A mulher entra na livraria aboletada de sacolas de grifes caras e vai logo perguntando, com acentuado sotaque do sul, daquele tipo que se esforça para ser agradavelmente delicado na entonação aguda:
- Moçaaaaa, qual é o livro famoso do momeeeeento?
A vendedora, meio atônita com o rompante da freguesa, responde:
- Esse de capa azul bem aí na sua frente.
As livrarias estão chapadas de livros de auto-ajuda, de todos os tipos, nas prateleiras iniciais. A moça olhou rapidamente, emendando um comentário:
- Sabe, é aniversário de uma pessoa que já tem tudo, não precisa de nada, e eu nem sei o que dar de presente. Aí entrei aqui para comprar um livro. Sei lá!
- Acho que ela vai gostar desse, recomendou a balconista.
A cliente folheou rapidamente e decretou: vou levar! Deu mais uma voltinha rápida nas prateleiras e indagou no mesmo sentido:
- Qual outro livro que está vendeeeeendo muito agoooora?
- Tem esse aí de capa marrom, bem no alto da prateleira, apontou a vendedora.
A cliente nem chegou a folhear e foi logo esticando o cartão de crédito para comprar os dois.
Fiquei pensando na destinatária do livro. Quem seria essa pessoa que já tem tudo e não precisa mais de nada. Ela já atingiu o estágio da suprema felicidade.
Pelas grifes que a moça compradora carregava, além das jóias e roupa elegante, deduzi que ambas (ela e a amiga) seriam de um círculo de pessoas abastadas e consumidoras que realmente já não precisam de tanta coisa.
Cheguei até a pensar naquela velha máxima de que o dinheiro compra tudo. Até a felicidade.
Imaginei como deveria estar no nirvana a destinatária daquelas obras literárias escolhidas tão rapidamente pela amiga marcadamente sintética na definição filosófica das coisas e das pessoas.
Mas então, quais seriam aqueles livros comprados a quem já possui tudo? Espichei o olho para perto do balcão e lá estava a resposta principal. O livro de capa azul, de Dom Piper, tinha um título que dizia tudo:
"O CÉU EXISTE"
Era só o que faltava para a aniversariante. Enquanto ela não consegue a vida eterna aqui mesmo na terra, vai começando a se acostumar com a idéia do céu.
A outra obra, correlata ao primeiro título, fazia algum sentido com a existência celeste: "COMER, REZAR E AMAR"
Pelo dito e pelo visto, a aniversariante ganhou Deus de presente e um manual de instruções para chegar bem legal no céu.
A estória é verdadeira e dou fé.
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