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segunda-feira, 10 de setembro de 2012

BOI DE ORQUESTRA...OU ORQUESTRA DO BOI?

Rogério Chaves *

Fiquei impressionado com a criatividade dos organizadores e produtores musicais da programação cultural da Festa dos 400 anos de São Luís. Falo mais especificamente, do concerto “São Luís: 400 anos de ritmo”, que teve a participação da Orquestra Sinfônica Brasileira do Rio de Janeiro – OSB e de artistas maranhenses.

Nessa ocasião, a OSB apresentou um programa com “sotaque” exclusivamente maranhense, composições de Ubiratan Sousa, Turíbio Santos, entre outros, acompanhada por percussionistas e cantores locais. A exceção foi a peça de abertura, “Parabéns São Luís”, de autoria do maestro Mateus Araújo (RJ), mas que também, teve “inspiração” maranhense.

Um repertório desse gabarito é de impressionar e de encher de orgulho a nós, maranhenses, por ver “nossa música” sendo executada por uma das orquestras mais importantes do país.
Bem, seria isso mesmo que eu também sentiria se não fosse o fato de que o Maranhão não possui uma orquestra sinfônica. Explico.

Uma orquestra é a formação instrumental, por excelência, para democratizar a música dita universal, obras de compositores de vários lugares, épocas e estilos, que por seu valor histórico, artístico e cultural, tornaram-se um patrimônio universal, a que todos deveriam ter acesso. Entretanto, este é um direito, o qual vem sendo (e ouso dizer, por 400 anos!) sistematicamente negligenciado ao povo maranhense. Direto que é negado, não só pelo fato da inexistência de uma orquestra sinfônica no Maranhão, mas também pela “ditadura” da cultura popular como única expressão artística com validade real em nosso Estado.

O Povo Maranhense vive e faz música popular 365 dias por ano. A música folclórica do Bumba-meu-boi, do Tambor de Crioula, entre outros tipos maranhenses já ultrapassaram os limites espaço-temporais do Carnaval e do São João, acontecendo durante todo o ano e também, já gozam de reconhecimento nacional e até internacional. Por tudo isso, consolidou-se como uma expressão legítima e visceral da cultura maranhense, o que muito nos alegra. Mas será que este mesmo Povo não merece conhecer Vivaldi, Bach, Mozart, Beethoven, Schubert, Wagner, Tchaikovsky, Carlos Gomes, Villa-Lobos, Ernani Aguiar, Francisco Mignoni, (certamente, todos fazem parte do repertório da OSB), e mais Antônio Rayol, Elpídio Pereira, Pedro Growell entre outros, artistas igualmente legítimos e viscerais da cultura universal, que expressam/despertam as mais diversas emoções por meio da arte musical?

A música popular maranhense NÃO precisa da OSB para se projetar para o resto do mundo, coisa que os grupos e artistas locais já o fazem, e diga-se de passagem, muito melhor, com toda a sua criatividade e originalidade e a despeitos das adversidades. No entanto, o Povo Maranhense ainda precisa SIM da OSB para ter acesso ao patrimônio da música universal.

Trazer uma orquestra sinfônica para São Luís, para que ela se apresente, entre músicos, cantores e performances de dançarinos, é colocar a música sinfônica em segundo plano, pois todos havemos de concordar que nesse contexto, a orquestra foi apenas o suporte, o acompanhamento dos cantores, dos dançarinos e dos “nomes pseudomaranhenses” que estiveram no palco da Lagoa da Jansen, no dia 6 de setembro de 2012.

Por que será que a organização e os produtores da Festa, não solicitaram a Gilberto Gil, a Zezé de Camargo e Luciano, a Ivete Sangalo, a Alcione, a Zeca Pagodinho ou a Roberto Carlos que também fizessem os seus shows exclusivamente com músicas maranhenses?

No entanto, tal “concepção artística” sobrou para a OSB (atração que, como já dissemos, é a única porta-voz da música universal) e que, politicamente, aceitou tal incumbência, a pedido da organização e da produção da Festa dos 400 Anos e, obviamente, de seus patrocinadores oficiais.

Perdemos mais uma raríssima chance de ouvirmos obras, compositores, estilos musicais que fazem sim, parte de nossa cultura e que somente (e infelizmente!) poucos, aqui em São Luís, tem acesso.

Este desabafo não é, de maneira alguma, um ataque à música, ou à OSB, ou aos artistas locais que participaram do concerto. Mas, um ATO DE REPÚDIO às circunstâncias e às instâncias que tal programa foi concebido. E isso inclui, uma não representatividade legítima de artistas, profissionais e instituições que efetivamente trabalham com música e que sabem o valor da música universal para a formação de qualquer ser humano.

Completamos 400 anos. 400 anos de muitas alegrias e conquistas. Mas também, de tristezas, de descasos, como a que observamos nesta oportunidade em que o Povo Maranhense continua a ser subestimado, onde os nossos líderes ainda impõem as ordens, ditam e rasgam regras, concedem privilégios particulares e execram direitos coletivos.

Contagiado pela euforia deste momento festivo, mas também, envolvido por um sentimento de pesar, é que lhe desejo.

PARABÉNS, SÃO LUÍS!

* Rogério Chaves é músico violoncelista.

Um comentário:

Cristiano Capovilla disse...

Que belo comentário!!!
Realmente um desperdício da orquestra, um rebaixamento da grande música, uma submissão do universal ao local, uma redução do todo às partes... Menosprezam o povo supondo não gostarem da grande música!
Se era para prestigiar a música maranhense que fosse a grande música, digna de uma orquestra, como a de Antõnio Rayol!É difícil entender!!
Parabéns ao Rogério chaves pelo texto!