguma coisa no rádio... Não é dos piores!

    Minha crítica não é contra banda x ou Y, mas sim contra o oligopólio da indústria cultural e sua estética pop, produtoras do kitsch (na definição do Umberto Eco, o kitsch é aquela obra que "se vende como arte", mas carece de conteúdo histórico e social), do qual o rock é a sua mais perfeita representação!

    O rock vai do Michael Jackson ao "Rock alternativo" e ao "Underground". Aliados à televisão, ao cinema, às rádios e a internet, formam um círculo de fogo que poucos escapam... 11 entre 10 pessoas que escrevem na internet sobre música são adeptas do estilo rock! Pesquise e verás !!! Não há críticas ao rock! E acho muito engraçado aqueles que de dentro do rock ficam criticando as outras correntes do próprio rock... É hilário esse debate inútil!

    No nosso mundo tudo vira mercadoria. Produção em série. Muitas coisas diferente mas todas iguais. E, nesse campo das mercadorias, quem manda é a economia. Não é coincidência que o rock é norte americano e emerge no pós gurra como "modo de vida americano"! "Música para jovens"! "O novo", a "novidade", o "último lançamento", pobre musicalmente, poucos acordes!!!

    Se é para pegar uma contribuição universal dos EUA à música poruqe ao invés da pobreza do rock não veio o Jazz?

    Não é nada pessoal. É apenas um desabafo contra essa homogeneidade bruta. Não dê atenção aos meus reclames sem fundamentos!

    Quanto a minha identidade secreta: sou eu mesmo! Muito prazer!

    O Observador !

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  8. Depois dessa só me resta assistir à novela das oito

    Fazer o quê?

    "Viver a vida", cujo tema de abertura é embalada por Chico Buarque. Truque de não Manoel Carlos para que a telenovela pareça assim com mais conteúdo histórico e social? Ou seja mais arte? Vai saber....

    Deixa eu brincar de ser feliz....

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  9. Manoel Carlos pega o clássico da mpb e põe na novela para parecer com conteúdo histórico e social... "Los Camelos" pegam algo do samba com o mesmo intento...

    É essa a velha estratégia do pop.

    Entendeu !?

    Eu "não brinco de ser feliz".. Eu sou feliz !!!

    Felicidades.

    O Observador.

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  10. Não é de hoje que o Camelo é comparado a Chico Buarque. Acompanho muito o trabalho dos dois e sei do que estou falando.
    As obras do Camelo são regravadas a todo o momento... Gilberto Gil, Maria Rita, Caetano são só alguns.

    Tem gente que acha que se fez sucesso não merece respeito.

    Los Hermanos ainda leva as marcas de anna julia, infelizmente. Escute o trabalho deles e depois analise o que estás falando.

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  11. Prezado Aristoteles
    Enfim uma opinião sensata aqui´
    É realmente isso o que acontece
    Pra algumas pessoas é difícil assimilar o novo
    Mas os Los Hermanos já estão aí consagrados inclusive com dois dos seus albuns entre os 100 melhores discos nacionais de todos os tempos segundo a Revista Rolling Stone
    Volte sempre. Escrevo sempre um post neste blogue sobre algo relacionado a musica
    A proposito vc trabalha com musica ?
    Um grande abço.

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