sexta-feira, 27 de junho de 2008

SÃO JOÃO E CULTURA DE MERCADO

Paulo Melo Sousa, jornalista, poeta e ambientalista

A alta dos preços dos alimentos vem assustando o mundo inteiro, nos últimos meses, mas o Maranhão está imune a essa temeridade, já que, por aqui, uma farinha de puba com coco de tucum, ou apenas o velho e conhecido chibé resolve o problema da barriga vazia.


Por estas bandas, com o povo acostumado a roubar chupa de laranja de boca de jumento, muitas caras viraram bocas, algumas delas, murchas. Bocas que curtiam uma cachacinha da terra agora só querem saber de uísque importado, sem se importarem com a dose do santo.


‘Nada de humano me é estranho’, já profetizava Terêncio, talvez antevendo coisas de deixar Santo Antônio, São João e São Pedro envergonhados com a politicagem cultural que se abateu sobre os terreiros timbiras. Essa praga de tons róseos sarnentos promete se perpetuar na era da vez do povo...


Tudo continua dantes no quartel de Abrantes, com arraiais patrocinados por cervejarias, com o pobre do cidadão sendo obrigado a beber o que o terreiro de asfalto servir, sendo obrigado a engolir espetáculos das imitações dos bois de Parintins pagos com dinheiro do estado (o boi de Morros tem até índio norte-americano, uma bela porcaria), arraiais vazios, com espetáculos de músicos maranhenses (escolhidos pela panelinha da vez) às vezes sem platéia, para desespero dos barraqueiros, que pagam o pato por não venderem seus produtos.


Nas barracas, o sujeito pede um cuxá e consome um aguado bobó de vinagreira, pede um vatapá e come um creme no qual o camarão passou longe, e paga caro por isso. Coisas da modernidade...


Os tempos são outros, e os festejos juninos, na capital maranhense, vêm obedecendo às regras da indústria cultural e às leis do mercado.


A antiga fé dos brincantes cedeu espaço aos trinta dinheiros dos cachês, as apresentações são mais rápidas do que piço de galo, muitas toadas viraram exercício de puxa-saquismo e Pai Francisco e Mãe Catirina não passam de esquálidas e decrépitas figuras que ficam errando entre as índias saradas, mais perdidos no contexto das cosméticas apresentações do que peru dançando mambo.


Para não se dizer que não falamos de flores, destaque para o esforço dos dedicados funcionários do Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho que trouxeram para a Casa do Maranhão apresentações desconhecidas do grande público, mas ricas pela diversidade, como é o Caso do Boi Estrelinha de Prata, dos povoados de Veado Branco e Prata, de Milagres do Maranhão, a Dança do Coco de Riacho Seco, de Rosário, a Dança da Mangaba, do povoado de São José dos Bota-Pau, de Coroatá e o Tambor-de-Crioula de Itamatatiua, de Alcântara, dentre outras brincadeiras, que se apresentaram em São Luís durante esta semana. Infelizmente, a assistência foi pequena. Culpa de quem?...


Quem ainda quiser, de fato, apreciar um festejo junino, comendo mingau de milho, manuê, pamonha, cocada, beiju, soltando fogos, acendendo uma fogueira e pular por cima dela, ver um bom Bumba-Boi atravessar as madrugadas, com uma lua abençoando a noite, num ambiente tranqüilo, curtindo uma paquera, tomando a bebida que escolher, gelada e não essa enganação, quente ou choca como se vê, às vezes, nos arraiais de asfalto, deve tirar uns dias de licença da cidade e se aventurar pelos terreiros de muitos municípios do Maranhão nos quais o São João de verdade ainda brinca nos olhos das pessoas, a lembrar um tempo que se extingue rapidamente, muitas das vezes com os equívocos evidentes de um patrocínio dito oficial.


Que o São João volte a ter a inocência da espontaneidade e que a fé nos milagres dos santos de junho não se apague para sempre.

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