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segunda-feira, 2 de novembro de 2009

O VIVENTE MICHAEL JACKSON


No dia de cultuar os mortos, aprecie o texto de Samuel Marinho sobre o Rei do Pop.

WHO´S BAD?

Samuel Marinho *

Quase cinco meses após a sua morte, e depois de muito me inquietar com as insanidades ditas sobre Michael Jackson, estou aqui para contribuir com a enxurrada de devaneios que já foram publicadas na internet sobre o astro.

Defendo a idéia de que Michael Jackson foi o artista que mais aprofundou o conceito da chamada pop art, difundida dentre outros por Andy Warhol, no aspecto de negação da separação entre arte e vida. Não à toa o fato de Michael figurar nas reproduções mais célebres do artista plástico americano.

Após a sua morte, virou clichê se dividir a vida-arte do Rei do Pop em uma fase aura, do moonwalk e do inventor dos videoclipes, e outra bizarra, do cara esquisito que havia mudado de cor e gostava de dormir ao lado de criancinhas.

Não, não é isso! E parafraseando um brasileiro que fez uma leitura muito original para Billie Jean: Vocês não estão entendendo nada!

É preciso considerar que a proposta do homem-artista Michael Jackson não comporta mesmo essa barreira entre vida e arte. E na minha loucura, tudo foi meticulosamente planejado pelo próprio.

Se analisarmos o movimento da discografia do mito, percebemos que é constante a idéia de confluência do homem com o artista a nos impor sempre a mesma questão: não seriam os dois um só? Por que a chamada arte moderna insistiu e ainda insiste nessa chata divisão?

Quando lhe deram o papel de bom moço da cultura americana, exemplo inconteste do american way of life, com o lançamento de Thriller (1982), ele respondeu com um look oposto e imprimiu em Bad (1987) uma expressão mais agressiva.

Quando lhe questionaram sobre seu embranquecimento súbito, ele lançou o mega-clipe Black or White, do álbum Dangerous (1991). Michael a essa altura já constatara o terreno perigoso que era a sua proposta transgressora de não estabelecer bem certos limites.

Quando o revés do pop quis descontruir o maior ícone do soft power americano, era necessário então uma espécie de narcisismo extremo pautado em sua história inquestionável de sucesso. Foi quando veio HIStory – Past, Present and Future (1995), que registrava toda a devoção do público em torno do Rei do Pop.

Enquanto o mundo anunciava a sua decadência artística, ele gravava um álbum com o nome sugestivo de Invincible (2001), cognato perfeito, uma das produções mais caras da história da música.

E o legal disso tudo é que nem se precisa saber inglês direito pra entender a dinâmica da vida-obra de Michael, eis mais um trunfo de sua pop art e de seu alcance sem paralelos.

Quando nada mais era possível em termos de música, dança e vídeo, o homem-artista resolve radicalizar em sua proposta.

O menino doce de olhar meigo e triste, a essa altura, já estava reproduzido nos holofotes como o adulto esquisito, solitário, bizarro e depressivo que o mundo condenava.

Foi sobre essa tela de circunstâncias complicadas que se tornou sua existência, que Jackson resolve transcender a própria obra e pintar um movimento de intensidade única na pop art, traço nem mesmo imaginado pelo próprio Andy Warhol.

Assim foram reproduzidos signos muito importantes hoje para a compreensão da vida-arte de Michael: o mistério sobre a mudança de sua cor, as especulações sobre sua identidade sexual, seus casamentos metafóricos (primeiro com a filha do Rei do Rock e depois com uma enfermeira), suas (in)verdades plásticas, a predileção por crianças, Neverland, os filhos nascidos a partir de embriões originados pelos seus melhores amigos, aparições programadas para chocar, entrevistas dúbias e polêmicas, o problema em não saber lidar com a dor, o vício em analgésicos, a morte envolta de mistérios...

Tudo fazia parte do repertório artístico do Rei do Pop que desejava assim causar reflexões sobre os preconceitos supostamente mitigados da vida pós-moderna.

Nada de fato em pop art poderia ser gratuito, e um artista da envergadura de Michael sabia muito bem disso.

Interessante é que nessa instância artística, as mídias concorrem de forma muito ágil para o (in)sucesso do homem-artista. De tablóides a sítios especializados na internet, passando pela TV aberta até o tradicional boca-a-boca.

Não há medições exatas sobre a quantidade de expectadores que acompanham cada episódio da vida-arte, “cópias vendidas”. Mas nas ruas todo mundo sabia: só se falava no Michael Jackson, aquele do álbum mais vendido de todos os tempos, o mesmo que foi acusado de pedofilia e que agora morria precocemente.

Em junho de 2009, eis que Jackson nos brinda com um requintado réquiem e o (in)esperado acontece.

Sua turnê-despedida inacabada, This is It (2009), algo que se traduzido para o português soa como “Então é isso...” foi um adeus que deu ao mundo uma sensação de nó na garganta.

O homem se foi e o artista também. Ou como queiram: morreu o homem-artista.

Mas uma pergunta precisa ainda ser respondida e a serenidade da história trará uma resposta melhor pra todos. Afinal quem é mau: Michael ou o Mundo?

* Samuel Carvalho Marinho é contador e servidor público federal

Who’s bad? significa “Quem é mau?”

Figura: Reprodução de Andy Warhol para Michael Jackson (com adaptações)

Um comentário:

Vida Amor disse...

Quem é mau??

Lógico que é o mundo!

Esse mundo podre, onde o sensacionalismo é o trator que esmaga o ser humano sem dó nem piedade! :(