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segunda-feira, 27 de junho de 2011

SARNEYQUISTÃO



LEONARDO COUTINHO (revista VEJA)

A terminação “istão”, em algumas das línguas faladas na Ásia Central, significa “lugar de morada” ou “território”. Assim, o Quirguistão é o lugar de morada dos quirguizes. O Cazaquistão, o território dos cazaques, e o Tadjiquistão, dos tadjiques. Também por esse motivo, o estado do Maranhão - tão miserável quanto as antigas repúblicas da extinta União Soviética e igualmente terminado em “ão” - poderia muito bem ser rebatizado de Sarneyquistão.

Há 46 anos, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), ao lado de sua família e apaniguados, comanda o estado que, segundo o Censo 2010, abriga 32 dos cinqüenta municípios mais miseráveis do país.

Quando Sarney chegou pela primeira vez ao poder, no longínquo ano de 1965, o Maranhão ocupava as últimas posições do ranking nacional de desenvolvimento. A partir de então, seu grupo venceu dez eleições para governador, chefiou o Executivo local por 41 anos e… conseguiu o feito de nada mudar.

O “Sarneyquístão” continua ostentando os indicadores sociais mais vexatórios do país, comparáveis aos das nações mais desvalidas do planeta. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) concluído há duas semanas mostra que a pobreza extrema atinge 14% da população. Em 82 das cidades do estado, a renda média é inferior ao que o Bolsa Família paga em benefícios.

Outro estudo afirma que 78% dos maranhenses dependem de algum programa oficial de transferência de renda. E não foi a natureza que condenou os maranhenses à miséria.

O estado foi um dos mais prósperos do Brasil até o século XIX. Tem uma localização estratégica, mais próximo dos países ricos do Hemisfério Norte, e terras férteis (que só recentemente, com o cultivo da soja, passaram a ser devidamente exploradas). Seus habitantes vivem no atraso por outras razões.

O historiador Wagner Cabral da Costa, da Universidade Federal do Maranhão, identifica três delas. Nos anos 60, o governo estadual distribuiu grandes extensões de terra a empresas privadas, com a justificativa de assim desenvolver a economia local. A conseqüência foi a formação de latifúndios improdutivos que, utilizados para atividades altamente subsidiadas, como a exploração de madeira e pecuária, resultaram em quase nenhum retorno financeiro para a economia maranhense.

O autor da medida? Ele mesmo, José Sarney. Pautados pelo menos duvidosos critérios que não necessariamente os do interesse público, seus sucessores deram continuidade ao erro, esvaziando os cofres do estado para levar para lá indústrias que demandavam pouca mão de obra. Resultado: metade da população economicamente ativa hoje depende da pequena agricultura.

Segundo o historiador, a terceira razão do atraso é a corrupção. “No Maranhão, ela é endêmica”, diz Cabral da Costa. “A rigor, a República nunca chegou por aqui.”
Em quase cinco décadas, Sarney só perdeu o domínio sobre o seu Sarneyquistão uma vez. Em 2006, Jackson Lago (PDT) derrotou sua filha e herdeira política, Roseana, que concorria ao terceiro mandato de governadora. Mas foi apenas um hiato na história. Em 2009, Lago teve o mandato cassado por compra de votos. Morreu há três meses, não sem antes ver seu adversário ressurgir das cinzas com uma aliança inusitada.

Com apoio do ex-presidente Lula, Sarney engajou o PT no projeto de perpetuação de seu clã, conseguiu mais um mandato para Roseana e indicou os titulares dos principais órgãos federais do estado. Lá, a aliança dos dois antigos inimigos foi batizada de “sarnopetismo”. O Maranhão não merecia mais essa praga.

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