No governo João Alberto (1990), o
Maranhão foi palco de uma das maiores operações de extermínio de criminosos. Batizada
de Operação Tigre, a carnificina foi narrada pelo saudoso jornalista Walter
Rodrigues no Colunão, em 2005, quando morreu o coronel José Ruy Salomão Rocha, chefe da
famigerada operação.
O SILÊNCIO FINAL DO
"TIGRE"
Por WALTER RODRIGUES S. Luís (MA), 4/12/2005
Colunão: Walter Rodrigues
Morreu do coração na última
quinta-feira (29), em Fortaleza, Ceará, um dos homens mais duros, valentes e
controversos da Polícia do Maranhão. Chefe militar e símbolo da mais famosa
operação de extermínio de bandidos já realizada no Brasil, a Operação Tigre,
ordenada em 1990 pelo ex-governador João Alberto (PFL, hoje no PMDB), o coronel
José Ruy Salomão Rocha levou para o túmulo alguns segredos que possivelmente
nunca serão revelados.
Um deles: quantas pessoas
realmente foram mortas pela PM e pela Polícia Civil na operação? Até que ponto
o Governo sabia das chantagens, extorsões e roubos de carros praticados pela
equipe do delegado Luiz Moura naquele período? Quantos sabiam que parte da PM
usava a operação de “combate ao crime” para cometer homicídios de aluguel e
assaltos também?
Quem patrocinou e em que
exatos termos o pacto de não-agressão entre João Alberto e o prefeito David
Alves Silva – na época o chefe no 1 da pistolagem e do crime organizado no
Maranhão –, interrompendo uma escalada que levou o primeiro a ordenar a morte
do segundo, num ato de autodefesa preventiva?
A história da Operação
Tigre pode ser contada desde os governos João Castelo (1979-82) e sobretudo
Luiz Rocha (1983-86), quando a pistolagem grassou como uma praga no interior do
Maranhão e até na capital. “O pior foi no governo Luiz Rocha”, conta o repórter
policial Tony Duarte, ele próprio vítima de um atentado em 24/5/1996.
“Conhecidos pistoleiros frequentavam até o Palácio dos Leões”. Foi a época de
maior prestígio e desenvoltura do deputado José Gerardo, dos quadrilheiros
Humberto Gomes de Oliveira (Bel), e Joaquim Laurixto (filho de ex-guarda-costas
do senador Sarney), e de muitos outros sanguinários personagens do submundo
político e empresarial maranhense.
Uma das razões da proliferação
da pistolagem no governo Rocha foi que o então secretário de Segurança, coronel
João Ribeiro Silva Júnior, inimigo feroz dos posseiros e dos sem-terra,
favorecia a expansão da violência no campo, e conseqüentemente o mercado dos
sicários. Tantas fez o coronel que acabou excomungando não somente a si como ao
secretário estadual da Fazenda, Nelson Frota – dito “secretário das fazendas”
pelos adversários – e ao próprio governador. A declaração à comunidade católica
saiu assinada pelos onze bispos da Província Eclesiástica do Maranhão, sob a
liderança do arcebispo metropolitano dom João José da Motta e Albuquerque.
Combater a pistolagem e
tirar a polícia dos conflitos fundiários foi uma das promessas de campanha do
sucessor de Rocha, Epitácio Cafeteira (PMDB), empossado em 1987. “Tirar a
polícia” significava simplesmente impedi-la de continuar exercendo o papel de
força auxiliar e oficial do latifúndio e da grilagem. Combater a pistolagem
implicava antes de tudo em desafiar seus chefes mais conhecidos, acima de todos
o prefeito de Imperatriz, Davi Alves Silva.
Cafeteira cumpriu a
primeira parte. Os trabalhadores rurais continuaram em desvantagem, mas, sem a
Polícia para intimidá-los, ao menos puderam reagir em algumas partes do Estado.
Matou-se, então, de ambos os lados. No Vale do Buriticupu, zona de graves
litígios, a valentia e a inteligência do grupo de Luiz Vila Nova, adiante
deputado estadual pelo PT, pôde enfim iniciar, na marra e na manha, uma pequena
reforma agrária.
Mas o combate à pistolagem
avançou muito pouco. Eleito prefeito de Imperatriz em 1988, principal cidade do
interior, Davi aumentou seu poder de fogo e sua popularidade. Dava-se até ao
luxo de ser oposição ao sarneísmo dominante, em aliança com a dissidência
ex-sarneísta liderada pelo ex-governador João Castelo. Ninguém ousava mexer com
ele.
Em abril de 1990, porém,
Cafeteira passou o governo ao vice João Alberto e meses depois celebrava acordo
eleitoral com Castelo contra o grupo de Sarney. Dali a seis meses Castelo
disputaria o Governo com o candidato sarneísta Edison Lobão (PFL).
Estava com tudo. Collor era
o presidente recém-eleito, após agressiva campanha em que prometera enfiar
Sarney “na cadeia”. Em São Luís, Castelo juntava sua popularidade à de
Cafeteira, campeão de votos na capital. Davi garantia a praça de Imperatriz.
Visto daquele abril, parecia impossível detê-lo, fosse quem fosse o candidato
sarneísta.
Carcará em ação –– Foi aí
que João Alberto entrou em cena, com seu voluntarismo implacável e ilimitado.
Sua ação conduziu-se em três vertentes. Na capital, diminuiu no que pôde a
imensa vantagem de Castelo, realizando pequenas e médias obras que Cafeteira se
esquecera de fazer. No plano político, aproximou-se da igreja progressista e da
esquerda, mandou caçar pistoleiros à bala nas zonas de conflito fundiário
(salvo onde eram protegidos de seus correligionários), deu dinheiro a
sindicatos, e negociou secretamente com o prefeito da capital, Jackson Lago, e
com o PSB de Conceição Andrade. Com isso facilitou a transferência em massa do
eleitorado de esquerda para Lobão no segundo turno.
Isso era muito mas não
bastaria. Lobão e João Alberto só venceram a eleição porque o governador
estabeleceu uma espécie de estado de sítio informal na região de Imperatriz –
com extensões ao Vale do Mearim e outras partes do Estado –, autorizando a PM a
liquidar quantos pistoleiros e assaltantes conseguisse identificar. A operação
especial foi confiada a José Ruy Salomão Rocha, apelidado Tigre na corporação.
O comando civil ficou com o delegado Luiz Moura, conhecido torturador e
meliante, que cumpriu pena de prisão por um de seus inúmeros crimes.
Os dois e mais o atual
coronel Nogueira do Lago, então comandante do batalhão de Imperatriz, mataram
tanto bandido que até hoje muita gente os admira na região. Decano dos
comentaristas políticos do município, o jornalista Jurivê Macedo registrou a
morte do Tigre no Estado do Maranhão escrevendo que nenhuma das vítimas da
polícia era inocente.
Há prova arrasadora em
sentido contrário, inclusive um inquérito policial-militar. Nele fica provado
que um grupo de policiais mercenários sequestrou e assassinou os irmãos Noleto,
que não tinham nenhum antecedente criminal. Num determinado instante, até a
Associação Comercial de Imperatriz, naturalmente propensa a aplaudir “medidas
enérgicas” de segurança, protestou contra as arbitrariedades da operação.
Que mais não foram porque
Salomão e Luiz Moura entraram em conflito com o comandante do 50 o Batalhão de
Infantaria da Selva (50 BIS), coronel Guilherme Ventura, mais tarde comandante
da PM e secretário de Segurança, hoje secretário regional de Imperatriz.
Direitista assumido e sem grande apreço pelas formalidades legais, Ventura
também detestava o bando de Davi, mas logo compreendeu que Luiz Moura não era
melhor que o prefeito. Quando secretário, fez com que fosse preso na primeira
oportunidade.
Quantos morreram na
Operação Tigre? Mais de 100, dizia-se. “Mais de 200”, corrigiu tranquilamente o
ex-governador, numa conversa informal pouco antes de deixar o cargo. João
Alberto nunca negou a matança. Na época apetecia-lhe a alcunha de Carcará, a
ave de rapina com “mais coragem do que homem”, que “pega, mata e come”, segundo
a canção imortal do poeta João do Valle.
Um dos que a Polícia pegou
e comeu na Operação Tigre foi o graduado pistoleiro Zezé, amigo e auxiliar
direto de Davi. Primeiro os PMs capturaram-lhe o filho e o forçaram sob tortura
a conduzi-los ao esconderijo de Zezé numa fazenda distante. Lá prenderam Zezé e
fuzilaram pai e filho.
Na beira da cova –– Davi
ficou tão chocado que decretou luto oficial. Ao mesmo tempo começou a preparar
os funerais do governador, anunciando aos comparsas que ele seria liquidado
assim que deixasse o mandato. “Está resolvido”, disse ao jornalista o então
deputado Raimundo Cabeludo, que tinha amizades e informantes entre os
davinistas.
Antes que o governo
acabasse, porém, João Alberto chamou o coronel Rocha a seu gabinete e
ordenou-lhe que se antecipasse. Rocha tinha fama de pesporrente, mas dessa vez
desconfiou que podia entrar numa fria. Foi correndo procurar o presidente da
Assembléia, Ricardo Murad, justamente quem o havia indicado ao governador como
homem ideal para emparedar o crime organizado em Imperatriz.
O coronel disse a Murad que
só cumpriria a tarefa se tivesse a cobertura “dos dois poderes” – àquela
altura, o Judiciário inerte não lhe interessava. “João Alberto está louco”,
atalhou o deputado. “Nem pense nisso”. Seguiu-se um acordo, com a provável
interveniência do ex-presidente Sarney, a confirmar. Ninguém mataria ninguém.
Lobão ganhou a eleição no
segundo turno de 90, com apoio da esquerda. João Alberto candidatou-se a
prefeito de São Luís em 1992, perdeu para Conceição Andrade, adiante elegeu-se
senador em 1994 e 98.
Davi visitou Murad para
agradecer-lhe as ponderações. Morreu em 1998, deputado federal candidato à
reeleição, abatido a tiros por um de seus capangas. Sua frase mais famosa (dita
certa vez a um ministro da Justiça) fora: “Não acredito em homem que não mata”.
Em 94 ajudara a eleger Roseana. Quando morreu em 98 ajudava Cafeteira contra
Roseana (que o desprezara depois da eleição de 94), sabendo que não tinha
jeito.
Há poucos meses o editor do
Colunão encontrou o coronel José Ruy Salomão Rocha num supermercado. Pediu-lhe
um depoimento “histórico” sobre a Operação Tigre, argumentando até que a vida
não lhes daria muito tempo. O coronel nem pensou para responder. “Eu não sou
criança. Se eu lhe contar o que sei, você acaba comigo”.
Interessante, sou de 1994 e só ouvi falar dessa operação. Hoje, o Maranhão precisa novamente de uma operação dessa. Porém o que me assustou é a quantidade de político fazendo essa parte da pistolagem, era por isso que Imperatriz tinha(ou tem) o titulo de capital da pistolagem? Abraço.
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