PROF.
FLAVIO REIS
DEPARTAMENTO
DE SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA DA UFMA
Estamos
assistindo, e o termo infelizmente é este, a mais um episódio de extrema
irresponsabilidade e insensibilidade protagonizado pela administração superior
da UFMA, sintetizado na posição imperial e intransigente do reitor Natalino
Salgado em torno da questão da moradia estudantil, que se arrasta desde o
início de sua gestão.
Para ser mais preciso, a comunidade de estudantes acertou
com a administração que findava, após uma pressão com a ocupação da reitoria
por oito dias, o término das obras do prédio próximo ao bairro do Sá Viana. Recursos
previstos para 2007 por emenda parlamentar na ordem de 5 milhões e liberados
somente em dezembro, quando já havia tomado posse a nova administração,
contemplavam com sobras a obra, cuja finalização estava orçada em cerca de 170
mil reais. Desde então, por mais incrível ou bizarro que pareça, a obra nunca
foi concluída, a reitoria sempre enrolando os estudantes com evasivas, apesar
das ações de pressão que envolveram novamente a ocupação da reitoria.
Nascido
do descumprimento de um acordo herdado da administração anterior, o dilema da
moradia estudantil, apesar de todo o dinheiro recebido pela universidade nestes
últimos anos por conta do REUNI, espelha rigorosamente um modo de pensar a
administração da universidade como resultante da concentração de decisões. É
uma forma avessa não só à participação, mas, sobretudo, voltada ao esvaziamento
dos colegiados superiores, estabelecendo um padrão de gestão, para usar uma
palavra cara à atual reitoria, muitas vezes alheio à observância mínima das
regras, das normas básicas de funcionamento da própria instituição, mesmo da maneira
conservadora e concentradora de poderes como foram desenhados há décadas.
Em
resumo, mesmo no modelo herdado, bastante afeito à concentração de poderes na
reitoria, Natalino Salgado sempre extrapolou qualquer limite, o que tem ficado
cada vez mais evidente nos últimos acontecimentos envolvendo perseguição a
professores, a intervenção no COLUN, o total descaso em convocar o CONSUN,
chegando mesmo a ter de fazê-lo apenas após intervenções da APRUMA junto ao
Ministério Público, o encaminhamento do caso da Empresa Brasileira de Serviços
Hospitalares e outros. Os registros em vídeo das poucas reuniões dos conselhos
superiores atestam um comportamento despótico totalmente desconectado do ideal
de participação necessário a uma instituição universitária. É a própria figura
anacrônica de um coronel decidindo tudo para o puro assentimento de um
colegiado dócil até as raias da incompreensão.
Estes
são os ingredientes que de novo reaparecem, desta vez de uma forma mais
crítica, brutal, no episódio em curso. Inconformados com a destinação do prédio
da Moradia Estudantil para outros fins, abrigar mais um órgão da administração,
a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis, os estudantes prejudicados reagiram.
Sem
nenhuma resposta clara por parte da reitoria sobre um problema grave que se
arrasta há tanto tempo, e efetivado o descumprimento da destinação que sempre
foi sua, diante da inauguração para outros fins, o estudante do curso de
Ciências Sociais, Josemiro Oliveira, tomou uma atitude de risco, acorrentando-se
às grades da entrada do prédio e decretando uma greve de fome que já dura três
penosos dias. Jogado no tempo, com a ajuda apenas de colegas de moradia,
membros da aguerrida direção da APRUMA e do DCE, alguns poucos professores e
estudantes.
Isso
mesmo! Greve de fome para conseguir uma audiência com o Magnífico Reitor para
tratar de um assunto essencial a uma parcela de nossos estudantes, que deveriam
estar vivendo em condições dignas e não passando as dificuldades terríveis que
vez ou outra são denunciadas ou vêm à tona apenas por força de atitudes quase
desesperadas como esta, mas compreensíveis diante da intransigência
irresponsável da atual reitoria. Numa manifestação desastrada, como é de praxe,
a direção da universidade já chegou a minimizar o número de estudantes
atendidos pelo programa de moradia, quando a verdade é que o prédio seria até
acanhado frente às necessidades atuais, com a expansão a toque de caixa que
estamos vivenciando.
Tivesse
a menor sensibilidade e disposição ao diálogo, o reitor deveria, ao tomar
conhecimento de tal fato, de onde estivesse, garantir a audiência com os
estudantes e evitar a continuidade de um espetáculo terrível, como é ver um
estudante se acorrentar em greve de fome dentro da universidade pública para
garantir a observância de um direito à moradia estudantil.
Numa
circunstância destas é de se perguntar, para que serve um vice-reitor, por
exemplo? Para figurar ao lado do reitor e simplesmente assistir a todo festival
de desvarios autoritários que temos visto nas gravações estarrecedoras das
poucas reuniões dos colegiados superiores, sem dizer uma palavra, esboçar um
gesto? Para que servimos nós, professores, chefes de departamento,
coordenadores, diretores de centro, se assistimos passivamente à transformação
da universidade num território de desatinos administrativos e podemos conviver
tranquilamente em nossos afazeres cotidianos com uma situação insana se
desenrolando às nossas vistas, à espera de um simples gesto do homem que se
considera o “dono da UFMA”.
Esta
não é uma questão circunscrita, é a reafirmação continuada e sem freios de uma
posição administrativa que está levando o personalismo mais danoso a ditar os
rumos da universidade e protagonizando cenas lamentáveis, como foi a expulsão
do professor Ayala Gurgel, movida por mero capricho, revertida depois pela
justiça em caráter liminar e, agora, esta decisão abrupta, uma rasteira nos
estudantes, culminando numa situação que pode ter desdobramentos sérios se
ficarmos apenas observando como um espetáculo desagradável.
Diante
deste quadro, a administração superior da universidade limitou-se até agora a
postar uma nota cínica no site da instituição, onde afirma com todas as letras
que “o Reitor tem se reunido sistematicamente com os representantes estudantis
e grupos de alunos para ouvir demandas e reivindicações dos estudantes e atendê-los
na medida do possível”. Não responde a uma única questão, limitando-se a dizer
que a instituição não foi procurada pelos estudantes para agendar nenhuma
audiência com a reitoria para tratar do problema e arrolando números da gestão
atual, bem ao estilo da eterna propaganda que tanto lhes agrada e engana a
sociedade sobre a real situação de desmandos administrativos que é a realidade
hoje da UFMA.
Quanto
tempo o corajoso Josemiro ficará ainda lá, acorrentado, para que o Magnífico se
digne a conceder aos estudantes uma audiência, explicar as suas decisões e
discutir uma resolução rápida? Sim, porque o reitor deve explicações, não só
aos estudantes, mas a toda a comunidade acadêmica.
Flávio
Reis
Departamento de
Sociologia e Antropologia
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