Antonio Lassance, do Boletim Carta Maior
Ao contrário do que parece, não existe e nunca existiu no Brasil o propalado consenso sobre a importância da educação. O que impera é não só o dissenso, fustigado pelo obscurantismo, como um disputa sobre o papel do sistema público, seu peso no orçamento do Estado e sua relação com o mercado da educação, um dos mais rentáveis do País.
É curioso, mas dificilmente fruto de uma mera coincidência, que o fogo cruzado contra o ministro da Educação, Fernando Haddad, tenha se intensificado justamente quando o debate sobre o Plano Nacional de Educação e sobre o futuro de suas políticas no País deveria ser o mais relevante a ser travado neste momento.
Apesar de inúmeros e significativos avanços nos últimos anos, estamos apenas caminhando em uma área na qual o País precisaria estar voando.
O principal obstáculo decorre do fato de que a educação sofreu um profundo processo de fragmentação, confusão ge rencial, subfinanciamento, desmonte de suas estruturas e desarticulação dos setores defensores do sistema público.
A Constituição de 1988 promoveu uma positiva institucionalização da autonomia dos sistemas estaduais, municipais e da universidade. Promoveu a descentralização e a expansão da oferta de vagas, rumo à quase universalização do ensino fundamental.
Todavia, sobretudo a partir dos anos 1990, o federalismo brasileiro passou por um processo de grave distorção. A falência econômica de muitos Estados, por conta de gestões irresponsáveis ao longo dos anos 1980, e suas políticas de terra arrasada (torrar recursos e deixar a casa destruída para governos seguintes) levaram a um contexto favorável ao ajuste fiscal rígido.
Estados e Municípios foram obrigados a reduzir custos, e a educação foi um dos setores prioritários da operação-desmonte. Salários dos professores foram achatados e proliferaram os contratos t emporários. Muitos se tornaram “concurseiros”, policiais, funcionários de bancos, analistas de carreiras vinculadas à gestão da máquina do Estado (tributação, orçamento, administração) e tudo o que, com salários bem mais elevados, demonstrava que a educação não era prioridade.
Ao mesmo tempo, escolas desmoronavam sobre a cabeça de alunos e professores. O ensino técnico havia sido abandonado. O ensino médio, excluído do Fundef, foi deixado à míngua. A maioria dos governadores, na prática, abandonou por completo seu compromisso com a educação, preferindo redirecionar a missão essencial dos Estados às políticas de desenvolvimento econômico, com estímulo à guerra fiscal e obsessão por atrair empresas e e empreendimentos que guardariam relação direta com o financimento de campanhas políticas.
A educação chegou ao fundo do poço, e é por isso que ainda é tão difícil esperar que ela dê saltos. Cada tentativa tem o p rovável resultado de bater com a cabeça na parede.
A fragmentação é tal que há diferenças muito pronunciadas de desempenho entre Estados vizinhos, em uma mesma região, e mesmo de escolas vizinhas, em um mesmo município. A depender do governador, do prefeito e até do diretor, a cada quatro anos tudo pode ser perdido, e a educação passar do vinho ao vinagre. Avanços de uma gestão podem ser revertidos pelas gestões seguintes.
O governo Lula patrocinou grandes conquistas, sob o comando do ministro Haddad. Elevou o gasto com educação e transformou o Fundef em Fundeb, finalmente abrangendo o Ensino Médio. Lula também tomou a decisão crucial de suspender a Desvinculação das Receitas da União (a famigerada DRU), que diminuía o valor dos recursos a serem repassados para a educação. Desde 2003, foram construídos 214 centros de formação profissional e tecnológica, mais do que os 140 erigidos desde 1909. Há 14 novas universidades, al ém de mais de 30 novos campi ligados às universidades já existentes.
O Judiciário brasileiro também deu uma contribuição importante, recentemente, derrotando cinco governadores que haviam pedido a decretação da inconstitucionalidade do piso salarial dos professores estabelecido nacionalmente.
Reverteu-se a absurda situação anterior, na qual, em nome da “responsabilidade” fiscal, o Governo Federal se desincumbia de cumprir sua responsabilidade com a educação.
O fato de o Brasil ocupar, segundo a Unesco, o 88º lugar, entre 127 países, e o 53º, entre 65 países pesquisados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), tem muito a ver com o fato de a educação ser, igualmente, não a primeira, mas a 53ª ou a 88ª prioridade de muitos governos estaduais e municipais.
É fácil jogar toda a culpa, ou a maior parte dela, sobre o Ministério da Educação (MEC), e mais especificamente, sobre os ombros do ministro Fernando Haddad. Fácil, mas simplista.
Certamente, o MEC cometeu vários erros. O ministério não se empenhou por consolidar a coalizão de defesa do sistema público para além de suas reuniões com outros governos. Demorou muito para fazer a Conferência Nacional de Educação e está longe de ter uma boa relação com as organizações nacionais de professores. Não priorizou o tema da gestão democrática, verdadeira pedra de toque da autonomia do ensino, mas que precisa de parâmetros claros para que não seja mais um ingrediente de desagregação do sistema.
Também não conseguiu estabelecer uma nova estratégia de relacionamento com Estados, Municípios e DF. Hoje, a política do Governo Federal para a educação não é uma política de educação nacional. O que existe são diferentes políticas educacionais espalhadas pelo país, e o esforço do MEC no sentido de harmonizá-las por estratégias de apoio e coopera ção.
Mas os ataques que Haddad tem sofrido ultimamente vêm de quem nunca o aplaudiu, quando de seus acertos. A coalizão que mira no MEC quer acertar na testa destes avanços proporcionados em menos de uma década
Quem conhece um pouco da história da educação no Brasil sabe que inúmeras tentativas de transformá-la mais profundamente são estigmatizadas com pesadelos e fantasmas.
Por exemplo, nos anos 1930, o prefeito do Distrito Federal, Pedro Ernesto, chamou para conduzir seu projeto de reforma do ensino ninguém menos do que o honorável Anísio Teixeira, velho batalhador da educação pública, laica e inovadora. Ambos criaram, como modelo, a Universidade do Distrito Federal. Entre em seus quadros, estavam nomes que reinventaram as ideias sobre o Brasil, como Sérgio Buarque de Holanda, Cândido Portinari, Heitor Villa Lobos, Cecília Meirelles, Álvaro Vieira Pinto, Josué de Castro, Gilberto Freyre e Mário de Andrade. Portanto , gente de todos os matizes.
O que isso rendeu a Pedro Ernesto? A acusação, feita pelos conservadores, de abrigar comunistas, de ser um ateu, contrário ao ensino da palavra de Deus. Anísio Teixeira demitiu-se. O prefeito foi exonerado e preso, acusado de simpatia com comunistas. A UDF foi absorvida, no Estado Novo, pela Universidade do Brasil (atual UFRJ) e seus professores passaram a ser contratados com crivo sobre suas convicções ideológicas e religiosas, sob a lupa de Alceu Amoroso Lima e do Cardeal Leme.
O projeto de Anísio Teixeira retornou revigorado, décadas depois, em Brasília, no projeto de Escola Parque, de tempo integral, e com Darcy Ribeiro, com a Universidade de Brasília. Nova ditadura, a de 1964, interrompeu o experimento.
A educação no Brasil, sucessivamente golpeada pelo autoritarismo, em períodos democráticos é bloqueada quando pretende avançar. É por isso que ela se arrasta vagarosamente. A primeira Lei d e Diretrizes e Bases só foi promulgada em 1961, sendo que estava prevista desde a Constituição de 1934 (na forma de um Plano Nacional de Educação). Foram 13 anos de tramitação, desde o envio de seu projeto, em 1948. A segunda LDB, estabelecida pela Constituição de 1988, só chegaria à sua redação final em 1996.
A institucionalização das regras nacionais para a educação é sempre muito lenta. Isso nada tem a ver com democracia e tempo de debate. Pelo contrário. Esses projetos são deliberadamente entregues a uma tramitação modorrenta, com parlamentares que se esmeram por mantê-los em total monotonia, enquanto agridem a compreensão pública com polêmicas disparatadas. Atiram para todos os lados em questões pontuais, enquanto agem solenemente em prol do silêncio de cemitério, trilha sonora mais comum do debate sobre os rumos da educação.
Enquanto esperamos que o MEC seja rápido para corrigir seus erros e evitar que eles se repi tam (como no caso do 10-7=4), é preciso ter clareza dos grandes desafios que se tem pela frente. O importante já não é apenas superá-los, evitando retrocessos, mas fazê-lo ainda mais rapidamente. O atraso histórico amargado pelo sistema público de educação é de tal monta que mesmo alguns resultados exuberantes colecionados nos últimos anos deixam a sensação de uma vitória de Pirro para professores e estudantes.
Mais do que dar continuidade ao que foi feito, seria hora de uma guinada.
2 comentários:
Aproveitando o ensejo do final do texto, hoje varios sindicalistas, militantes, estudantes, professores estão no Liceu debatendo o Plano Nacional de Educação, vários estados fizeram a mesma coisa, buscaram construir propostas para o Plano, as vias de ser aprovado sem que a sociedade pudesse ter uma participação efetiva. A briga central gira em torno do financiamento da educação, o governo prometeu 10%, mas quer aprovar o Plano com 7%. Infelizmente, não foi desta vez que demos uma guinada, ao em vez de construirmos o Plano Nacional que desejamos desde a década de 80,estaremeos mais uma vez reformando o Plano. De fato é hora de dar uma guinada, porque o cenário não é dos melhores. Como diria Saramago " Eu não sou pessimista, a realidade é que é péssima, e só os pessimistas é que pretendem tranformá-la, os otimistas, estes estão contentes".
abraços saudosos,
Lícia
Relembrando alguns extraordinários momentos da campanha de 2010 via blogosfera, deparei-me com o episódio da utilização das dependências físicas da Universidade Estadual, por parte da Coligação “O Maranhão não pode parar”.
Este fato por si só já é grave! A lei eleitoral proíbe terminantemente a veiculação de propaganda de qualquer natureza nos imóveis pertencentes a administração pública (Lei n 9.504/97, art. 37). quem dirá ainda a cessão dos mesmos para o beneficio de comitê eleitoral.
As imagens registradas na mídia digital compravam ainda que este evento foi de grandes proporções.
Dias antes, os estudantes integrantes do DCE da Uema de Imperatriz, organizaram uma cerimônia de lançamento do livro Honoráveis Bandidos, uma biografia não autorizada do senador José Sarney, com presenças do escritor Palmerio Dória e demais convidados. Na ocasião baderneiros pagos compareceram ao evento para tumultuá-lo.
Foi inclusive em virtude desta algazarra toda promovida por uma duzia de rapazes (todos lumpemproletariados e semi-alfabetizados politicamente) que o Magnifico Reitor da Uema, Prof. José Augusto divulgou uma “nota oficial” onde destaca de forma claramente tendenciosa questões politico-partidárias. No texto lia-se: “É inadmissível o uso do espaço da Universidade a qualquer tempo para manifestações politico-partidárias”.
Dois pesos, duas medidas: Note que sequer o supracitado senador era candidato ou mesmo possuía domicilio eleitoral aqui no Maranhão. José Augusto porém nunca se manifestou “oficialmente” com relação a carreata organizada dentro do campus, transformado na ocasião em verdadeiro comitê eleitoral com direito a carros de som, bandeiras, etc.
Os indivíduos diante do poder estatal só podem confiar nas instituições jurídicas se estas estiverem em avançado nível democrático. Pelo visto no Maranhão a enorme relação entre poder politico e poder econômico, gera no curto prazo excrescências como essas e outras, tolhendo a liberdade dos homens e deslegitimando os que agora estão no poder.
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