Compartilhe

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

VERDADE E ERRO

Prof. Joedson Marcos Silva

Sempre que digo acreditar na verdade, algumas pessoas me tratam com estranhamento, céticas em relação a minha convicção. Parece que demonstrei a crença em algo muito bizarro, há muito sepultado, e que tenho uma visão antiquada sobre as coisas. É como se eu tivesse manifestado crer ainda em bruxas, gnomos e outras lendas. E pior: muitas dessas pessoas que me censuram por acreditar ainda na verdade creem em bruxas, gnomos e em outros absurdos não tão inofensivos.

A alegação principal, a mais comum, consiste em apontar para a diversidade de crenças, convicções, posicionamentos políticos, visões de mundo e pontos de vista alternativos sobre os mais diferentes assuntos. Com tantas perspectivas, declaram, como pode alguém ainda levar a sério a verdade? Só alguém muito dogmático ou intolerante poderia pensar assim, crer que há verdade e falsidade, que uma interpretação sobre o que está acontecendo é correta e outra é equivocada, protestam.

Quero, aqui, discordar de quem concebe que a existência da verdade é incompatível com a diversidade de opiniões e dar algumas razões para se pensar que, pelo contrário, a intolerância pode muito bem estar do lado dos que a negam.

Primeiro, se concebo que a verdade existe, o que está por trás dessa minha convicção é a suposição de que o mundo tem certas características e que estas, na maior parte dos casos, são independentes das crenças que possuo. Assim, se penso ser Fortaleza a capital do Maranhão, há algo no mundo que endossa ou não esse meu juízo. E por mais forte que seja o meu apego a essa ideia, não é isso, nem é a intensidade dessa convicção o que a torna verdadeira; quem faz isso, ou não, é o mundo. É ele que, infeliz ou felizmente, não poupa minhas crenças, mesmo as mais estimadas. Digo infelizmente, pois gostaria muito que meu apego à ideia de que sou um milionário tornasse isso uma verdade, mas, por mais que eu acreditasse firmemente nessa ficção, toda certeza seria inócua na solução de meus problemas financeiros, bem concretos. E felizmente, pois quem afirma que o Brasil é um país justo, com políticos honestos e que trabalham unicamente pelo bem dos seus eleitores pode, para a sorte da população, ser desmentido com vastos fatos e argumentos simples, a despeito da difusão dessa ideia e da insistência dos interessados em que ela se propague e se mantenha com vigor na mente dos incautos.

Contudo, acreditar na verdade é diferente de crer que eu seja a autoridade absoluta acerca do que é verdadeiro ou falso. E é nesse sentido que essa posição não me compromete com o dogmatismo e a intolerância. Pelo contrário, é por existir um modo como as coisas são, à revelia de minhas convicções, que posso estar errado. Se assim não fosse, se só houvesse no mundo as minhas crenças e nada pudesse ser contrastado com elas, não haveria como eu atentar para meu erro e procurar me corrigir. Nem eu nem quem crê em teorias da conspiração bizarras, calúnias difundidas por má fé e mentiras alastradas em época de campanha eleitoral. Portanto, afirmar que nossas crenças são ou verdadeiras ou falsas não é insinuar que tenho posse infalível dessa verdade ou que estou em posição de dizer o que é o caso acerca de um assunto qualquer. Conceber que a verdade e a falsidade existem é tão somente admitir a ocorrência de um mundo fora de minha mente, que faz com que minhas asserções possam ser verdadeiras ou não.

Por outro lado, se a verdade não existir, não haverá como eu asseverar que é falso e que está errado quem afirma, por exemplo, que não ocorre ato violento contra a mulher e por isso não há necessidade de lei específica que a proteja contra essa catástrofe. Também será apenas um modo alternativo de ver as coisas, uma perspectiva entre tantas – nem verdadeira nem falsa – a posição de quem diz que vivemos num país justo, em que criminosos poderosos têm tratamento idêntico ao do cidadão comum. Desigualdade, racismo, poderiam alegar, só existe na opinião de alguns, e não há o que possa refutar quem os negue. É por isso que alguém que não acredita na verdade pode muito bem defender ideologias autoritárias e se manter intolerante com a opinião alheia, não querendo ver coisa alguma que refute seu pensamento, nem apreciar boas razoes que os desminta.

2 comentários:

Anônimo disse...

Meu amigo Joedson! Leio Danto em você. "Uma falsa proposição será sempre uma proposição". E se fosse possível fazer leituras unicamente silogísticas do mundo... Escreva mais!

Joedson disse...

Valeu, meu caro! Tentei deixar meu ponto de vista mais claro em um novo texto aqui no blog de Ed. Abs!