domingo, 30 de junho de 2013

MANIFESTO SONORO: A ORGANIZAÇÃO “DESORGANIZADA” NO BRASIL EM TRANSE


Ed Wilson Araujo, jornalista, blogueiro, professor da UFMA

Convergência!

Onipresença!

Palavras voadoras!

Flash Mobs!

Macunaíma tem celular conectado à Internet.

Pare de ouvir e comece a escutar. Quando você escuta, abre os seus sentidos para permitir a sensação do texto falado vibrar nos seus ouvidos, percorrer a sua pele, bater no seu coração e fazê-lo agir.

Atitude é o sentido da comunicação!

Esta madrugada, enquanto eu dormia, os espíritos dos meus heróis falaram para mim. Eu escutei as vozes de Luther King, Maria Aragão, Nietzsche, Bob Marley, Edgar Allan Poe, Tropicália, Ezra Pound, Bob Esponja, Raul Seixas, Titãs, Sítio do Pica-Pau Amarelo, Madre Teresa de Calcutá, Simone de Beauvoir, Karl Marx, Mikhail Bakunim, Raimundo Cabeça Branca e Pamogia de Pinom Pen.

Este manifesto é por eles e por outras tantas milhões de pessoas que ocupam as ruas do Brasil com suas palavras de ordem, suas cores, tambores, cartazes, apitos, skates, bikes, manifestos falados no grito que percute e repercute no peito e nas redes sociais.

Está em curso o colapso do sistema capitalista e novos modos de resistência são gerados. As antigas formas de organizar as pessoas em partidos e sindicatos entraram em declínio. Vivemos a era da organização desorganizada. A massa impulsiva, refém dos seus próprios instintos, das suas paixões, assumiu seu próprio destino e gera uma certeza assustadora: a incerteza!

Luta-se contra aquilo que foi gerado pelos ex-guerrilheiros e ex-presos políticos de esquerda que chegaram ao poder e aliaram-se a José Sarney, Collor de Melo, Renan Calheiros e Marco Feliciano.

E os líderes de hoje que contestam os rebeldes de outrora, o que serão amanhã?
Vivemos a era da incerteza no terreno fértil adubado pela destruição criativa e pelas novas formas de participação. Estamos na era dos Flash Mobs!

Agora é o imperativo tecnológico no comando das redes que mobilizam as pessoas por meio de bits, bilhões de bits por segundo, voando no espaço para conectar as pessoas e as coisas.

Não tem plenária para decidir, não tem comando tripartite nem panfleto unificado, impresso depois de dezenas de mãos mexerem no texto. Só as palavras aladas conectam as pessoas.

Cada qual faz seu protesto grafado nos cartazes criativos. Quanta beleza na anarquia das frases, nos dizeres irônicos, na crítica feroz, no brado retumbante das palavras de ordem improvisadas e incorporadas na multidão.

Há uma nova estética nos protestos. As ruas dos Brasil transformaram-se em palcos das óperas do povo, com seus cantos, gritos de guerra, tintas na cara, grafismos, movimentos corporais, fantasias, discursos, desejos manifestos.

Se as outras gerações contestatórias articulavam-se na luta comum pelo socialismo, a falta de um objetivo estratégico é o que caracteriza os protestos de 2013. Ninguém sabe onde vai parar a multidão em catarse coletiva.

Em meio aos protestos pacíficos e democráticos, a turba desordenada ataca, quebra, vandaliza, deixa transpirar os instintos primitivos do saque e da violência.

Mas, qual é a violência maior:

O desvio de verbas públicas da merenda escolar, que deixa crianças com fome?

O roubo do dinheiro dos hospitais públicos, que mata pessoas?

O investimento de bilhões de reais em estádios de futebol?

Ou a destruição de uma agência bancária, símbolo do capitalismo selvagem?

Os vândalos infiltrados nos protestos agem como iconoclastas que deletaram todos os ídolos. Não acreditam em nada nem ninguém. Só os instintos primitivos da violência os movem para destruir o patrimônio público e privado. Para eles, não ficará pedra sobre pedra.

A política e a guerra de todos contra todos estão nas ruas. A democracia e a intolerância conflitam dentro do conflito. Quem vai hegemonizar os protestos?

O povo nas ruas fabrica uma nova cultura política, já vista em outras épocas (Diretas Já, Impeachment de Collor), mas todas elas controladas pela institucionalidade dos partidos, sindicatos e outras entidades da sociedade civil.

Agora está tudo descentralizado e pulverizado, mas é proibido proibir, como diria Caetano Veloso. Toda liberdade aos partidos e organizações que comungam das pautas de reivindicações dispostas nas ruas.

Estamos todos indignados, partidários ou não!

É proibido ficar parado e aceitar calado a desonestidade, a injustiça, a pilhagem e a corrupção.

Vem pra rua você também!

Queremos punição aos corruptos, repatriação do dinheiro usurpado, escolas e hospitais decentes, transporte de qualidade, ciclovias, parques ambientais, alimentação saudável, praias limpas, menos shoppings e mais áreas de convivência, calçadas, rampas, ônibus adaptados, mais árvores na cidade, paisagismo, beleza nas ruas.  Chega de açoite nos olhos. Queremos infra-estrutura e revolução estética.

A contradição que move o mundo é a boa e velha luta de classes. O império do consumo e do fetiche da mercadoria não traz felicidade!

Lutamos por um Brasil livre da corrupção, plural, com respeito à diversidade sexual e religiosa. O Estado é laico! Democracia na comunicação. Liberdade para as rádios comunitárias e populares. Viva o povo brasileiro, guerreiro, acordado e atento. Viva a revolução!

Encerramos este manifesto com um dos mais belos poemas da literatura universal. Chama-se “E então, que quereis?...”, de Vladimir Maiakóvski:

“Fiz ranger as folhas de jornal
 
abrindo-lhes as pálpebras piscantes.
 
E logo
 
de cada fronteira distante
 
subiu um cheiro de pólvora
 
perseguindo-me até em casa.
 
Nestes últimos vinte anos
 
nada de novo há
 
no rugir das tempestades.
 
Não estamos alegres,
 
é certo,
 
mas também por que razão
 
haveríamos de ficar tristes?
 
O mar da história
 
é agitado.
 
As ameaças
 
e as guerras
 
havemos de atravessá-las,
 
rompê-las ao meio,
 
cortando-as
 
como uma quilha corta
 
as ondas."

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