Para o MPL (Movimento Passe Livre), os empresários de
ônibus não tem respeito com a população, a Câmara dos Vereadores não fiscaliza
o serviço de transportes e mantém as informações sob sigilo. Segundo o movimento, a licitação anunciada
pela Prefeitura deveria ser de amplo conhecimento da população. Veja a
entrevista:
Blogue - Como se formou o
Movimento Passe Livre (MPL) em São Luis?
MPL São Luís – Um ativista
de São Luís esteve presente na plenária de fundação do MPL à nível nacional no
Fórum Social Mundial de 2005 em Porto Alegre. Desde então formou-se um coletivo
na cidade formado basicamente por estudantes e anarquistas.
Esse coletivo denunciou a
mercadorização do direito à meia entrada promovida pela administração de Tadeu
Palácio com a implantação da personalização do passe escolar e a limitação do
direito de compra do passe. Depois denunciou o conluio e o simulacro de acordo
entre entidades estudantis, sobretudo a Umes, com a Prefeitura e com o partido
do então prefeito.
Desde então infelizmente
proliferam entidades estudantis de aluguel que sustentam verdadeiras máfias da
carteirinha de estudantes e subprodutos políticos que muito prejudicaram a
discussão sobre políticas públicas de juventude em São Luís. Depois este
coletivo se dissolveu. Em 2007 formou-se um outro coletivo que se intitulava
MPL mas que não mantinha vínculos com a federação nacional do movimento.
Na verdade este coletivo foi um
desdobramento da mobilização de jovens em São Luís após o movimento Xô
Rosengana que tomou conta do Maranhão e que desmascarou Roseana Sarney a toda
uma geração de jovens. Este coletivo atuou até 2009 e depois foi dissolvido.
Depois do junho de 2013 ativistas do primeiro coletivo, militantes, estudantes
e professores rearticularam um novo coletivo do MPL que vem funcionando desde
então e que está vinculado politicamente à federação nacional do movimento.
Blogue – Qual a forma de
organização e como o MPL atua?
MPL São Luís – O MPL é um
movimento que nasce como desdobramentos das lutas anticapitalistas no Brasil. A
diferença com outras organizações da esquerda tradicional é que o MPL se
organiza por fora da lógica da organização partidária tradicional marcada pelo
centralismo e pela burocracia. Ao invés disso o MPL afirma o seu caráter
apartidário por que se organiza independente da atuação de interesses
partidários.
Afirma também o seu caráter
horizontal por não acreditar na figura de líderes e de estruturas tradicionais
de direção. Para a cultura política brasileira isto é uma inovação radical dado
o caráter personalista com que se faz política. A consequência mais nefasta do
personalismo é vincular ideias, programas e valores a uma pessoa como se ela
fosse a representação encarnada desses ideais.
O resultado disso na história
brasileira invariavelmente é populismo deslavado. Ao invés disso o MPL
privilegia decisões por consenso e a mais ampla democracia possível. A ação
direta é a forma de atuação privilegiada do MPL por que acreditamos que as
mudanças fundamentais na política advêm do poder de organização e mobilização
do povo nas ruas contra as trapaças de gabinetes que imperam no universo da
política representativa.
Blogue – Qual a situação atual do
transporte público na capital maranhense?
MPL São Luís – Extremamente
grave. O serviço é deficitário ao usuário, mas altamente lucrativo para os
empresários. O modelo baseado no chamado sistema integrado de transporte, os
terminais de integração, cumpriu a sua função em determinado período, mas
obviamente que se esgotou em decorrência do crescimento, do inchaço
populacional e da ocupação descontrolada do solo urbano da cidade.
Esse problema se gestou na década
de 90 e se consolidou na década dos anos 2000 sob a administração do
ex-prefeito Tadeu Palácio que observou essa dinâmica e não tomou nenhuma
inciativa para planejar o trânsito e o transporte da cidade. Ao invés disso é
de conhecimento público que o ex-prefeito na verdade se tornou sócio de vários
novos empreedimentos ligados à cadeia produtiva da indústria do automóvel, como
postos de gasolina, por exemplo.
Os quatro anos da gestão de João
Castelo, e acho até um contrasenso linguístico usar o termo “gestão” para
designar este período, podem ser entendidos como quatro anos perdidos pois em
sua gestão absolutamente nada foi feito no setor do transporte coletivo, o
sistema se tornou ainda mais deficitário e ainda por cima houve um aumento de
tarifa em pleno do período de carnaval que pegou toda a sociedade de surpresa.
Do ponto de vista legal podemos
afirmar que existe uma situação de aberração jurídica quando às normativas
relativas ao transporte coletivo da cidade por que a lei municipal que
regulamenta o transporte público expõe por exemplo em seu artigo 6º que “O
Planejamento [do transporte coletivo da cidade] deverá ter como principio o de
proporcionar aos usuários a mais ampla mobilidade a o acesso a toda a cidade no
menor tempo e curso possíveis com segurança e conforto.”
O que o atual modelo baseado no
sistema de integração faz é exatamente o contrário porque muitas vezes o
usuário é obrigado a percorrer longas distâncias dentro de várias linhas para
acessar a integração e percorrer uma pequena distância entre dois bairros
vizinhos por exemplo.
Quanto ao item segurança e
conforto é simplesmente uma piada falar nesses dois itens dado o sufoco que milhares
de ludovicenses passam todos os dias dentro dos ônibus. O que se vê nos rostos
dos usuários do sistema de transporte uma vez dentro dos coletivos é a cara do
sofrimento.
O item planejamento também é um
mero item decorativo dentro da lei já que, segundo informações, o planejamento
e gerenciamento deste modelo baseado na integração é realizado por uma espécie
de instituto/consultoria de caráter privado com estritos laços com o sindicato
das empresas de transporte.
O que vemos na prática em São
Luís é um serviço público essencial, tal como descrito na constituição federal,
entregue totalmente nas mãos da iniciativa privativa e sedenta por lucros,
lucros e mais lucros à custa de um serviço cada vez mais precário e isso é
culpa das gestões à frente da Prefeitura da cidade, de ontem e de hoje.
Blogue – Qual a proposta central
do MPL para melhorar a prestação do serviço de transporte público?
MPL São Luís– A prestação de um
serviço como o de transporte coletivo de uma cidade grande como São Luís é um
trabalho muito complexo que exige bastante planejamento. Uma das medidas mais
importantes contidas na proposta do MPL sobre a gestão do sistema de transporte
é retirar o controle da gestão da iniciativa privada e devolvê-la ao poder
público. Só assim as prerrogativas legais contidas nas normativas sobre o
transporte poderão ser cumpridas.
Há de se dizer ainda, sobre essa
questão legal, que o poder público está totalmente irregular e fora da lei ao
permitir a gestão do sistema a partir dos interesses dos próprios empresários.
Portanto acreditamos que só poderá haver melhorias e verdadeira qualidade no
serviço de transporte coletivo se esse serviço sair da iniciativa privada.
Blogue – Durante a ocupação da
Câmara Municipal de São Luís, em julho de 2013, a pauta do transporte foi
apresentada aos vereadores. Quais os resultados da reivindicação?
MPL São Luís– Absolutamente zero.
Para se ter uma ideia, no dia acordado para haver a sessão que discutiria a
questão do transporte público o coletivo de ocupação da câmara e seus
representantes foram impedidos de adentrar nas dependências da Câmara Municipal
e a sessão foi convertida numa homenagem a um empresário da especulação
imobiliária com grande prestígio junto à classe política local.
Fizemos então um ato fora da Câmara,
denunciando a manobra. Há de se dizer também que a Câmara de vereadores não é o
local mais apropriado para se realizar uma discussão séria de um assunto tão
importante quanto este. O que dizer de um poder público que em pleno ano de
2013 não possui nem site na internet?
Uma das pautas da ocupação é a
transparência nas contas da Câmara. Quantos funcionários possui, quantos são
aposentados, qual o salário dos vereadores??... Nada disso é informação pública
hoje porque se a Câmara não possui nem site como pode ter portal da
transparência? A Prefeitura afirma que realizou uma auditoria no sistema de
transporte, mas até hoje a sociedade civil ainda não viu uma vírgula deste
documento. O mesmo está preso nos gabinetes dos vereadores que não querem dar
publicidade a um documento público.
Outro fato grave é a chamada
licitação que está sendo realizada pela Prefeitura. Não sabemos de nenhum
detalhe técnico deste processo que é de interesse de toda a sociedade ludovicense
e essas informações também estão retidas nos gabinetes da câmara municipal.
Blogue – Como o MPL avalia o
crescimento do chamado transporte alternativo, os “carrinhos”, na zona urbana
de São Luís, principalmente na área Itaqui-Bacanga?
MPL São Luís – É uma resposta
desesperada da sociedade ao caos no transporte coletivo da cidade. O poder
público não age para responder com rapidez ao grave problema da mobilidade
urbana em São Luís e a sociedade encontra meios criativos e rentáveis para
oferecer serviços alternativos de transportes.
O problema é que esta “solução” é
apresentada dentro dos marcos de um modelo de mobilidade baseado no transporte
individual, o que agrava ainda mais o problema da mobilidade com os
engarrafamentos monstruosos que vemos em qualquer horário e em qualquer ponto
da cidade.
Solução eficaz seria inverter a
lógica do incentivo ao transporte individual e promover o transporte público
com qualidade para fazer as pessoas deixarem seus carros em casa. Nessa esteira
existem alternativas tecnológica e economicamente muito viáveis como o VLT e o
BRT. Essas alternativas mais uma reforma ampla do sistema de transporte
coletivo da cidade podem começar a desafogar os problemas de mobilidade de São
Luís.
Blogue – É possível quebrar o
monopólio das empresas no setor de transporte em São Luís? Como?
MPL São Luís – É possível com
pressão popular e com iniciativa e vontade política do poder público. I isso inclui a Prefeitura e a Câmara de
vereadores, já que para haver a quebra deste monopólio é preciso que haja uma
reformulação geral na concepção e funcionamento do sistema de transporte coletivo
de São Luís. Essa reformulação pode apontar para várias formas de organização
do sistema, formas tais que podem inclusive prever uma forma de participação mista
com empresas do setor privado e empresas públicas de transporte.
Para isso é preciso que haja um
primeiro lugar alguma forma de estatização do sistema e o ideal é que esta
estatização empodere a sociedade quanto à gestão do próprio sistema. O MPL
defende, por exemplo, que sejam criados comitês populares descentralizados para
a gestão em toda a cidade; contudo, temos consciência de que a discussão e
implementação de um novo modelo é sobretudo uma decisão de caráter político e
da forma como o sistema político-eleitoral está organizado atualmente no país
temos uma situação de simbiose promíscua entre os interesses dos empresários de
diversos setores e os interesses da classe estritamente política em detrimento
do interesse público e social.
Blogue – Durante a campanha
eleitoral, o então candidato à Prefeitura, Edivaldo Holanda Junior (PTC), apresentou
a proposta do bilhete único. Ele ganhou a eleição, mas não implantou o projeto.
Qual a avaliação do MPL sobre o bilhete único?
MPL São Luís – É um modelo que se
for implantado em São Luís já nascerá defasado. O poder público, se quiser dar
soluções reais para a crise da mobilidade urbana na cidade deverá ser mais
ousado. Não adianta implantar o bilhete único e os ônibus continuarem
engarrafados nas estreitas e poucas avenidas da cidade.
Estamos numa situação em que é
necessário aproveitar a janela aberta por junho de 2013 para pensar e implantar
projetos estruturantes de longo alcance para a mobilidade urbana da cidade e
não pensar em propostas de curto alcance. Tecnicamente o modelo do bilhete
único não mexe muito na composição agregada do percentual de participação da
tarifa no sistema como um todo. Os pobres vão continuar pagando muito caro por
deslocamento e o mesmo continuará sendo de péssima qualidade.
Blogue – O que é a tarifa zero?
Como ela pode ser implantada em São Luís? Seria possível implantá-la sem
quebrar o monopólio das empresas de transporte coletivo?
MPL São Luís – Tarifa Zero é um
modelo de gestão que elimina a tarifa paga diretamente pelo usuário no momento
do uso do serviço de transporte coletivo. Não é um modelo fechado, mas o
fundamental é que o mesmo inverte toda a compreensão do papel do transporte
público em relação à questão do direito a uma cidade mais humana e menos
controlada exclusivamente pelos interesses econômicos.
No modelo proposto pelo MPL deve
haver uma completa reformulação do sistema passando por alguma forma de
estatização e/ou da existência de algum fundo público, federal, estadual ou
municipal para a utilização na gestão do transporte coletivo. Quanto a isso, há
diversas possibilidades, transversais aos temas de orçamento: pode-se onerar
mais, percentualmente, os ricos através de uma Reforma Tributária que tenha um
horizonte de imposto progressivo de acordo com a renda, como foi proposto com o
aumento do IPTU em São Paulo recentemente ou a Reforma Tributária da cidade em
1990- ambos rejeitados.
Outra alternativa bastante
importante de ser levada em conta é o fato de o Orçamento Geral da União - algo
que abrange em torno de R$2,361 trilhão - ser sucessiva e majoritariamente
destinado ao pagamento de Juros e Amortizações da Dívida Pública cheia de
irregularidades e ilegalidades, como explicitado na previsão para 2014, segundo
a qual 42,42% do orçamento será destinado a isso.
Constitui-se, assim, uma clara
priorização dos interesses de banqueiros em detrimento das demandas sociais,
como transporte público e Tarifa Zero, por exemplo.
Independente dessas nuances, é
fundamental a aprovação do projeto de emenda constitucional 90 que transforma o
transporte em direito social. Até agora houve uma boa tramitação desta PEC no
Congresso Nacional, sendo aprovada na Câmara dos Deputados e despachada à
apreciação pelo Senado, mas sabemos que ainda há um bom caminho até a mesma se
concretizar como marco legal estabelecido para a garantia deste direito e
reconhecemos suas limitações em, a posteriori, efetivar-se substancialmente.
Blogue – Qual seria a melhor
forma de dar transparência aos gastos com transporte público em São Luís?
MPL São Luís– Uma é fazer cumprir
a lei, coisa que por exemplo a Câmara de vereadores não faz ao desrespeitar a
lei de transparência e não possuir um mísero web site com informações sobre o
que acontece naquela casa.
A Prefeitura também tem
explicações a dar à sociedade já que até hoje não se viu e não se ouviu falar
no que deu a auditoria do sistema de transporte coletivo solicitado pela Prefeitura.
Outro exemplo de falta de transparência é o modo como estão sendo encaminhados
os procedimentos para a chamada licitação dos transportes na cidade.
A Prefeitura pretende mexer num
sistema de grande repercussão e interesse social sem dialogar com a população
sobre o que ela pensa e o que ela quer de um sistema de transporte coletivo
contrariando o princípio de autogestão, que é uma forma de gestão democrática,
dos transportes pelos usuários e trabalhadores.
Infelizmente as marcas de um
estado autoritário, oligárquico e antidemocrático também se fazem sentir na
administração pública municipal em todos os níveis, executivo e legislativo, o
que do ponto de vista político é um grande erro já que deveria ser o contrário
por que a capital deveria dar o exemplo para o resto do Estado.
Blogue – As empresas de ônibus
têm que tipo de interferência no cenário político de São Luís?
MPL São Luís - Todos os possíveis
porque são empresários com altas somas de recursos que influem diretamente no
montante arrecadado pelas campanhas eleitorais e uma vez eleito é cobrada uma
fatura sob a forma de benesses legais e administrativas como é o caso do
transporte coletivo.