por Eduardo Júlio *
Muito já se falou sobre os problemas enfrentados pelos produtores que querem exibir "A Serbian Film - Terror Sem Limites", do diretor sérvio Srdjan Spasojevic, no Brasil, principalmente depois da censura do filme pela Justiça do Rio de Janeiro. Anteriormente, a película - distribuída no Brasil pelo mezzo maranhense mezzo italiano Raffaele Petrini - já tinha sido alvo de censura em diversos países da Europa. Exatamente em nações consideradas liberais, onde não esperamos que o exercício da liberdade de expressão venha a ser questionado, como Inglaterra, Noruega, Alemanha e Espanha. Se tivesse sido no Oriente Médio, não nos surpreenderia.
Censura não deve existir, seria um retrocesso. No entanto, antes de ser exibido, o público precisa ser muito bem informado. Assisti ao referido filme no Festival Internacional Lume de Cinema de São Luís, em julho, e saí da sessão perplexo e chocado com tanto mau gosto e apelação. Não sabia do grau de violência do filme, porque o catálogo do evento não informou com clareza o teor ou a densidade do conteúdo. O subtítulo do longa ("Terror Sem Limites") não foi suficiente para me intimidar. Um detalhe: o filme foi exibido em São Luís e seria exibido no Rio de Janeiro, sem ter passado pela análise do Ministério da Justiça, ou seja, sem a classificação indicativa.
É necessário descrever algumas sequências para o leitor entender parte do real conteúdo da obra: em determinada cena, há um estupro de um recém-nascido. Noutra, o protagonista faz sexo com o próprio filho de mais ou menos quatro anos. Há ainda uma cena de sexo com uma prostituta em que o personagem corta com um facão a cabeça da parceira, durante a transa. Porém, deve ser esclarecido que as cenas são simuladas, pelo menos, as que têm participação de crianças. Não há, portanto, sexo explícito.
Não consegui encontrar nenhuma relação, mesmo metafórica, do conteúdo com o terror vivido pelas populações dos Bálcãs na guerra fratricida que assolou a região nos anos 90, argumento usado pelo diretor Srdjan Spasojevic para justificar a violência desmedida e a estética grotesca. É uma desculpa por demais subjetiva, que não cabe como fundamento para as aberrações. A verdade é que o filme carece de qualidade. Está muito longe de um trabalho de hiperviolência com estética e roteiro apurados, a exemplo de "Irreversível", do ano de 2002, do francês Gaspar Noé.
Se fosse assim, os cineastas iranianos, mestres da estética humanista, teriam realizado muitos filmes de terror, porque, nos anos 80, o seu país viveu uma demorada e terrível guerra contra o Iraque. Entretanto, buscaram o caminho contrário, ressaltando valores humanos.
De bobagens, violência e guerras o mundo sempre esteve cheio. O que não falta é o culto à violência na arte e na mídia, como se não bastasse a realidade. A verdade é que, por meio da polêmica, "A Serbian Film" conquistou uma publicidade positiva e um prestígio que não merece.
Quanto à questão jurídica, há uma convenção internacional que condena, em manifestações artísticas, simulação de sexo com crianças. Mas isso depende da interpretação das autoridades. Não sou jurista, portanto, não posso opinar. Mas que fique bem claro para o público o que vai assistir.
Apesar de não ter nada a ver com "A Serbian Film", um filme reflexivo, de fato, sobre o conflito dos Bálcãs é "Antes da Chuva" (1994), de Milcho Manchevski. Mesmo contendo cenas de violência, é um presente para os olhos e para a alma. A produção foi lançada em DVD, no ano passado, pela distribuidora Lume, do maranhense Frederico Machado.
* Eduardo Júlio é poeta, jornalista e apreciador de cinema
Texto publicado anteriormente no caderno Alternativo do jornal O Estado do Maranhão
Muito já se falou sobre os problemas enfrentados pelos produtores que querem exibir "A Serbian Film - Terror Sem Limites", do diretor sérvio Srdjan Spasojevic, no Brasil, principalmente depois da censura do filme pela Justiça do Rio de Janeiro. Anteriormente, a película - distribuída no Brasil pelo mezzo maranhense mezzo italiano Raffaele Petrini - já tinha sido alvo de censura em diversos países da Europa. Exatamente em nações consideradas liberais, onde não esperamos que o exercício da liberdade de expressão venha a ser questionado, como Inglaterra, Noruega, Alemanha e Espanha. Se tivesse sido no Oriente Médio, não nos surpreenderia.
Censura não deve existir, seria um retrocesso. No entanto, antes de ser exibido, o público precisa ser muito bem informado. Assisti ao referido filme no Festival Internacional Lume de Cinema de São Luís, em julho, e saí da sessão perplexo e chocado com tanto mau gosto e apelação. Não sabia do grau de violência do filme, porque o catálogo do evento não informou com clareza o teor ou a densidade do conteúdo. O subtítulo do longa ("Terror Sem Limites") não foi suficiente para me intimidar. Um detalhe: o filme foi exibido em São Luís e seria exibido no Rio de Janeiro, sem ter passado pela análise do Ministério da Justiça, ou seja, sem a classificação indicativa.
É necessário descrever algumas sequências para o leitor entender parte do real conteúdo da obra: em determinada cena, há um estupro de um recém-nascido. Noutra, o protagonista faz sexo com o próprio filho de mais ou menos quatro anos. Há ainda uma cena de sexo com uma prostituta em que o personagem corta com um facão a cabeça da parceira, durante a transa. Porém, deve ser esclarecido que as cenas são simuladas, pelo menos, as que têm participação de crianças. Não há, portanto, sexo explícito.
Não consegui encontrar nenhuma relação, mesmo metafórica, do conteúdo com o terror vivido pelas populações dos Bálcãs na guerra fratricida que assolou a região nos anos 90, argumento usado pelo diretor Srdjan Spasojevic para justificar a violência desmedida e a estética grotesca. É uma desculpa por demais subjetiva, que não cabe como fundamento para as aberrações. A verdade é que o filme carece de qualidade. Está muito longe de um trabalho de hiperviolência com estética e roteiro apurados, a exemplo de "Irreversível", do ano de 2002, do francês Gaspar Noé.
Se fosse assim, os cineastas iranianos, mestres da estética humanista, teriam realizado muitos filmes de terror, porque, nos anos 80, o seu país viveu uma demorada e terrível guerra contra o Iraque. Entretanto, buscaram o caminho contrário, ressaltando valores humanos.
De bobagens, violência e guerras o mundo sempre esteve cheio. O que não falta é o culto à violência na arte e na mídia, como se não bastasse a realidade. A verdade é que, por meio da polêmica, "A Serbian Film" conquistou uma publicidade positiva e um prestígio que não merece.
Quanto à questão jurídica, há uma convenção internacional que condena, em manifestações artísticas, simulação de sexo com crianças. Mas isso depende da interpretação das autoridades. Não sou jurista, portanto, não posso opinar. Mas que fique bem claro para o público o que vai assistir.
Apesar de não ter nada a ver com "A Serbian Film", um filme reflexivo, de fato, sobre o conflito dos Bálcãs é "Antes da Chuva" (1994), de Milcho Manchevski. Mesmo contendo cenas de violência, é um presente para os olhos e para a alma. A produção foi lançada em DVD, no ano passado, pela distribuidora Lume, do maranhense Frederico Machado.
* Eduardo Júlio é poeta, jornalista e apreciador de cinema
Texto publicado anteriormente no caderno Alternativo do jornal O Estado do Maranhão
Boa análise. A arte sempre teve momentos de banalização. Esse deve ser um desses. Um cara que conseguiu uma grana pra rodar um filme. Melhor seria se ele tivesse montado um açougue, ou um posto de gasolina.
ResponderExcluirGerald