terça-feira, 22 de março de 2011

ENTRE A FONTE E AS PONTES...

JORGE LEÃO *

Ser da terra as pontes. Pisar em terrenos outros, ser ponte a mostrar. Ser ponte que aponta o mar.

Há no entanto um outro lugar na terra. O escondido. O que subjaz a nossos segredos. É o lugar onde o tempo não age. É o lugar do repouso em movimento. É o lugar da fonte. Deste lugar sereno ressurge o originário segredo das manhãs. Deste mesmo lugar que nos cabe aqui nesta breve alvorada, por uns chamado percurso, por outros travessia, por mim, caminhada...

Acordando cedo para chamar do acolhimento aqueles que dormem. É o lugar do silêncio que age. Os que dormem não avistaram o nascimento do dia. Eles ainda dormem, depois de uma longa e cansativa noite de procuras inacabadas.

Por tal in-felicidade, instaura-se o tempo. Sem perceber, às vezes, somos facilmente levados pelo lado fácil das coisas. E então perde-se o momento da madureza dos frutos.

Lançando o olhar para o outro lado da margem, lembramos que ficou para trás a fonte. E a memória interpretativa nos religa mais uma vez à fonte. Junto à fonte, que a todo instante nos revigora com água pura e cristalina. Uma retirada ao mesmo lugar. Lembrar-se da fonte sendo ponte.

Distanciados da fonte, porém, tudo passa sem que nossa casa seja revisitada pelas águas originárias.

Assim, como uma criança experimentando os primeiros passos, somos levados a vivenciar um segredo essencial: de que somos pontes.

Pontes entre margens. Pontes que ligam coisas distantes. Pontes entre montes...

Esta é a mágica da vida. Sabermo-nos temporais, como as pontes, que ligam e logo são esquecidas pelos transeuntes. Sabermo-nos pontificados.

A sabedoria do amor é um exemplo de pontificação. Quando se ama, a própria vida torna-se dádiva. Deixando-se levar sem tempo. Ama-se a travessia, esquecendo os percursos orientados por rotas acabadas pelas definições do tempo. O amor pontifica as margens.

Travar um percurso assim pontificado é mesmo ter experiência com o simples. É não ocupar lugares, mas apontar caminhos. É esvaziar o tempo, pois como experiência pontificada, a vida torna-se plenitude preenchida pelo vazio das coisas belas. Aquelas que só temos noção quando atravessamos as pontes. Aqueles segredos que somente as crianças contam para as árvores escondidas dos bosques.

O homem da parábola evangélica, que foi sentar-se atrás do salão de recepções, pois sabia que chegariam outros convidados. Jesus gostava de narrar estórias pontificadas pela Sabedoria. Ela que nos remete ao segredo fonte: sejam pontes.

Pontes que nos arremessam para o fundo dos rios. Quando pontes, saboreamos da mesma água que emana das pedras como fonte inesgotável, que não se apodera das margens, que mergulha fundo, pulando de pontes que nos mostram a grandeza e a beleza dos rios.

Mas somos passageiros. E muitas prisões egóicas nos fazem esquecer deste singelo detalhe. Perdemos muito tempo de nossas vidas querendo, ou mesmo pretensamente insistindo em ser fonte. Uma política improfícua que desprende muita energia de nossa mente e pouco movimento em nosso corpo. Por isso, ele cansa rapidamente, no dia-a-dia de nossos arranjos passageiros. E a mente se desgasta, envelhecendo com o frio abrasador de rios congelados.

O ego brinca conosco. Ele quer congelar os rios. A gente acaba cedendo. Pensando que somos os autores responsáveis por tudo o que é “eterno” neste tempo de efemeridades. O ego é astuto. A gente até desconfia disso, mas não sabe como enfrentar suas doces seduções e convites abundantes para tornar o rio um pátio de patinação ao gelo.

Por isso, um caminho possível seria a imagem de uma ponte. Talvez isso possa aliviar a ansiedade de ver os frutos da colheita todos recolhidos de uma vez. Ou mesmo aquecer o congelamento mental de nosso corpo.

A fonte, porém, em sua silenciosa sabedoria, sabe do percurso do rio. Ele vai para o mar. Ele é fluxo incessante. Movimento que não congela as águas. Simplicidade que passa...

Ser ponte... eis uma imagem que pode nos levar para os tempos de infância, onde o cuidado com as felicidades infantis transloca o cansaço do corpo, o congelamento da mente, para a leveza da alma, pois tudo na alma da criança é sorriso, que se traduz na delicadeza sutil das pontes. Tudo passa, quando somos pontes apenas a indicar o movimento das águas.

Ser ponte que moureja silenciosa, apontando o rio que passa. Ser ponte a nos dizer da leveza das águas que levam para o mar o que de mais eterno restou, a lembrança da fonte. Ser ponte religada à fonte.

Jorge Leão é professor de Filosofia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão. Membro do Movimento Familiar Cristão, em São Luís / MA.

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