domingo, 4 de abril de 2010

A RECONSTRUÇÃO DA MACUMBA A TEMPO E AO VIVO


Samuel Marinho *

Logo quando mudei de São Luís para Belém, há muito, muito tempo atrás, 4 anos, levei comigo, eufórico, um dos maiores orgulhos do Maranhão.

Naquela época bem distante, ainda não fervilhava a onda dos portáteis-toca-tudo-mpX.

O que eu tinha de mais moderno era um reprodutor de CD’s jurássico da marca Philips, que me ocupava as duas mãos.

Era nele que girava em 2006 (e eu percebia isso muito bem por uma transparência que havia perto do painel de comandos) o meu motivo de felicidade: o mais novo CD da excepcional Rita Ribeiro, o “Tecnomacumba”.

O disco incluía algumas releituras de uma tradição da música brasileira de exaltação aos cultos afro. De Jorge Ben Jor a Caetano, passando por Maria Bethânia e Clara Nunes, estava tudo ali.

Já alojado em um apartamento no bairro da Pedreira, na capital paraense, o chamado “bairro do samba e do amor”, eu exultava ao colocar o som nas alturas tentando incorporar as canções.

Eu nunca tive o costume de ficar sentado no apartamento com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar. Punha o “Tecnomacumba” no aparelho de som nas alturas e sorvia então seu conteúdo religioso-cultural da forma mais intensa possível.

Fui alvo de intolerância por parte de alguns, nem tanto pelo som nas alturas.

As regras do condomínio não desclassificavam qualquer tipo de manifestação religiosa.

Mas dois vizinhos reclamaram de um certo ritual estranho que estava virando rotina no 402.

Pra disfarçar, e ao mesmo tempo demonstrar toda amplitude do meu espírito sincretista, em meio aos pontos de macumba, eu ouvia Padre Zezinho, aquilo que por força de minha mãe abrilhantou desde muito cedo a minha existência.

Não adiantou muita coisa.

A indignação dos vizinhos foi manifesta até na ata de reunião do condomínio, na qual se cogitou a possibilidade de multa por conduta escandalosa que atentava contra os bons costumes do local.

Mas com o “savoir-faire” tipicamente maranhense, consegui desdobrar o síndico, afirmando que, na condição de antropólogo estudioso, estava desenvolvendo uma tese sobre determinado tipo de manifestação, assim meio indizível, por meio da música.

O CD de Rita Ribeiro era o ponto de partida ou de chegada, eu não sabia ainda afirmar.

Ufa!

Nesse momento fui imediatamente aceito e se afastou de mim qualquer desconfiança. Eu percebia no olhar, a satisfação de todos pela grata surpresa de se descobrir um vizinho agora “doutor”.

Contou ao meu favor o fato de não ter revelado a minha verdadeira identidade de cidadão maranhense das proximidades de Codó, seja lá qual for a conotação que isso tem lá em Belém.

Hoje, de passagem por São Luís, domingo de Páscoa, prometi a minha mãe acompanhá-la na missa do Cristo Ressuscitado, algo que se não faço religiosamente, parece que me arrancam um pedaço.

Estou confessando a vocês algo que mamãe não pode nem sonhar sobre aquele menino que tocava o sino nas missas quando era garoto.

Para o meu regozijo espiritual, depois de muito tempo à espera, descobri surpreso que aquele trabalho de Rita Ribeiro ganhou, pela sua persistência, o aguardado registro em DVD curiosamente intitulado de “Tecnomacumba a Tempo e Ao vivo”.

Tenho um especial prazer por todas essas coisas que ressurgem e que renascem na nossa vida assim de forma misteriosa, por tudo aquilo que nos faz reconstruir alguma coisa em nós mesmos e nos outros.

Talvez esse seja um conceito primário e confuso, que eu ainda estou por descobrir completamente, de Religião.

Sempre é tempo de reconstruir como sugere o prefixo “tecno” da intenção de Rita Ribeiro.

Uma Feliz Páscoa a todos os leitores deste tempo-espaço.

* Samuel Marinho é colaborador deste blogue, contador e servidor público federal

3 comentários:

  1. Esse trabalho da Rita Ribeiro é realmente excepcional e merece todo o destaque... Fui a esse show no Rio simplesmente demais .... Salve Rita Ribeiro
    vALEU sam

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  2. Diante de tanta intolerancia a crônica deixa o recado que é preciso respeitar a tempo o espaço do outro...

    Valeu Samu
    Só hj descobri q vc está de férias em Sao Luis. Não deixa Dona Graça ler esse texto rapá...rsrs

    Romulo

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  3. Valeu Romulo... tô na ilha rapaz....Nao ensine a Dona graça a entrar na internet...rs
    Andrea vc está em todas mesmo né..?
    Esse registro em DVD esta realmente muito bom... abços

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