quarta-feira, 2 de março de 2011

NOVO CONTO DE MARCOS FABIO

Escritor, jornalista e professor da UFMA, Marcos Fabio está de conto novo. Confira mais a escrita dele no http://marcosfmatos.blog.uol.com.br/

O ANIVERSÁRIO DO PAPAI

- Esta foto aqui é da minha primeira menina. Ela nasceu meio doentinha, a gente teve que levar ela pra capital, passou três dias na enfermaria daquele hospital, a coitadinha.
- Hum...
- Mas depois ficou boa. Voltei com ela pra casa, me ajudava muito na venda, comprava pão de manhã na bicicleta com uma caixa de ovo, daquelas bem grandonas.
- ...
- Tem outras fotos dos outros filhos, mas eu não sei onde foi que eu botei. Perdi elas de vista no dia que meu filho me deixou aqui. Esses caras devem ter dado fim nelas.
- Devem...
- Depois que a mulher morreu, naquele ano, tudo ficou de cabeça pra baixo. A outra que botei em casa era uma preguiçosa, só ficava vendo TV. As empregadas que ela arrumava levaram tudo de casa. Só ficou pouca coisa, mas as fotos eu não sei onde tão, não.
- Depois acha.
- Sabe que dia é hoje?
- Não.
- 20 de janeiro. Dia que eu nasci. Nunca tive festa de aniversário. Nunca deixei a mulher fazer e, depois que ela morreu, os meninos não tinham mais alegria, não quiseram mais comemorar nada. Natal, Ano Novo, Carnaval, nada. Tudo se acabou depois que ela morreu.
- É assim mesmo.
- Você já teve festa de aniversário?
- O que é?
- Só fiz pros meninos. A mulher gostava de festa, se arrumava toda e arrumava os meninos também. Nesse dia a casa ficava uma belezura, os vizinhos ficavam com inveja. Mas ela era boa, convidava todos.
- Ele chegou.
- Meu aniversário é hoje. Pode não ter injeção?
- Filho da puta.
- Deixa. Pode botar a injeção, deixa ela ir entrando, que depois eu vou meter uma injeção na tua mãe... Hoje eu tenho que tomar banho, meus meninos vêm pro meu aniversário. Bota uma roupa bem bonita, aquela que a menina me deu no Natal. Compra um bolo de aniversário pra mim, eu te dou um agrado. Eu preciso banhar, me deixa em pé mesmo.
- Filho da puta!
- Tudo bem, já já eu me levanto...Deixa ele ir embora, esse infeliz.
- Deixa ele...
- Liga a TV.
- Quebrada.
- Vou dizer pros meninos como é ruim aqui. Vou dizer o que eles fazem comigo aqui. Eles vão me tirar daqui e botar esses filhos da puta na cadeia. Os meninos são importantes. Eles vão ver. Todos pra cadeia!
- Bota mesmo!
- Tá vendo essa loja aí no calendário? Eu já fui vendedor dela. Bom vendedor, vendia muito, o patrão gostava muito de mim. As moças queriam comprar comigo porque eu ajeitava tudo pra elas.
- Sei.
- Depois eu conheci a mulher. Casei com a mulher bem novinha, uma moça de família. Depois que casei tomei jeito de gente, não bebi mais, não joguei mais, não fui mais na casa daquelas moças. A mulher era boa prá mim.
- Morreu de quê?
- Uma doença diferente, uma coisa esquisita. Nunca entendi direito. Dez anos já.
- ...
- Os meninos vão vir de tarde. Eles sempre chegam perto da noitinha. Acho que eles vão trazer o bolo e um presente prá mim. Se for um conjunto de cuecas, depois que eles saírem te dou uma, viu?
- Tá.
- Liga a televisão.
- Queimada.
- Já tive carro, sabia? Tive carro, tive casa boa, criei os meninos, botei na faculdade pra ser pessoa boa. Os meninos são importantes. Antes de vir prá cá, eu tinha casa, mas não tinha mais carro, não podia mais dirigir por causa da tremedeira.
- Sei.
- Os meninos é que me levavam pra cima e pra baixo, iam pro hospital, fazer exame comigo. Mas eu não gosto de dar trabalho pros meninos, a vida deles é muito corrida.
- Eu também.
- Quando vim pra cá, os meninos venderam a casa. Dividiram as coisas que a mulher deixou lá em casa. Eu arrumei a mala e botei as fotos nela. Os meninos deram o resto das coisas pra menina que cuidava de mim.
- Tu comeu ela alguma vez?
- Não. Era muito arisca.
- Fraco!
- Não tinha mais interesse nisso, não. Sentia muita dor nas pernas. A tremedeira me deixava muito mole também.
- Fraco!
- Hoje quando os meninos chegarem, vou pedir pra eles pra dar uma volta. Faz tempo que eu não vou ver a cidade, eu gosto de ver o mar, de ver as pessoas.
- Me leva.
- Eles não vão deixar. Cadê teus meninos?
- Porra!
- Essa sopa rala que eles dão no almoço é uma merda.
- É.
- Quando os meninos chegarem, de notinha, vou pedir pra eles me levarem pra comer comida de verdade. Aqui não tem comida de verdade.
- Não.
- Liga a televisão.
- Quebrada.
- Vou tomar um banho depois do almoço e botar aquela camisa nova do Natal pra esperar os meninos. Vou pedir pra eles darem uma volta comigo pela cidade.
- Me leva.
- Eu fui um bom comerciante, sabia? Vendia de tudo na minha venda, criei os meninos e botei pra estudar só vendendo. Os meninos viraram gente importante. Hoje eles vão vir aqui pro meu aniversário e tu vai conhecer eles.
- Me leva no passeio.
- Os meninos vão chegar daqui a pouco. Devem ter se atrasado, porque eles têm uma vida muito corrida. Mais tarde eles vão trazer bolo, refrigerante. Mas eu vou pedir pra eles passearem comigo pela cidade.
- Me leva contigo.
- Vamos ver o jornal nacional.
- Queimada.
- Os meninos vão chegar daqui a pouco.
- Ele chegou.
- Deixa a injeção pra mais tarde, os meninos vão chegar já já pro aniversário.
- Filho da puta!
- Eu vou dizer pros meninos te botarem na cadeia, seu filho de uma égua. Os meninos são importantes. Tu vai ver...
- Filho de uma égua.
- Deixa esse viado. Os meninos já vão chegar pra festa de aniversário. E eu vou dizer o que ele faz comigo. Eles vão me levar pra dar uma volta na cidade.
- Quero ir.
- A injeção tá me dando sono. Mas eu não vou dormir! Vou ficar acordado pra esperar os meninos chegarem pro meu aniversário.
- Quando eles chegarem, tu me acorda?
- Acordo. Nós vamos comer bolo e refrigerante. Depois vamos dar uma volta pela cidade. Eu te levo comigo.

(Imperatriz, 28 de fevereiro de 2011)

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