por Samuel Marinho*
Até hoje vigora a discussão sobre aquele que teria sido o mais proeminente e representativo poeta da década perdida, os anos oitenta.
A questão ainda é tema de debate em blogs, comunidades virtuais, e vira e mexe a gente se depara com um reply desses no twitter: Cazuza ou Renato Russo?
Fácil, fácil a resposta: nenhum deles somente, ou seja, os dois juntos.
Os dois representam a completude de um período conturbado de reconstrução democrática do Brasil: dúbio como teria que ser, antagônico a si próprio e contraditório pra todo sempre.
Enquanto um questionava: Que país é esse? O outro dava a resposta: Brasil.
Um se achava bonito, era sedutor, de autoestima invejável, expansivo e de poesia direta: “Raspas e restos me interessam”.
O outro se achava feio, era introspectivo, complexado, preferia curtir os dias de chuva e assim se definia numa de suas canções mais líricas: “Acho que não sei quem sou, só sei do que não gosto”.
Cazuza diz ter ficado louco quando Renato Russo surgiu no cenário da música brasileira: “O que é isso?! Que loucura! Esse cara está dizendo algo que eu quero dizer. Quero falar da minha geração”. Diz ter feito “Brasil” com certa “inveja cultural” de “Que país é esse?”.
Na tentativa de conciliar os talentos, um dia Renato Russo e Cazuza se propuseram uma parceria.
Não deu certo.
Cazuza havia mandado a Renato uma letra chamada “A orelha de Eurídice”.
Renato foi categórico: “O que é isso Cazuza? Uma letra que fala sobre orelha? Jamais vou fazer uma música sobre isso”.
Cazuza, na gíria carioca, teria respondido “Qualé Renato? Eu adoro uma orelha, vamos tentar!”
A parceira inconciliável terminou por aí. Mas a admiração mútua nunca teria acabado.
Perto do fim do calvário público do colega de geração, Renato Russo compôs “Feedback Song for a Dying Friend” (Canção retorno para um amigo à morte) uma canção de despedida em inglês. Além disso, fez uma bela inserção de “Faz Parte do Meu Show” em uma apresentação da Legião no Estádio das Laranjeiras, um dia após falecer o compositor de “O Tempo não Para”.
Pra tentar resumir o placar do jogo, costumo dizer que Cazuza deixou canções livres, sem se ater a um estilo musical predileto. Não era apenas um cantor de rock. Cultivava uma linha mais direta na poesia, era meio bossa nova, meio rock´n roll, mas nem por isso se tornara tão ou mais cativo quanto o rival de Brasília.
Renato Russo, paradoxalmente sendo “mais difícil”, vendeu mais, e conseguiu criar literalmente uma religião em torno de sua banda, idéia que abominava. Renato não deixou apenas canções, mas uma espécie de código quase bíblico a ser decifrado na leitura ininterrupta dos discos da Legião, do primeiro, Legião Urbana (1985) ao último “A Tempestade ou Livro dos Dias” (1996).
Há quem diga que até a seqüência do disco póstumo da banda, “Uma Outra Estação” (1997), Renato deixara alinhavada para os remanescentes da Legião apenas cuidarem de detalhes de produção.
Ambos, Cazuza e Renato Russo, morreram de complicações decorrentes da AIDS. Um aos 32, outro aos 36. Como se seguindo a sina do sonho de democracia que tanto questionaram: morreram cedo demais.
Nos seus últimos dias, um optou por mostrar a cara, assim mesmo como dizia a letra de sua música. O outro, não negou sua natureza, mergulhou no seu próprio mundo e preferiu deixar o recado nas entrelinhas do seu último disco em vida: “Hoje a tristeza não é passageira, hoje fiquei com febre a tarde inteira”. Nesse ponto nenhum deles foi incoerente, todos foram verdadeiros.
A vida de Cazuza já virou filme, de grande sucesso, com algumas passagens obscuras, com referências vetadas pelos pais do poeta, a exemplo do relacionamento de Cazuza com Ney Matogrosso, que ao gravar “Pro Dia Nascer Feliz” teria sido fundamental para o estouro do então desconhecido Barão Vermelho.
Já a trajetória de Renato Russo promete invadir as telas do cinema em 2010, com o longa “Somos tão Jovens”, que pretende retratar o percurso do “Trovador Solitário” pela jovem Brasília da década de 70 até o estrelato daquela que ainda hoje é considerada a maior banda de rock da história do país, a Legião Urbana.
Quase duas décadas depois de encerrado o ciclo da geração coca-cola, hoje se percebe mais claramente que não há de fato “o porta-voz” de uma geração, isso porque aquela geração nunca teve uma voz bem definida.
Era tudo o que poetas como Renato Russo e Cazuza, burgueses sem religião assumidos, em contraponto ao adorno exagerado da Tropicália, tinham a dizer sobre si mesmos, mais como o reflexo de uma coletividade sem alma, que propriamente com a pretensão de retratar um país tido como tropical. E talvez por isso mesmo acabaram dizendo mais.
Nas palavras de Renato Russo “Monstros de nossa própria criação”. Nas palavras de Cazuza “Uma geração sem ideologia”.
Samuel Carvalho Marinho é contador e servidor público federal.
Até hoje vigora a discussão sobre aquele que teria sido o mais proeminente e representativo poeta da década perdida, os anos oitenta.
A questão ainda é tema de debate em blogs, comunidades virtuais, e vira e mexe a gente se depara com um reply desses no twitter: Cazuza ou Renato Russo?
Fácil, fácil a resposta: nenhum deles somente, ou seja, os dois juntos.
Os dois representam a completude de um período conturbado de reconstrução democrática do Brasil: dúbio como teria que ser, antagônico a si próprio e contraditório pra todo sempre.
Enquanto um questionava: Que país é esse? O outro dava a resposta: Brasil.
Um se achava bonito, era sedutor, de autoestima invejável, expansivo e de poesia direta: “Raspas e restos me interessam”.
O outro se achava feio, era introspectivo, complexado, preferia curtir os dias de chuva e assim se definia numa de suas canções mais líricas: “Acho que não sei quem sou, só sei do que não gosto”.
Cazuza diz ter ficado louco quando Renato Russo surgiu no cenário da música brasileira: “O que é isso?! Que loucura! Esse cara está dizendo algo que eu quero dizer. Quero falar da minha geração”. Diz ter feito “Brasil” com certa “inveja cultural” de “Que país é esse?”.
Na tentativa de conciliar os talentos, um dia Renato Russo e Cazuza se propuseram uma parceria.
Não deu certo.
Cazuza havia mandado a Renato uma letra chamada “A orelha de Eurídice”.
Renato foi categórico: “O que é isso Cazuza? Uma letra que fala sobre orelha? Jamais vou fazer uma música sobre isso”.
Cazuza, na gíria carioca, teria respondido “Qualé Renato? Eu adoro uma orelha, vamos tentar!”
A parceira inconciliável terminou por aí. Mas a admiração mútua nunca teria acabado.
Perto do fim do calvário público do colega de geração, Renato Russo compôs “Feedback Song for a Dying Friend” (Canção retorno para um amigo à morte) uma canção de despedida em inglês. Além disso, fez uma bela inserção de “Faz Parte do Meu Show” em uma apresentação da Legião no Estádio das Laranjeiras, um dia após falecer o compositor de “O Tempo não Para”.
Pra tentar resumir o placar do jogo, costumo dizer que Cazuza deixou canções livres, sem se ater a um estilo musical predileto. Não era apenas um cantor de rock. Cultivava uma linha mais direta na poesia, era meio bossa nova, meio rock´n roll, mas nem por isso se tornara tão ou mais cativo quanto o rival de Brasília.
Renato Russo, paradoxalmente sendo “mais difícil”, vendeu mais, e conseguiu criar literalmente uma religião em torno de sua banda, idéia que abominava. Renato não deixou apenas canções, mas uma espécie de código quase bíblico a ser decifrado na leitura ininterrupta dos discos da Legião, do primeiro, Legião Urbana (1985) ao último “A Tempestade ou Livro dos Dias” (1996).
Há quem diga que até a seqüência do disco póstumo da banda, “Uma Outra Estação” (1997), Renato deixara alinhavada para os remanescentes da Legião apenas cuidarem de detalhes de produção.
Ambos, Cazuza e Renato Russo, morreram de complicações decorrentes da AIDS. Um aos 32, outro aos 36. Como se seguindo a sina do sonho de democracia que tanto questionaram: morreram cedo demais.
Nos seus últimos dias, um optou por mostrar a cara, assim mesmo como dizia a letra de sua música. O outro, não negou sua natureza, mergulhou no seu próprio mundo e preferiu deixar o recado nas entrelinhas do seu último disco em vida: “Hoje a tristeza não é passageira, hoje fiquei com febre a tarde inteira”. Nesse ponto nenhum deles foi incoerente, todos foram verdadeiros.
A vida de Cazuza já virou filme, de grande sucesso, com algumas passagens obscuras, com referências vetadas pelos pais do poeta, a exemplo do relacionamento de Cazuza com Ney Matogrosso, que ao gravar “Pro Dia Nascer Feliz” teria sido fundamental para o estouro do então desconhecido Barão Vermelho.
Já a trajetória de Renato Russo promete invadir as telas do cinema em 2010, com o longa “Somos tão Jovens”, que pretende retratar o percurso do “Trovador Solitário” pela jovem Brasília da década de 70 até o estrelato daquela que ainda hoje é considerada a maior banda de rock da história do país, a Legião Urbana.
Quase duas décadas depois de encerrado o ciclo da geração coca-cola, hoje se percebe mais claramente que não há de fato “o porta-voz” de uma geração, isso porque aquela geração nunca teve uma voz bem definida.
Era tudo o que poetas como Renato Russo e Cazuza, burgueses sem religião assumidos, em contraponto ao adorno exagerado da Tropicália, tinham a dizer sobre si mesmos, mais como o reflexo de uma coletividade sem alma, que propriamente com a pretensão de retratar um país tido como tropical. E talvez por isso mesmo acabaram dizendo mais.
Nas palavras de Renato Russo “Monstros de nossa própria criação”. Nas palavras de Cazuza “Uma geração sem ideologia”.
Samuel Carvalho Marinho é contador e servidor público federal.
Colabora com crítica musical no blogue do ed wilson
Meu nome é Flávio Rocha. Sou paraense de Belém e trabalho com música na noite da cidade..
ResponderExcluirSamuel,
Análise lúcida sobre um tempo que dá muita saudade, um tempo perdido mesmo... Hoje o que temos no cenário rockeiro brasileiro beira o ridículo. Primeiro umas bandas com umas siglas que não dizem nada NXZero, CPM, e sem nada para dizer, letras esdrúxulas. Me pergunto: Que geração seria essa meu Deus? Chegamos ao ponto de que o maior expoente do rock nacional chegou a ser cogitado para uma baiana, decadência total... Passaram mais de quinze anos da morte de Renato Russo e não surgiu mais nada arrebatador no cenário do rock nacional... Saudades de Russo e Cazuza sempre... Pena que o pra sempre sempre acaba.... Parabéns pelo texto
Valeu Flavio pelas observações
ResponderExcluirPrefiro pensar que o novo esta sempre aih... Depois dos nossos ídolos surgiram outros... Pitty é uma rockeira psicodélica baiana com a melhor atitude rock´noll.. pena que os tempos são outros...
Abços
Samuel
Ótimo texto Samuel. Do Cazuza o disco que mais admiro é o segundo solo "Só se for a dois". Da época do Barão Vermelho, o meu predileto, em razão das letras, é "Maior Abandonado". Não gosto tanto do Renato Russo, mas tem o "Dois" da Legião Urbana, que é um marco poético do nosso rock.
ResponderExcluirAbraços,
Olá Eduardo Júlio, obrigado pelas observações. Eu gosto muito daquele registro ao Vivo de Cazuza que tem versões inigualáveis de O tempo não pára e Faz parte do meu show. Me emocionam bastate.
ResponderExcluirDa Legião não sei eleger um único trabalho. Pois consigo gostar de todos, sem exceção. Mas o DOIS é realmente fantástico. O disco além de inspiradíssimo nas letras, conseguiu se livrar da estética datada dos sintetizadores que marcou o rock nacional nos anos 80. Parece que nunca envelhece.
Gde abço
Samuel
Olha cara, tava realmente procurando alguma coisa que os dois tivessem feito juntos,infelismente o maximo que eles chegaram a fazer foi a tentativa de uma parceria que nao deu certo, paciencia ne?
ResponderExcluirEu acredito que se os dois tivessem feito alguma coisa, como uma banda ou coisa assim, eles teriam conseguido virar os Beatles do Brasil. Pena. "os bons morrem jovens". Meu preferido do renato russo, é o "legiao urbana", o primeiro disco.
Do cazuza, sinceramente eu preferia quando ele fazia parte do Barao,melhor album"maior abandonado".
Gostei muito de tudo que li. Há muito que eu desejava ver alguma coisa sobre esses dois poetas, por excelência, dos anos 80. curto demais as letras destes ícones da música nacional. Do Cazuza, eu gosto de muitas músicas, não sendo possível apontar uma em particular. Do Renato Russo, também gosto de muitas de suas canções, mas há uma em especial que me emociona bastante: "Pais e Filhos", além de Geração coca-cola, Tempo perdido, entre outras letras perfeitas. Parabéns pelo texto e continue sempre escrevendo coisas interessantes como esta. Hoje, apesar dos meus 20 anos, percebo claramente o abismo que separa os anos de ouro do rock nacional e esta tendência adolescentesca sem ideologia, que visa mais à fama, ao reconhecimento que a essẽncia do rock e suas letras inteligentes e poéticas. ainda bem que há uma Pitty para nos salvar. ainda bem... Um forte abraço!!!
ResponderExcluirAnálise cega e translúcida. Não pelo talento, melodia e voz, mas por grande parte por irresponsavelmente terem influenciado e incitado negativamente um povo que precisava de incentivo, mas não às drogas, anarquia e depressão, e sim ao bom senso e revolução com ideais.
ResponderExcluirRenato e Agenor representaram o que o povo brasileiro é até hoje: complexado e acomodado. Não sabiam o que queriam, eram burgueses mimados e chorões, com a diferença que um deles não tinha a intenção de criar uma religião débil (o que infelizmente acabou acontecendo) que propagam e idolatram em alto e bom som aquilo que até hoje não mudou e não mudaria por "mentores" confusos e sem ideologias.
Menosprezam as bandas de hoje por sua pobreza estética, mas enaltecem um passado sombrio de alguns burgueses roqueiros desorientados. Bem paradoxo...
Na minha humilde opinião sempre se pergunta quem foi o melhor rockeiro brasileiro blá blá e mas blá blá vou ser curto em meu comentario entre estes 2 prefiro o Renato russo ,mas para acabar com o mimi pode juntar os 2 q não da metade do verdadeiro pai do rock eternamente Raul Seixas resto corre atras #RAULZITOÉMITO...
ResponderExcluirJunta os 2 não da a metade do melhor de tds os tempos rocKeiro brasileiro RAUL SEIXAS o eterno pai do rock ,resto corre atras e discutem quem é entre si pq #RAULZITOÉMITO....
ResponderExcluir