Por Eduardo Júlio – poeta e jornalista
Na Guerra Civil Espanhola, o palácio Alcázar foi palco do confronto entre franquistas e a resistência |
Em 1980, visitei a Espanha com os meus pais. Eu tinha nove
anos. Daquela viagem, lembro-me bem do moderno hotel, em Madri, que tinha uma
piscina, onde tomei um banho gelado. De todos os lugares da Europa pelos quais
passamos, foi o que me deixou mais feliz, porque sempre nos hospedávamos em
hotéis antigos e tradicionais, o que para uma criança era pouco atrativo.
Também recordo de um passeio em que visitamos o Alcázar da
cidade de Toledo. O palácio é famoso pela imponência e por ter sido palco de um
dos mais famosos episódios da Guerra Civil Espanhola (1936-1939). No local, uma
tropa franquista ficou sitiada por mais de dois meses, abrigada em porões,
resistindo a um cerco dos republicanos, as forças democráticas e esquerdistas
do conflito.
No momento da visita ao palácio, era veiculada a gravação de
um telefonema, em que o filho do coronel Moscardó se despedia do pai. O garoto
tinha sido sequestrado pelos republicanos, que ofereceram a libertação dele em
troca da rendição do grupo franquista. Moscardó não aceitou, e o menino foi
executado.
Na minha memória ainda ecoa a voz do garoto e lembro bem dos
porões escuros e sujos, onde eram preservados os colchões imundos que teriam
sido usados pelos soldados franquistas. Só não lembrava que o Alcázar de Toledo
é tão bonito e suntuoso.
Este episódio virou um marco da guerra civil e era explorado
pelo turismo. O governo espanhol da época, mesmo estando em processo de
redemocratização, ainda tentava colocar os visitantes a favor da ditadura
fascista. Como se a Espanha, com a vitória de Franco, tivesse escapado da
maldade dos republicanos, mesmo tendo passado 36 anos sob a opressão de uma
ditadura implacável, que derrubou um governo popular democraticamente eleito, e
que perseguiu grupos étnicos, entre os quais, ciganos, bascos e catalães.
A visita ao palácio, o episódio militar e o telefonema foram
resgatados em minha memória pelo livro "A Guerra Civil Espanhola", do
historiador Josep M. Buades, uma narrativa clara, minuciosa e envolvente
daquele conflito que serviu de ensaio para a II Guerra Mundial.
Segundo Buades, a gravação telefônica pode ser falsa, pois durante
o período em que o menino foi sequestrado não havia mais linhas de comunicação
com o palácio, depois dos intensos ataques dos republicanos, que chegaram a
dinamitar o prédio.
Após a leitura, também recordei o breve convívio que tive
com o seu Antônio, um senhor meigo, baixinho e franzino, nascido na Galícia,
que fora casado com a minha tia-avó. Ele veio para o Brasil, ainda jovem, para
escapar da guerra civil, radicando-se no Rio de Janeiro, onde conheceu a dona
Neide. Para São Luís, o casal veio no começo dos anos 90, logo após o plano
Collor.
Depois da fuga para o Brasil, o seu Antônio jamais retornou
à Espanha e o único contato que teve com o seu país de origem, durante décadas,
foram as correspondências que manteve com um irmão que era padre.
Um dia perguntei a ele de que lado estava durante a guerra
civil espanhola. Seu Antônio prontamente respondeu, voltando-se para o
inconsciente coletivo da população civil de seu país naqueles três anos de
terror: “Olha, nós não estávamos de lado nenhum. Nós queríamos somente que a
guerra acabasse”.
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