TENDÊNCIAS/DEBATES (FOLHA DE SÃO PAULO)
Terça-feira, 8, um dia muito especial
JOSÉ ELI DA VEIGA
"Um Dia Muito Especial" serve de metáfora para a calamidade que ocorrerá caso o Senado acolha o sinistro parecer sobre revogação do Código Florestal |
A obra-prima do cineasta Ettore Scola, "Una Giornata Particolare", oferece sutil lembrança do dia em que Hitler e Mussolini selaram a união política necessária à subsequente aventura nazifascista.
"Mutatis mutandis", essa mesma imagem, traduzida no Brasil por "um dia muito especial", serve de metáfora para outra calamidade que ocorrerá na terça-feira, dia 8/11, se as comissões de agricultura e ciência/tecnologia do Senado acolherem o sinistro parecer do ex-governador Luiz Henrique da Silveira (PMDB/SC) sobre o projeto que revoga o Código Florestal.
Um dia muito especial em que poderá ser contrariado o plano "Brasil Maior" em favor, na contramão da história, da miopia que prefere expandir uma pecuária de corte, altamente predadora e emissora de gases estufa, em vez de estimular uma agropecuária que seja intensiva em conhecimento.
Quatro ilustrações são suficientes. As áreas de preservação permanente (APP) deveriam totalizar 135 milhões de hectares (Mha), 15% do território nacional.
Já sumiu, contudo, uma fatia de 55 Mha, quase toda invadida por indecentes pastagens. Fatia que o retrógrado parecer quer "consolidar" mediante fortes reduções nas exigências de conservação de matas de beira-rio, encostas, topos de morro e nascentes.
Absurdo, pois neste século uma bovinocultura profissional e eficiente não necessitará dos exageradíssimos 211 Mha que ocupa: 78% da área agropecuária.
Por outro lado, mercados estaduais de compensações de reservas legais constituiriam imenso avanço para os agricultores em cujas fazendas não há terras de baixa aptidão. Fora de APP, não tem cabimento destinar solos de boa qualidade à recuperação de vegetação nativa, ou mesmo a reflorestamento com espécies exóticas.
Inteligente seria remunerar detentores de áreas marginais para que formassem condomínios de reservas legais. Elas não ficariam dispersas em pequenos fragmentos isolados, o que é muito melhor para a conservação da biodiversidade.
Será trágico, então, se for aceita a preferência do relator pelo encolhimento dessas reservas, em vez da criação de mercados estaduais de compensações.
Ainda mais sórdida é a pretensão de desobrigar todos os imóveis rurais com áreas inferiores a quatro módulos fiscais com o pretexto de ajudar "pequenos produtores".
A maior parte dos imóveis desse tamanho são chácaras e sítios de recreio de famílias urbanas de camadas sociais privilegiadas.
Se a preocupação fosse com produtores rurais de pequeno porte, bastaria não fazer letra morta da lei nº 11.326, promulgada pelo presidente Lula em julho de 2006, após um decênio de experiência acumulada pelo tardio Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), criado em julho de 1996 por decreto do presidente FHC.
Finalmente, a mais insidiosa das quatro distorções: criação de direito adquirido para qualquer devastação perpetrada até julho de 2008.
Um simulacro de "anistia" que só teria algum sentido lógico para infrações cometidas antes da primeira regulamentação da Lei de Crimes Ambientais: setembro de 1999.
Explicações mais detalhadas sobre esses e muitos outros retrocessos estão disponíveis em: www.florestafazadiferenca.org.br.
JOSÉ ELI DA VEIGA, 63, autor de "Sustentabilidade: A Legitimação de um Novo Valor" (ed. Senac), é professor dos programas de pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI/USP) e do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ).
Site: www.zeeli.pro.br.
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