Pode-se até discordar da atitude do prefeito Edivaldo
Holanda Júnior, em função de um ou outro argumento corporativo movido por
interesses particulares de defensores de última hora do carnaval de passarela,
mas a verdade cristalina é que este formato de financiamento, e não a
modalidade em si, está com os dias contados, precisando urgentemente ser
reformulado, sob pena de perdermos até mesmo o apoio da maioria da população a
um dos festejos mais tradicionais de nossa cultura popular.
Pesquisas informais apontam para um apoio de cerca de 80%
dos habitantes a decisão do prefeito de cancelar os recursos que seriam
destinados ao carnaval de passarela e repassá-los para a saúde.
Quem sabe a chamada crise do carnaval de São Luís não seja
um excelente momento para refletirmos sobre as dificuldades e potencialidades
que podem ser revertidas para um novo ciclo de valorização e desenvolvimento da
nossa cultura como um todo, sem necessidade da interferência de apadrinhamentos
políticos e de coronelismos culturais?
Acredito seriamente que este seja o compromisso maior do
atual presidente da Fundação Municipal de Cultura, Prof. Francisco Gonçalves, e
um dos primeiros passos concretos para romper com este dilema que impede
sobremaneira o debate e a implantação de uma política pública de cultura de
horizontes mais ampliados, que contemple as suas dimensões simbólica, econômica
e cidadã.
Além destas brincadeiras, que se multiplicam às dezenas a
cada ano em nossa capital e nos municípios do interior do Estado, existem
outras que se tornaram verdadeiras centrais de produção de eventos, dotadas de
todos os recursos materiais, humanos e financeiros, que já não precisariam
sequer de patrocínio público, mas que permanecem abocanhando régios
financiamentos governamentais, sob a forma de cachês, chanceladas pelos cofres
municipais, estaduais e federal, através do incentivo fiscal ou financiamento
direto, dissimulado pelo clientelismo eleitoral ou pelo apadrinhamento político,
utilizando-se de artifícios, tais como emendas parlamentares, convênios e
arremedos de editais, cuja publicidade é praticamente inexistente.
Tudo bancado única e exclusivamente com o dinheiro público
das prefeituras e do governo estadual, sem nenhuma participação da iniciativa
privada, principalmente daqueles segmentos empresariais que mais lucram e se
beneficiam com as vendas de seus produtos e serviços neste período, como é o
caso das indústrias de bebidas e similares, que em nosso estado gozam de incentivos
fiscais e não apresentam nenhuma contrapartida sociocultural; na contramão do
que já não mais acontece em cidades de carnavais tradicionais, como Rio de
Janeiro, Salvador e Recife, onde existem acirradas disputas de empresas
privadas para patrocinar a maior festa popular brasileira.
Para agravar ainda mais a situação, o Governo do Estado
passou a dirigir e induzir o patrocínio público e privado para a “consagração
dos consagrados”, leia-se: contratação de artistas de renome nacional, a peso
de ouro, em megaeventos, geralmente realizados na Lagoa da Jansen, como foi o
caso dos festejos dos 400 anos de São Luís e Reveillon 2012, e ao que parece se
repetirá no carnaval de 2013, dando conta da nossa magistral incompetência de
entender e aproveitar as potencialidades e os resultados das atividades
relacionadas com a Economia Criativa, que bem poderiam ser apropriados por nós
maranhenses, sob a forma de trabalho, renda, tributos, direitos autorais,
alegria e dignidade humana.
Pior e imoral será se for confirmado que esses ditos
megaeventos estariam sendo bancados pela chancela da renúncia fiscal do ICMS
estadual e/ou do IRPJ Federal, sob o conluio de proponentes fictícios dos
projetos culturais, os ditos testas-de-ferro de sempre; pois, além do
desprestígio da produção local, a evasão de riquezas daria conta do péssimo
conteúdo da mistura tão propalada pela mídia governista, travestida numa
verdadeira operação Hobin Hood às avessas. Coisa que foge da alçada deste reles
poeta, mais afeita à competência do Ministério Público e dos órgãos de
fiscalização e controle do erário estadual e federal.
Ao invés da via do fortalecimento do turismo, da valorização
dos nossos artistas e do nosso patrimônio cultural, o que vemos é uma absurda
evasão de divisas, proporcionada por essa desnaturada visão política que
penaliza a nossa criatividade e a tradição, sob várias formas de transferência
de recursos públicos para outras unidades da Federação muito mais ricas que a
nossa, a saber:
1) sob a forma da encomenda maciça de ‘abadás’ da forte
indústria baiana, que neste período estima a confecção e venda de um milhão de
unidades, ao preço de R$ 2 mil cada, somente para os seus próprios blocos;
2) sob a forma de cachês milionários para artistas, bandas
refugadas, técnicos, trios elétricos, arquibancadas e equipamentos de outros
estados; e, por último,
3) sob a forma de pagamento de direitos autorais para
escritórios do ECAD localizados em outros estados, pois estes recursos são
posteriormente distribuídos obedecendo a procedência dos compositores, artistas
e intérpretes titulares das obras musicais executadas.
Portanto, uma fórmula burra e inadequada, disfarçada sob o
mote pomposo de “Carnaval – a mistura é a nossa maior riqueza”. Resta
perguntar: riqueza de quem e para quem?
* Joãozinho Ribeiro é poeta e foi secretário de Cultura na
gestão do ex-governador Jackson Lago.
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