Pirata resgatado por dois secretários municipais. Falta tirar as crianças drogadas dos retornos |
Foi o caso da remoção do fusca 83 da avenida Litorânea, onde
o sem-teto Antonio Carlos da Silva, o Pirata do Calhau, improvisava sua
moradia.
Pirata ficou famoso depois de ir às lágrimas diante do carro
recolhido. As imagens do choro e o guincho ganharam as redes sociais
rapidamente, acionando uma campanha de solidariedade com a hastag
#ajudaopirata#
Deste episódio, tiram-se algumas reflexões.
HABILIDADE E OPORTUNISMO
A Prefeitura, através da Secretaria Municipal de Trânsito e
Transportes (SMTT), atendeu a uma recomendação do Ministério Público e ordenou
o guincho no fusca.
Mas, ao perceber que iria atrair uma onda negativa, diante
da solidariedade ao Pirata nas redes sociais, o prefeito Edivaldo Holanda
Junior (PTC) mandou inverter a pauta.
O que seria um desgaste – recolher o carro – transformou-se
em um conjunto de providências para amparar o Pirata nos programas sociais e presenteá-lo
com uma biana, barco típico do Maranhão, que vai servir de atrativo turístico
na avenida Litorânea.
O prefeito foi habilidoso, mas ficaram em saia justa a secretária da Criança e Assistência Social, Andreia Lauande; e o secretário de Turismo, Lula
Fylho, posando para a foto como papagaios
de Pirata.
Fica a pergunta: qual a iniciativa da Semcas para as crianças drogadas e famintas nas rotatórias de São Luís?
RAZÃO E SENSIBILIDADE
O choro do Pirata mobiliza mais porque mexe com as paixões profundas |
A segunda reflexão diz respeito à força das redes sociais em
episódios corriqueiros descolados das grandes narrativas.
A solidariedade ao Pirata nas redes sociais é imediata, mas
não se desdobra em uma visão crítica sobre o contexto do problema da moradia,
da ocupação irregular dos espaços públicos, da mobilidade urbana e do
desenvolvimento sustentável, por exemplo.
Ações imediatas na internet são típicas do comportamento
pós-moderno, em que uma hastag individual rapidamente mobiliza o sentimento
coletivo de solidariedade sem outros desdobramentos.
Em vez da fidelidade longa a uma causa transformadora da realidade,
tem-se o apego rápido a várias causas sucessivas. Hoje foi o Pirata, amanhã
pode ser um gatinho abandonado na porta do supermercado.
São Luís tem dezenas de meninos apodrecendo nos sinais de
trânsito, lumpens dormindo e defecando na porta do Banco do Brasil (na praça
Deodoro), palafitas para todos os lados, calçadas destruídas, ocupações
irregulares de terrenos etc mas isso pouco mobiliza.
No geral, não há campanhas organizadas para acompanhar, por
exemplo, as mudanças no Plano Diretor ou na Lei de Uso e Ocupação do Solo
Urbano.
O drama individual, mesmo remetendo a uma situação coletiva,
é mais apelativo. As pessoas oscilam entre a hipersensiblidade para uns casos e
indiferença para outros.
PREFEITURA AGE, LOBISTAS REAGEM
O caso do Pirata é um recorte das ocupações irregulares no
Maranhão.
A Prefeitura de São Luis, em parceria com o Ministério
Público, vem realizando uma série de ações para disciplinar a utilização dos
espaços públicos na cidade.
Demoliu as construções de bares irregulares no Barramar,
derrubou uma aberração no Ipase e outra no retorno ao final da avenida Daniel
de La Touche.
Essa iniciativa da Prefeitura é louvável e visa disciplinar
o uso e a ocupação do solo urbano. As edificações fora dos padrões prejudicam os pedestres jovens e inviabilizam os idosos.
Porém, a pressão de alguns vereadores e outros grupos
lobistas, padrinhos das construções irregulares, fizeram a Prefeitura recuar
nas demolições e fiscalizações.
Ainda é muito pouco o que a Prefeitura vem fazendo, mas
serve como alento, na cidade onde não há uma quadra completa com calçadas.
O MARANHÃO GRILADO
Denunciado amplamente na mídia, o muro no trevo do Araçagi nunca foi derrubado.... |
... ocupando uma área gigante que poderia ser uma praça ou quadra esportiva |
Nem precisa ir longe para ver outros casos de grilagem dos
espaços públicos que passam incólumes aos olhos do Ministério Público, das
prefeituras, do Governo do Estado e da Justiça.
Na estrada Araçagi-Raposa um trevo inteiro foi murado e
várias denúncias e apelos foram feitos para impedir a irregularidade, mas
nenhuma providência foi tomada.
Por coincidência, o terreno grilado fica próximo do maior condomínio
de luxo da região metropolitana de São Luís, da construtora Dhama.
Outra coincidência: a estrada do Araçagi está sendo
duplicada, exatamente no trecho mais importante do acesso ao suntuoso
empreendimento da Dhama.
Todos os dias ocorrem grilagem de terras e ocupações
irregulares de áreas públicas, sem qualquer iniciativa dos órgãos fiscalizadores
ou executores, nem campanhas na Internet.
O Pirata bicho-grilo deu sorte. Graças aos internautas.
Falta dar assistência aos refugos humanos das rotatórias da
cidade, tão merecedores de ações do poder público quanto o maluco beleza da
Litorânea.
Nenhum comentário:
Postar um comentário