O OPORTUNISMO DA BEIJA-FLOR DE 2012
Samuel Marinho *
Foi em 1989 que pelas mãos de Joãosinho Trinta o carnaval carioca viveu o momento ápice do que já era tido como o “maior espetáculo da terra”.
Era o célebre enredo “Ratos e Urubus, larguem minha fantasia” que a Beija-Flor de Nilópolis levava para a Marquês de Sapucaí. Tempos em que a linguagem de carnaval de escola de samba se pretendia ainda como forma artística de preservação da memória histórica do país e servia até de crítica social.
Os mendigos de Joãosinho levados para a avenida naquele desfile denunciavam o abismo entre ricos e pobres, as desigualdades latentes do Brasil recém-democratizado.
Ironicamente, no desfile de 2012 do próximo domingo, homenageando os 400 anos da cidade de São Luís do Maranhão, a escola de Nilópolis pretende trazer os mendigos de volta. Não como forma de protesto de um Estado que tem a maioria de sua população abaixo da linha da pobreza e ostenta os piores indicadores sociais do país, mas agora como forma de reviver o memorável desfile de 89 em homenagem a João, falecido em dezembro passado. Nada mais oportunista.
Na voz do diretor da Escola de Nilópolis, o polêmico Laíla, os mendigos que encerrarão o desfile da Beija-Flor deste ano foram selecionados em um concorrido concurso na quadra da escola e virão estilizados, com performances teatrais.
Fosse uma homenagem mais sincera ao Maranhão, quem deveria invadir a avenida eram sim os mendigos do estado mais pobre da nação.
Mas há uma diferença fundamental entre a Beija-Flor de 1989 e a Beija-Flor de 2012 e não é só a ausência de Joãosinho Trinta: é a forma de fazer carnaval pela qual a escola optou nos últimos anos, que está cada vez mais distante da liberdade artística proposta pelo pequeno notável maranhense.
A escola de Nilópolis tem apresentado desde o fim da década de 90 uma forma de desfile cada vez mais burocrática, fadada a uma imaginação artística patrocinada e previsível, fruto de um processo que a Beija-Flor iniciou em 1998 de despersonificação da figura do carnavalesco, ao instituir uma inovadora comissão de carnaval que pensa na escola como uma empresa, e só.
Infelizmente (ou estranhamente) essa forma de apresentação tem conseguido correspondência favorável com os jurados do carnaval carioca e a Beija-Flor conquistou 6 dos últimos 10 carnavais na Sapucaí, em detrimento de renovações colossais como as propostas pelo carnavalesco da Unidos da Tijuca, Paulo Barros, e de desfiles emocionados da Mangueira como a homenagem a Nelson Cavaquinho em 2011.
Até o final do ano passado, após a conquista do título homenageando Roberto Carlos, estaria certo que o tema da Beija-Flor para 2012 seria o Estado do Ceará. Desavenças, digamos, econômicas de última hora teriam feito a escola dar um salto mais à esquerda do mapa do Brasil.
Após um acerto de patrocínio com o governo do Estado do Maranhão, o que promete ser um dos desfiles mais bem pagos da história da Sapucaí, a direção da escola teria se rendido imediatamente a uma “proposta artística” melhor; senão, ao menos, quiçá, bem mais polpuda.
Há rumores de que o governo do Estado do Maranhão estaria desembolsando, na mais modesta previsão, pelo menos 10 milhões para as alegorias e adereços do enredo “São Luís – O Poema Encantado do Maranhão”.
Nada contra o fato de o desfile se prestar a uma vitrine para incentivar o turismo de uma cidade ou determinado local, mas que essas relações sejam feitas de forma transparente e com limites, de forma responsável, pois o que está em jogo é a utilização de recursos públicos que o contribuinte deposita nas contas do governo para outras prioridades.
Mas falar em prestação de contas para um Estado que até pouco tempo carregava no nome do palácio que abriga a sede do seu Tribunal de Contas o nome da atual governadora parece ser utópico demais. Assim como seria exigir muito que a Beija-Flor, uma escola gerenciada por um contraventor que está sob as garras da Justiça, apresente de forma fidedigna quanto recebeu do governo Roseana Sarney.
Linda, porém maltratada, São Luís do Maranhão merece de fato todas as homenagens pela sua história e seu povo, suas belezas e encantos, como canta por sinal o confuso samba-enredo elaborado para 2012. Mas o Maranhão merece ao menos uma prestação de contas do dinheiro que está sendo derramado dos cofres públicos para um dia de devaneios alheios na Marquês de Sapucaí.
Criativo e revolucionário, Joãosinho Trinta também merece todas as honras de cidadão brasileiro e maranhense por ter elevado a linguagem do carnaval de escola de samba enquanto forma de arte. Talvez sua morte tenha sido providencial, ao ponto de que sua presença na Sapucaí no próximo domingo poderia causar uma mancha irreparável em sua obra-prima. Coisas de Deus...
Sobre a Beija-Flor, bem... por mais que seja dolorido para os fãs de todo o país que a agremiação de Nilópolis conquistou, fica a constatação de que a escola perdeu definitivamente a inventividade e o carisma de outrora, patrimônio que João ajudou a construir.
Se o carnaval carioca de passarela pretende se sustentar forte por mais alguns anos, à revelia da monotonia do estilo burocrático de carnaval da escola de Nilópolis, há que conservar e valorizar mais a garra de escolas tradicionais como a Mangueira, Portela e Império Serrano e de se espelhar no gênio criativo incomum e renovador de Paulo Barros. Tradição e modernidade, mas com arte de verdade.
Polêmicas à parte, fica marcante na memória coletiva a criatividade da obra-prima de Joãosinho Trinta, cujo título ressoa agora como sendo o seu adeus de protesto quando a Beija-Flor de 2012 entrar na avenida para falar do Maranhão: Ratos e Urubus larguem minha fantasia.
* Samuel Carvalho Marinho é contador e servidor público federal.
Belem/PA 12 de fevereiro de 2012
Foi em 1989 que pelas mãos de Joãosinho Trinta o carnaval carioca viveu o momento ápice do que já era tido como o “maior espetáculo da terra”.
Era o célebre enredo “Ratos e Urubus, larguem minha fantasia” que a Beija-Flor de Nilópolis levava para a Marquês de Sapucaí. Tempos em que a linguagem de carnaval de escola de samba se pretendia ainda como forma artística de preservação da memória histórica do país e servia até de crítica social.
Os mendigos de Joãosinho levados para a avenida naquele desfile denunciavam o abismo entre ricos e pobres, as desigualdades latentes do Brasil recém-democratizado.
Ironicamente, no desfile de 2012 do próximo domingo, homenageando os 400 anos da cidade de São Luís do Maranhão, a escola de Nilópolis pretende trazer os mendigos de volta. Não como forma de protesto de um Estado que tem a maioria de sua população abaixo da linha da pobreza e ostenta os piores indicadores sociais do país, mas agora como forma de reviver o memorável desfile de 89 em homenagem a João, falecido em dezembro passado. Nada mais oportunista.
Na voz do diretor da Escola de Nilópolis, o polêmico Laíla, os mendigos que encerrarão o desfile da Beija-Flor deste ano foram selecionados em um concorrido concurso na quadra da escola e virão estilizados, com performances teatrais.
Fosse uma homenagem mais sincera ao Maranhão, quem deveria invadir a avenida eram sim os mendigos do estado mais pobre da nação.
Mas há uma diferença fundamental entre a Beija-Flor de 1989 e a Beija-Flor de 2012 e não é só a ausência de Joãosinho Trinta: é a forma de fazer carnaval pela qual a escola optou nos últimos anos, que está cada vez mais distante da liberdade artística proposta pelo pequeno notável maranhense.
A escola de Nilópolis tem apresentado desde o fim da década de 90 uma forma de desfile cada vez mais burocrática, fadada a uma imaginação artística patrocinada e previsível, fruto de um processo que a Beija-Flor iniciou em 1998 de despersonificação da figura do carnavalesco, ao instituir uma inovadora comissão de carnaval que pensa na escola como uma empresa, e só.
Infelizmente (ou estranhamente) essa forma de apresentação tem conseguido correspondência favorável com os jurados do carnaval carioca e a Beija-Flor conquistou 6 dos últimos 10 carnavais na Sapucaí, em detrimento de renovações colossais como as propostas pelo carnavalesco da Unidos da Tijuca, Paulo Barros, e de desfiles emocionados da Mangueira como a homenagem a Nelson Cavaquinho em 2011.
Até o final do ano passado, após a conquista do título homenageando Roberto Carlos, estaria certo que o tema da Beija-Flor para 2012 seria o Estado do Ceará. Desavenças, digamos, econômicas de última hora teriam feito a escola dar um salto mais à esquerda do mapa do Brasil.
Após um acerto de patrocínio com o governo do Estado do Maranhão, o que promete ser um dos desfiles mais bem pagos da história da Sapucaí, a direção da escola teria se rendido imediatamente a uma “proposta artística” melhor; senão, ao menos, quiçá, bem mais polpuda.
Há rumores de que o governo do Estado do Maranhão estaria desembolsando, na mais modesta previsão, pelo menos 10 milhões para as alegorias e adereços do enredo “São Luís – O Poema Encantado do Maranhão”.
Nada contra o fato de o desfile se prestar a uma vitrine para incentivar o turismo de uma cidade ou determinado local, mas que essas relações sejam feitas de forma transparente e com limites, de forma responsável, pois o que está em jogo é a utilização de recursos públicos que o contribuinte deposita nas contas do governo para outras prioridades.
Mas falar em prestação de contas para um Estado que até pouco tempo carregava no nome do palácio que abriga a sede do seu Tribunal de Contas o nome da atual governadora parece ser utópico demais. Assim como seria exigir muito que a Beija-Flor, uma escola gerenciada por um contraventor que está sob as garras da Justiça, apresente de forma fidedigna quanto recebeu do governo Roseana Sarney.
Linda, porém maltratada, São Luís do Maranhão merece de fato todas as homenagens pela sua história e seu povo, suas belezas e encantos, como canta por sinal o confuso samba-enredo elaborado para 2012. Mas o Maranhão merece ao menos uma prestação de contas do dinheiro que está sendo derramado dos cofres públicos para um dia de devaneios alheios na Marquês de Sapucaí.
Criativo e revolucionário, Joãosinho Trinta também merece todas as honras de cidadão brasileiro e maranhense por ter elevado a linguagem do carnaval de escola de samba enquanto forma de arte. Talvez sua morte tenha sido providencial, ao ponto de que sua presença na Sapucaí no próximo domingo poderia causar uma mancha irreparável em sua obra-prima. Coisas de Deus...
Sobre a Beija-Flor, bem... por mais que seja dolorido para os fãs de todo o país que a agremiação de Nilópolis conquistou, fica a constatação de que a escola perdeu definitivamente a inventividade e o carisma de outrora, patrimônio que João ajudou a construir.
Se o carnaval carioca de passarela pretende se sustentar forte por mais alguns anos, à revelia da monotonia do estilo burocrático de carnaval da escola de Nilópolis, há que conservar e valorizar mais a garra de escolas tradicionais como a Mangueira, Portela e Império Serrano e de se espelhar no gênio criativo incomum e renovador de Paulo Barros. Tradição e modernidade, mas com arte de verdade.
Polêmicas à parte, fica marcante na memória coletiva a criatividade da obra-prima de Joãosinho Trinta, cujo título ressoa agora como sendo o seu adeus de protesto quando a Beija-Flor de 2012 entrar na avenida para falar do Maranhão: Ratos e Urubus larguem minha fantasia.
* Samuel Carvalho Marinho é contador e servidor público federal.
Belem/PA 12 de fevereiro de 2012
Caro Samuel,
ResponderExcluirparabéns por esse retorno.. texto com brilho. Adorei!
Sobre o tema, penso que qualquer mendigo ou miserável que apareça será redundante... Maranhão já é sinônimo de miséria...ou desgraça. Esse desfile é o ápice do desatino de um estado de desgraça política que nos aterroriza em quase meio século.
Quem suga o sangue alheio não é beija-flor, mas um vampiro. Um vampiro Escroto!
Burocracia é bondade e fineza de sua parte. Isso é pilantragem. A soma da canalhice!
Hoje fui ver as obras dos hospitais no interior.... Quando você ver o que existe de "feito"... Se fosse em um país com um mínimo de cultura republicana...o secretário, no mínimo, estaria sendo investigado...
Repugnante todos esses urubus carniceiros!
Obrigado pela saudação Francisco.
ResponderExcluirEu cresci e aprendi a admirar a escola de Nilópolis pelas mãos de Joãosinho Trinta... Hoje infelizmente a história é outra...
Ano passado eu estava lá fui realizar meu sonho de criança de ver a escola de perto....
Ao final presenciei toda a movimentação em torno da escolha do enredo de 2012... O que está acontecendo este ano é um verdadeiro absurdo. O carnaval mais bem pago da história da Sapucaí... Nós maranhenses temos motivos de sobra pra ficar indignados com esse derrame de recurso público inútil no atual contexto no Estado... Os ratos e urubus há meio século não nos deixam realizar a nossa fantasia de um estado mais digno... Ninguém merece... Um gde abço
Samuel Marinho
Excelente texto! Você conseguiu expressar tudo que penso. É mesmo uma pena que essa "mercantilização" do Carnaval tenha tomado conta de muitas escolas do Rio!
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