Ricardo Costa Gonçalves
Professor e mestrando em Políticas Públicas pela FPA
A violência doméstica é causa de todas as violências. As vítimas
não são unicamente as mulheres e crianças que sofrem reiteradamente, apanham,
são estupradas e eventualmente são mortas. A vítima acaba sendo toda a
sociedade. A violência doméstica reproduz e alimenta um aprendizado que
geralmente não fica restrito às paredes do lar. Crianças, adolescentes e jovens
que crescem nesse meio muitas vezes, respondem aos conflitos quotidianos e à
necessidade de autoafirmação, tão típicos da juventude, usando a linguagem
aprendida, da violência. Conforme Cerqueira et al (2015)[1],
quando tais incidentes ocasionam uma morte, uma espiral de agressões e de
vingança reciprocas envolvendo grupos de jovens gera inúmeras outras vítimas
fatais, sendo que o rastro da origem de todos os problemas há muito foi apagado
por uma sequência de eventos, tornando invisíveis para a sociedade as
consequências do aprendizado da violência intrafamiliar.
Ainda de acordo com autor acima, a importância de se
enfrentar a violência doméstica, no Brasil, a ideologia patriarcal, que define
as relações de poder entre homens e mulheres na sociedade – e que permeia a
cultura, as instituições e o próprio sistema de justiça criminal – tem
constituído um forte obstáculo para os avanços em direção à garantia de
igualdade de direitos para as mulheres.
Apesar de a Constituição de 1988 ter igualado as funções
familiares entre homens e mulheres, apenas em 1995 a Lei nº 9.520 revogou o
Artigo 35 do Código de Processo Penal, que estabelecia que a mulher casada não
poderia exercer o direito de queixa sem a autorização do marido, salvo quando
fosse contra ele, ou que esta estivesse separada. Em 2000, a Lei nº 2.372, que
propunha medidas protetivas para a mulher vítima de violência doméstica – com o
afastamento do agressor da habitação – foi totalmente vetada pelo presidente da
República. Até a sanção da Lei Maria da Penha (Lei no 11.340/2006), os
incidentes de violência doméstica eram julgados segundo a Lei no 9.099/1995, ou
seja, como crimes de menor potencial ofensivo, em que nenhuma medida protetiva
era oferecida à vítima, ao passo que nos poucos casos em que o perpetrador era
condenado, sua pena se reduzia ao pagamento de cestas básicas.
A Lei Maria da Penha
se constitui em um marco de amadurecimento democrático, pois contou na sua
formulação com a participação ativa de organizações não governamentais
feministas, Secretarias de Políticas para Mulheres, academia, operadores do
direito e o Congresso Nacional.
Uma inovação importante da Lei Maria da Penha é que a mesma
procurou tratar de forma integral o problema da violência doméstica, e não
somente da imputação de uma maior pena para o agressor. A Lei ofereceu um
conjunto de medidas para possibilitar a proteção e o acolhimento emergencial à
vítima, isolando-o do agressor, ao mesmo tempo em que criou mecanismo para
garantir a assistência social a ofendida. Também, previu os mecanismos para
preservar os direitos patrimoniais e familiares da vítima; propôs arranjos para
o aperfeiçoamento e efetividade do atendimento jurisdicional; e previu
instâncias para tratamento do agressor.
A Lei Maria da Penha
transformou o tratamento do Estado em relação aos casos envolvendo violência doméstica,
a partir de três canais, pois: 1) aumentou o custo da pena para o agressor; 2)
aumentou o empoderamento e as condições de segurança para que a vítima pudesse
denunciar; e 3) aperfeiçoou os mecanismos jurisdicionais, possibilitando que o
sistema de justiça criminal atendesse de forma mais efetiva os casos envolvendo
violência doméstica.
Esses três elementos, por sua vez, afetaram o comportamento
de agressores e vítimas. Enquanto, potencialmente, as vítimas passaram a
encontrar um ambiente de maior segurança, que lhes possibilitava denunciar a
agressão sem receio de vingança, em face das medidas protetivas emergenciais, o
sistema de justiça, a princípio, teria melhores condições para fazer aumentar a
taxa de condenações para dado número de denúncias, uma vez que polícia,
Ministério Público, Defensoria e Juizados Especiais se integraram com o enfoque
de providenciar respostas mais efetivas ao problema da violência doméstica. Os
dois últimos elementos conjuntamente contribuem para aumentar a probabilidade
de condenação. Ou seja, em tese, é razoável supor que a Lei Maria da Penha
contribuiu para fazer aumentar o custo esperado da punição, que se dá pelo
aumento do custo da condenação, bem como do aumento da probabilidade de
condenação. Por sua vez, o aumento desse custo esperado possui uma relação
inversa com a probabilidade de um indivíduo agressivo perpetrar o crime (Cerqueira
et al, 2015).
A sanção da Lei Maria da Penha foi um importante exemplo de
amadurecimento democrático no Brasil, pois contou com a participação efetiva da
sociedade na sua formulação. Além disso, a lei incorporou aspectos inovadores
ao tratar de forma integral o problema da violência doméstica e ao considerar a
necessidade de implantação de onze tipos de serviços e medias protetivas para
garantir direitos e tentar levar a paz aos lares.
CERQUEIRA et al. Avaliando a efetividade da Lei Maria da
Penha. Texto para discussão/Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. -
Brasília: Rio de Janeiro, 2015.
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