terça-feira, 3 de maio de 2016

O LEGADO E PERSISTÊNCIA DO PENSAMENTO DE MILTON SANTOS


Luiz Eduardo Neves dos Santos*
Professor Assistente do Curso de Licenciatura em Ciências Humanas – Habilitação Geografia da Universidade Federal do Maranhão, Campus Grajaú. E-mail: luiz.neves@ufma.br e dugeografo@hotmail.com  

Hoje, Milton de Almeida Santos (foto) faria 90 anos se estivesse entre nós. É considerado um dos grandes pensadores do Brasil. Representa para a Geografia o que um Celso Furtado é para a Economia, o que um Gilberto Freire é para a Sociologia ou o que um Sergio Buarque representa para a História, são todos da mesma seara. Driblou preconceitos nas universidades que pesquisou e lecionou pelo mundo, construindo uma provocativa obra, baseada, entre outras questões, na crítica da técnica racionalizante global, que distorce as relações no âmbito do território.
Tinha característica de um intelectual combativo, suas idéias possuíam forte tendência transformadora. Preocupado com questões éticas, o catedrático nunca fugiu ao debate político nacional, tanto que não se conformava em ver a Geografia à margem dessa discussão.
Em seu livro Por uma outra globalização (SANTOS, 2000) chamou a atenção sobre o que designava de globalização perversa, alicerçada na violência da informação e do dinheiro, alertando sobre o perigoso papel exercido pelas organizações supranacionais no mercado global de capitais.
Um dos seus principais objetivos enquanto intelectual foi aproximar a Geografia de um horizonte filosófico, uma filosofia das técnicas, concretizada com o processo de globalização, que segundo o próprio professor, seria nítida a inseparabilidade entre o individual e o universal, através do lugar e do mundo.
Para Milton Santos, a técnica, do modo como ela se apresenta, estaria ligada intrinsecamente a um discurso único do mundo, o mundo das percepções fragmentadas e distorcidas, uma generalização, ou como ele preferia, uma coisificação da ideologia.
Para ele, “a técnica é a grande banalidade, o grande enigma, e é como enigma que ela comanda nossa vida, nos impõe relações, modela nosso entorno, administra nossas relações com o entorno” (SANTOS, 1997, p. 20). É nítido em suas palavras a preocupação sobre como os objetos técnicos influenciam as relações humanas, comandando e administrando nossas vidas no cotidiano. Como exemplos ilustrativos desta realidade aparecem as mídias de massa, como a televisão, a internet e as redes sociais.
O processo de globalização para Milton Santos só poderia ser entendido a partir da inerente relação das técnicas com a política. A política está representada pela ação do mercado global (bancos e transnacionais) que utiliza e manipula um sistema cada vez mais avançado de técnicas, sobretudo informacionais, resultando no que ele denominou de globalitarismos (SANTOS, 2000). Essa tirania da informação origina-se a todo instante a partir de vetores que favorecem um pequeno grupo dominante interessado em “vender seu peixe” de maneira inescrupulosa, alienando e impondo novos modos de vida para a grande parte da população mundial.
 Outra questão abordada em sua obra que foi a da soberania do território brasileiro. Ao contrário do que muitos pensam o Estado ainda continua exercendo forte influência nas decisões internas, prova disso é que “nem as empresas transnacionais, nem as instituições supranacionais dispõem de força normativa para impor, sozinhas, dentro de cada território, sua vontade política e econômica” (SANTOS, 2000, p. 77). Assim, o Estado Nacional é que “prepara o terreno” para a atuação de vários tipos de organismos exógenos, em contrapartida, em termos de gestão, ele fracassa, por que não consegue atuar de maneira uniforme na administração do território.
Filiado a uma corrente Crítica com forte viés estruturalista e marxista, Milton Santos muito contribuiu para a revitalização teórica da Geografia brasileira. Sua concepção de espaço geográfico a partir do fim da década de 1970 inaugura toda uma forma metodológica de se trabalhar a partir da crise que permeava e ainda se manifesta sobre a Geografia.
Em Por Uma Geografia Nova (SANTOS, 1978) concebeu o espaço enquanto um conjunto de “fixos” e “fluxos”, no qual os primeiros são cada vez mais artificiais e mais fixados no solo, enquanto que os segundos são cada vez mais velozes, numerosos, diversos e amplos. Outra proposta derivou do livro Metamorfoses do Espaço Habitado (SANTOS, 1988), na qual o conceito de “configuração territorial” se traduziu pela presença de elementos naturais e materialidades encontradas em determinado lugar e o “espaço” seria dotado do amálgama entre a configuração territorial mais a vida que as anima, isto é, os grupos sociais.
Por fim, na sua mais importante obra, A Natureza do Espaço (SANTOS, 1996) afirma que a Geografia deve estudar o par dialético e indissociável do conjunto de sistemas de objetos e de sistemas de ações que formam o espaço. Para ele, “em cada período histórico observa-se um novo arranjo de objetos situados num determinado sistema de técnicas, possibilitando também o surgimento de novas formas de ações” (SANTOS, 2002a, p. 96). Portanto, no atual período histórico existe um arranjo articulado entre os inseparáveis sistemas de objetos e sistemas ações que constituem o espaço geográfico.
Outra questão marcante em sua obra foi a de uma verdadeira ambição na procura incessante de consolidação de um projeto nacional. Muitos artigos foram escritos pelo professor em tom de crítica à falta de um ideal, de um objetivo que pregasse uma maior justiça social para o Brasil.
 Dentre os artigos, escritos para o jornal Folha de São Paulo, destaco primeiramente o texto que dá nome ao livro, O País Distorcido (2002b), em que ele faz uma reflexão no sentido de olharmos para nós mesmos, para a nossa História, em vez de ficarmos preocupados em copiar modelos europeus ou dos Estados Unidos, ou seja, pensar o mundo a partir do que nós somos universalmente, a partir das nossas próprias ideias sem é claro, dar as costas ao mundo.
O segundo artigo, intitulado Os deficientes cívicos, expressa a incapacidade do Estado brasileiro em promover uma educação firmada numa visão filosófica e mais abrangente do mundo. Quando na realidade o que acontece é uma difusão de novos sistemas de referência fincados na individualidade, na competitividade, no egoísmo e no exacerbado conhecimento prático-técnico. A globalização acaba por provocar um desvirtuamento educacional, em que a escola deixa de formar cidadãos críticos para formar uma massa de “deficientes cívicos”.
 Uma das suas principais qualidades foi a enorme capacidade de otimismo e crença na transformação social para melhor, uma característica rara entre cientistas sociais, uma horizonte utópico que não perdeu de vista até o último dia de vida. Milton Santos acreditava nos pobres que vivem nas grandes cidades, nos migrantes, na sua ação comunicativa, espontânea e criativa em relação ao mundo, propiciada pelo que chamou de lógica da escassez (SANTOS, 2000). Para o pensador apenas o pobre é sábio, por que é marginalizado da sociedade e por isso possui a possibilidade de alcançar uma visão mais crítica e transformadora dela, chamou esse fenômeno de contra-racionalidades (SANTOS, 2002a, p. 309).
Desta forma, pode-se perceber inúmeras nuances na obra deste pensador, engajado na dialética de transformação permanente da realidade que se apresenta, por isso propôs uma outra globalização, mais justa, que não atenda aos interesses de poucos, mas sim de toda a sociedade, pois como ele próprio nos ensinou: “sempre é tempo de corrigir os rumos equivocados e, mesmo num mundo globalizado, fazer triunfar os interesses da nação” (SANTOS, 2000, p. 78).
 Por fim, destaco como seu maior legado não apenas a obra em si, mas, sobretudo o exemplo de vida, de um intelectual, negro e combativo em relação aos problemas socioespaciais, que conseguiu tornar-se respeitado no mundo, denunciando graves distorções no território nacional e que se engajou incessantemente na formulação de propostas e ideias em prol da Geografia, das Ciências Sociais e, sobretudo, do Brasil.
Viva Milton Santos!
REFERÊNCIAS

SANTOS, Milton. Por uma Geografia Nova. São Paulo: Hucitec, 1978.
_________. Metamorfoses do Espaço Habitado. 5. ed. São Paulo: Hucitec, 1988.
_________. Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico-científico-informacional. 3ª Ed. São Paulo, Hucitec, 1997.
_________. Por Uma Outra Globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2000.
_________. A natureza do Espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: EDUSP, 2002a.
_________. O País Distorcido: O Brasil, a globalização e a cidadania. São Paulo: Publifolha, 2002b.
  

* Professor Assistente do Curso de Licenciatura em Ciências Humanas – Habilitação Geografia da Universidade Federal do Maranhão, Campus Grajaú. E-mail: luiz.neves@ufma.br e dugeografo@hotmail.com 

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