Dia 12 de maio, às 19h
Chico Discos
Rua de São João, esquina
com Afogados
ENTRADA FRANCA
por Conde Fouá Anderaos.
Segundo Marcel, o personagem principal do filme, alguns seres teriam o direito de estarem acima das leis. Você já leu ou ouviu isso. Tal pensamento não é ideia de Bresson.
É a mesma idéia de Rodion Românovitch Raskólnikov, protagonista de “Crime e Castigo, romance de Fiódor Dostoiévski . Não é somente as idéias que assemelham Marcel a Raskólnikov .
Ambos vivem em um apertado e sujo local em uma metrópole. Se a premissa é a mesma, o resultado difere. Raskólnikov não consegue viver após o delito cometido (que se restringiu a apenas uma vez numa noite). Já Marcel se aprimora no caminho trilhado.
O que seria essa obra de Bresson? O que nos fascina tanto na forma narrativa desse simples (e ao mesmo tempo hermético) filme? O que me surpreende é justamente que para fazer cinema ele trilhe um caminho ousado demais: nada de impurezas, ausência do artificial, inexistências de atores, desejo de apreender o real ao invés da simples e enganosa imitação da existência.
O que assusta em Bresson (justamente por que funciona maravilhosamente) é a presença de cabides (ou modelos), do não interpretar (atores não profissionais) e obter dessa forma a captação do real, do verdadeiro, do humano e do inusitado (imprevisto).
Marcel denuncia pelo seu olhar o caminho trilhado e a satisfação que isso lhe dá: seus olhos brilham de satisfação a cada furto bem sucedido, bem como vemos o rictus prazeroso que inunda sua face.
O que seria simples e destituído de sentido, ganha novos ares. Estamos diante de um ser completo, não apenas o traçado de um.
Outro recurso interessante é que a câmera passa a ser a extensão do olhar desse punguista em várias cenas. A alma do personagem é que dita o ritmo e movimento do homem. Os planos são curtos, os diálogos diretos, sem divagações.
Tudo que nos foi colcoado na tela está carregado de sentido: cada gesto, cada palavra, foi elaboradamente deixada ali por fazer parte de um vitral quase que inteiramente previsto anteriormente (exceto o inusitado, incorporado na edição).
No entanto o filme de Bresson exige um expectador atento. Se desviarmos o olhar por míseros segundos corremos o risco de a obra se empobrecer diante de nossos olhos. A cena da estação de Lion é veloz e ágil; digna de figurar como uma das sequências mais bem compostas de todo o cinema francês.
O que me encanta deveras na obra no entanto é que ao buscar se afastar de uma fácil sentimentalidade e emotividade o filme não nega tais sentimentos. Só que eles surgem na tela de uma forma inesperada, misteriosa e difícil de se definir por palavras.
A cena que fecha o filme cala-nos fundo na alma. Fomos levada a ela pela magia de sua direção. E se não calasse fundo, ficariamos com aquela sensação de algo inacabado. Uma obra chave da cinematografia mundial.
O Batedor de Carteiras (Pickpocket)
1959
75 minutos
Dirigido por: Robert Bresson
Escrito por: Robert Bresson , baseado no romance de Fyodor Dostoyevsky
Estrelado por: Martin LaSalle (, Marika Green, Jean Pelégrin e Pierre Étaix (Chantrapas)
Sinopse: Marcel é um homem amargurado e depressivo que tenta sua sorte nas ruas de Paris, roubando bolsas e carteiras. Filmada de uma forma inteiramente impessoal e controlada, como um teatro de marionetes, toda a tensão do filme não está no que ocorre durante as cenas, mas no que não ocorre.
Texto lindo. Belo comentário, dá vontade de conhecer o filme sim. Pena que já perdi a oportunidade
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