domingo, 18 de maio de 2014

A LUTA CONTRA O RACISMO E A TENTATIVA IDIOTIZAÇÃO DA REAÇÃO NEGRA

Hertz Dias

Com a aproximação dos jogos Copa do Mundo cresce a preocupação da burguesia brasileira e de sua mídia com as mobilizações sociais. Tudo indica que a massa negra, que representa o setor mais oprimido e explorado do proletariado brasileiro, começa a entrar em cena e entra com muita força.

O morro cansou de ganhar o asfalto só com suas manifestações culturais, agora é o morro de “carne e osso” que vai ao asfalto com “palavras de ordem”, faixas e bandeiras para dizer não à violência e ao racismo! Copacabana foi tomada como nunca visto na história e para cada favelado morto pela polícia de São Paulo alguns ônibus são incinerados no asfalto! Nas grandes capitais do país esses fatos se repetem.

O proletariado negro organizado também entra em cena, afinal de contas qual é a origem racial dos garis que dobraram o prefeito Eduardo Paes (PMDB) em pleno carnaval carioca? O fenômeno se estendeu por diversas capitais do Brasil, bem como o fenômeno dos “rolezinhos”.

No campo, centenas de comunidades quilombolas resistem na mesma intensidade. Agregado a isso, os inúmeros casos de racismo ocorridos dentro e fora dos campos de futebol coloca o tema racial no centro do debate político.

Porém, como aconteceu durante as “Jornadas de Junho”, os governos, a burguesia, seus partidos e sua mídia comercial tentam controlar essas rebeliões e banalizar o debate e a luta racial.

Identificamos duas ideologias centrais para esse intento: uma é tentar demonstrar que os preconceitos, em geral, e o racismo, em particular, afetam todos os brasileiros independente da origem racial e da condição social; e a outra é convencer a população de que esses problemas podem ser superados com ações individualizadas ou com a “não luta”. No geral, as exceções são tomadas como regra geral.

Há algumas semanas o Programa da Rede Globo “Encontro com Fátima Bernardes” tratou do tema bullying em que as principais vítimas eram brancas, burgueses ou de classe média. Os “pobres coitados” lembravam emocionados dos preconceitos que enfrentaram na infância por terem a boca grande, o corpinho de modelo, o cabelo longo ou pintado, aparelhos nos dentes, sobrancelhas grossas e até dons artísticos. Em meio às lágrimas e soluços relataram que superaram os bullyings com ações individuais; usando a criatividade, o bom humor ou mesmo “ignorando os preconceitos”. O mundo parecia um lugar onde todos discriminam todos e todos por todos são discriminados.

Desta forma, iguala-se alguém que sofre preconceito por ser “bonita demais” com milhares de pessoas que são discriminadas e mortas por serem negras e pobres. É dessa idiotização que nasce a patética idéia de que o mundo precisa apenas de uma “consciência humana” já que nessa visão distorcida da realidade a consciência negra também produz mais racismo (sic!).

Em meio a isso, o jogador do Barcelona, Neymar Júnior, que sempre negou sua origem negra, lança a midiática e ridícula campanha “Somos todos macacos”, que foi imediatamente abraçada por diversos artistas globais. Ao contrário deste, o jogador do Milan, Mário Balotelli, que resolveu enfrentar o racismo com ações mais contundentes, foi rotulado pela imprensa futebolística de provocador, polêmico e marrento.

No último domingo (04/05/2014) o também jogador do Barcelona, Daniel Alves, ao ser entrevistado no quadro “Na Estrada com Galvão” do programa “Esporte Espetacular”, também da Rede Globo, reforçou a ideia de que combater os racistas não é a melhor forma de combater o racismo, apesar de reconhecer que sofre racismo há 11 anos na Europa.

Nota-se que nenhum desses programas relaciona os casos de racismo ocorridos dentro dos campos de futebol com a violência racial cometida contra a população negra de maneira geral. Pelo contrário, Daniel Alves chegou a afirmar no programa supracitado que os racistas dos campos de futebol, talvez, não sejam racistas na vida cotidiana.

Na verdade, não tendo mais como sustentar a ideia de que o Brasil é uma grande “democracia racial”, a elite brasileira tenta, desesperadamente, criar um novo mito, o do “preconceito democrático”, aquele que pode ser superado com ações individuais ou de preferência com a “não luta”.

Mas, os defensores do “preconceito democrático” não apresentam qualquer estatística que comprove que os opressores estão sofrendo tanto preconceitos quanto os oprimidos. Não apresentam por que não há! Não apresentam porque sabem que os negros, as mulheres e os homossexuais da classe trabalhadora são as principais vitimais das opressões nesse país. Não apresentam porque sabem que os bullyings que os burgueses sofreram de seus coleguinhas nas escolas não os credenciaram as serem baleados nas costa e arrastadas pelo asfalto quente por mais de 350 metros tendo parte do corpo dilacerado, como aconteceu com a auxiliar de serviços Ana Cláudia. Não os credenciaram porque, diferente dos seus pares de classe, Ana Claudia, Amarildo e DG foram vítimas letais do racismo branco e não de bullyings, que na versão brasileira está servindo como distração ideológica para tornar invisíveis os movimentos de luta contra as opressões e para deslegitimar suas ações coletivas.

Ora, o que é bullying racial senão eufemismo de racismo! É preciso lembrar aos modistas de plantão que racismo é uma ideologia que condena e mata negros há centenas de anos no Brasil e em todo o mundo. O novo é a tentativa de banalização dessas práticas e das lutas que devem ser travadas para a sua eliminação.

Se um negro discriminado na escola é vítima de bullying, então o que dizer quando o mesmo é morto pela polícia pelo simples fato de ser negro? Amarildo, Ana Claudia, DG e tantos outros foram vítimas de que? De bullying policial”? Sendo assim, o Movimento Negro então deve diluir-se em um hipotético Movimento de Luta contra o Bullying e ensinar os negros a superarem o racismo com ações individuais; quem sabe dançando, cantando ou, preferencialmente, não lutando. É preciso idiotizar as opressões para conter as reações coletivas!

MENOS INDIVIDUALISMO, MAIS ORGANIZAÇÃO POLÍTICA

Nenhuma das ideologias criadas ou ressignificadas para garantir a dominação, a humilhação e a exploração capitalista, a exemplo do racismo, podem ser combatidas de maneira conseqüente com ações individualizadas. Mais do que uma tática circunstancial, o individualismo é a espinha dorsal de sustentação do capitalismo. A equação que atende aos interesses da burguesia não serve aos trabalhadores, nessa relação os opostos não se atraem!

A “batalha das bandeiras”, os ataques aos partidos de esquerdas e aos movimentos sociais ocorridos durante as “Jornadas de Junho” não foi resultado de uma ideologia que brotou de dentro das próprias mobilizações, ela veio de fora, veio da direta direita, da burguesia e da sua mídia comercial. Agora é preciso conter a “fúria negra” que brota das greves, das favelas, dos morros, das palafitas e dos bairros pobres.

A palavra de ordem “Fora UPP” já não é mais um grito só da esquerda, ela se massifica, pela esquerda, no universo da massa negra plebeia sufocada pelo “braço de ferro” do Estado. O argumento de que as mortes ocorridas nos morros cariocas são “incidentes” provocados pela troca de tiros entre policiais e traficantes já não convence tanto, sobretudo, naquelas comunidades em que o próprio governo diz ter “pacificado”. Se existe confronto é porque a “pacificação” é uma farsa ou se as comunidades foram “pacificadas” é porque o enfrentamento da polícia é, indiscriminadamente, contra todos moradores.

Nessa direção, a realização dos jogos da Copa do Mundo no Brasil está se tornado um evento impopular para os negros em função do aumento da repressão às suas comunidades e o enorme desperdício de dinheiro público. Em seu pronunciamento do 1º de Maio a presidenta Dilma sequer tocou no assunto Copa do Mundo. Há pouco mais de um mês da abertura desses jogos o negro plebeu do país do futebol troca a ideologia do "verdeamarelismo" pelo luto e pela luta contra o extermínio dos seus pares.

Em fim, as ações estão mais coletivas, os enfrentamentos menos espontâneos, a massa negra mais confiante em suas próprias forças e os movimentos sociais aos poucos recuperam o terreno político perdido para o individualismo neoliberal nos últimos vinte anos e para o governo do PT nos últimos dez anos.

Nesse momento é preciso unificar a luta racial em torno de uma plataforma capaz de ligá-la aos interesses gerais do conjunto da classe trabalhadora. A burguesia sabe que o combate conseqüente ao racismo, com ações coletivas, organizadas e classistas, ajudam a minar as estruturas do capitalismo, sobretudo no país mais negro fora do continente africano.

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