segunda-feira, 2 de maio de 2011

PARA ONDE CAMINHAMOS?

Jorge Leão *

A ciência moderna, de tendência evolucionista, indica o caminho da evolução física e mental do ser humano. Indiscutivelmente, os fatos comprovam que houve transformações ao longo do processo evolutivo. Nessa abordagem, a realidade humana é entendida como um fato físico. Ciências como a Paleontologia e a Arqueologia demonstram indícios e evidências de evolução na superfície terrestre. Alguns crentes ortodoxos perdem noites de sono com mais uma nova descoberta científica. É o velho embate entre ciência materialista e religião dogmática.

Nos dias de hoje, entretanto, a ciência vem buscando, paulatinamente, uma compreensão holística da realidade, isto é, com um enfoque integral, em que a visão intuitiva é fundamental para a solução da pergunta: de onde viemos? Alguns representantes da ciência integral, como Albert Einstein, Victor Frankl e Carl Gustav Jung, entre outros, enfatizam o aspecto unitário do Universo, em todas as suas transformações cósmicas e potencialidades humanas. No Brasil, em particular, a presença de pensadores como Huberto Rohden, Leonardo Boff, Frei Betto, Milton Santos, demonstram que é urgente pensarmos em uma nova abordagem de compreensão para a vida e para a humanidade.

De acordo com esta abordagem, o ser humano não apenas caminhou pelas sendas da evolução, mas vem de uma fonte comum. Isto indica que, além de um fato, ocorre um fator de ordem metafísica em todo esse prolongado trajeto de mudanças. Surge por isso a possibilidade de um diálogo profícuo entre ciência, filosofia e religião, uma vez que as tradições religiosas ancestrais já apresentavam a existência de um Ser ordenador de todas em coisas, presente em tudo. A religião denomina-o Deus ou Causa Universal.

Desse modo, nascem outras abordagens de ciência, num composto orgânico com a filosofia e a religião. É o que nos faz perceber a leitura da obra do pensador francês Pierre Teilhard de Chardin, intitulada “O Fenômeno Humano”. Em páginas de lúcida abordagem científica e filosófica, o autor demonstra a natureza integral do ser humano, passando este por várias alterações, que se iniciam na evolução biológica (biogênese), continuam na esfera intelectiva (noogênese), e por fim caminham para a culminância da realidade integral do processo evolutivo, o “ponto ômega”, na expressão de Chardin, que corresponde ao Eu-consciente, tendo o Cristo como modelo (Cristogênese). O homem cósmico inicia assim o processo de complementação à sua intelectualidade, alterando a relação estabelecida entre consciência e mundo, isto é, com a natureza, com os seus semelhantes e consigo mesmo. Antes, com o modelo advindo da ciência moderna, sujeito conhecedor, objeto conhecido; agora, amparado pelo espírito da ciência integral, um ser em processo evolutivo em busca de harmonia com os demais seres vivos no Cosmos.

Assim, com o predomínio de um modelo de ciência mecanicista e operativa, iniciada com a Revolução Científica no século XVII, com os trabalhos de Francis Bacon e René Descartes, o modo das relações humanas levou o planeta ao momento de tormentos em que vivemos atualmente. A visão fragmentada de ser humano, decompondo-o em partes menores pela análise científica, acarretou a perda do sentido pleno da existência. Chegamos a esse estado de coisas a partir do momento em que privilegiamos a ciência como técnica e a natureza como objeto de subjugação. O planeta Terra deixou de ser um composto integrado de relações, passando ao domínio do sistema de medida e precisão da ciência, com o objetivo de medir resultados concretos e aplicáveis.

A produção de tecnologia impôs mudanças jamais vistas no planeta, trazendo muitos benefícios de ordem prática, como a comunicação e a melhoria das condições de vida. Mas, com a consolidação do modo de produção capitalista, a partir da segunda metade do século XVIII, com a Revolução Industrial, grande parte da sociedade ficou à margem desses benefícios. O desdobramento da técnica, em sua aplicação imediata, privilegiou uma visão de mundo empobrecida e geradora de exclusão social, uma vez que hipertrofiou o lucro e o consumo como únicos modelos de convivência e habitação no planeta.

Faz-se necessária, diante disso, uma mudança na ordem das coisas. Precisamos partir imediatamente para um novo modelo de relações, em que o ser humano deve ser compreendido como uma “parte integrante do Universo” (Cf. ROHDEN, Huberto. O Homem, São Paulo: Alvorada, 1983, pp. 23-26), e não um agente de produção de tecnologias descartáveis, vendo a natureza apenas como matéria-prima de exploração. A Terra deve ser habitável não apenas para os humanos, mas a todos os seres vivos. O paradigma civilizatório que nos trouxe até aqui está fadado ao fracasso, pois não estende seus olhos para a alteridade, e o seu enlace de paixão e responsabilidade ética. A frieza do capitalismo gera privilégios e descarta a ética como fundamento das relações políticas. O materialismo ateísta esgota os recursos naturais pela lógica do mercado. Na velocidade das máquinas, a utilidade de algo é medida pela sua capacidade produtiva.

Devemos repensar nosso tratamento com a Mãe Terra. É chegado o momento de não mais impor uma condição de domínio, mas um enamoramento de gracejo recíproco. Se quisermos sobreviver na jornada do tempo, deveremos abrir os ouvidos para a dança cósmica dos astros, em sua harmonia de órbitas celestes. O planeta será habitável se houver um sistema de cooperação ecológica entre os humanos e a Natureza (Cf. BOFF, Leonardo. Ethos Mundial. Rio de Janeiro: Sextante, 2003, p. 13). Daqui parte a escolha que nos envolve a todos, nos proclama a todos: salvemo-nos pelo cuidado, antes que tenhamos apenas um breve período de sobrevivência global, e já sejam tarde demais os remorsos e os lamentos.


*Jorge Leão é professor de Filosofia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão


Referências

BOFF, Leonardo. Ethos Mundial. Rio de Janeiro: Sextante, 2003.

CHARDIN, Teilhard de. O Fenômeno Humano. São Paulo: Cultrix, 1990.

ROHDEN, Huberto. O Homem, São Paulo: Alvorada, 1983.


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