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sábado, 18 de agosto de 2012

DÈJÁ VU

Marcos Fabio Belo Matos *

Ele chegou de carro, deu pra ver daqui de dentro. Carrão com motorista. Todo mundo ficou olhando, os meninos da rua cercaram o carro, bestas de ver um carro daqueles aqui. Não veio até a porta, por causa dos buracos e da lama que tinha na rua. Veio andando, com um pacote na mão.

Tava de terno e gravata. Devia ser uma pessoa importante. Eu vi e reconheci ele na hora em que ele desceu do carro. Meu coração deu um pulo, senti uma coisa ruim, uma pontada aqui no peito. Mas fiquei sentada dentro de casa, no sofá, esperando o que ia acontecer.

Ele chegou na porta e deu boa tarde. Aí eu disse: “O que você veio fazer aqui?”. “Eu vim ver se era verdade o que me disseram na casa da tia Joelma”.

Tia Joelma era uma tia dele que morava no interior, onde a gente nasceu. Uma puta sem vergonha. Fofoqueira de plantão. Sabia da vida de todo mundo, até de quem já tinha ido embora de lá. Ele disse que foi lá seis anos antes de me encontrar e a tia Joelma disse que eu tava na pior, e deu um possível endereço. A tia Joelma contou que foi papai que deu o endereço pra ela. Bem ela conseguiu trepando com ele, que ela dava pra todo mundo, aquela vadia chifreira.

Ele me achou aqui. Da porta, perguntou se podia entrar. Eu disse que sim, que ele não reparasse a bagunça, mas avisei que meu marido tava pra chegar. “Seu marido morreu no mês passado”, ele me disse, e tirou do bolso e mostrou a matéria recortada do jornal com a foto do Pedro todo arrebentado embaixo daquele caminhão. Eu não disse nada, apenas abaixei a cabeça. Ele entrou, botou o pacote sobre a estante e sentou na minha frente.

“Por que você sumiu esses anos todos, Cláudia?”, foi o que ele me disse depois de um tempão calado. “Porra, Cláudia, por que você sumiu esse tempo todo, não deu notícia, não deixou nenhum contato. Você é burra, é louca ou o quê?”

“Não é da sua conta”, respondi e olhei pra ele com cara de ódio. Ele entendeu e ficou calado de novo. “Você pode me dar um copo d´água?”, pediu com a voz um pouco baixa.

Fui buscar a água. Quando cheguei, ele tava me olhando. Entreguei o copo e sentei de novo, na frente dele, com os olhos nos olhos dele. Daí ele me disse uma coisa que me desarmou: “Eu ainda amo você, Cláudia. Todos esses anos não apagaram o que eu sentia por ti. Mudei de cidade, fiquei rico, casei, tive filhos, fiquei viúvo, mudei de país, voltei pro Brasil ano passado, conheci pessoas maravilhosas, mas nunca esqueci você.”

Fiquei sem dizer nada, baixei a cabeça. Ele continuou: “É impressionante como no meio dessa pobreza toda aqui você continua linda, aquela mesma Cláudia, aquela menina linda por quem eu me apaixonei aos dezoito anos. Os anos conservaram você e conservaram o meu amor.”

“Eu acho melhor que você vá embora”, eu disse. “Eu fiquei doze anos sem te ver, deixa eu ficar mais um pouco”, ele insistiu. “Eu acho melhor que você vá embora.”
Passei por ele pra deixar o copo na cozinha. Ele me agarrou e tentou me beijar. Dei um empurrão nele e um tapa na cara. E limpei a boca com a mão, cuspindo pra tirar aquele beijo de mim. 

Ele se ofendeu, pediu desculpas e foi até a porta e saiu. Eu me arrependi e corri até a rua e pedi que ele voltasse. Alguns vizinhos vieram ver o que estava acontecendo. O motorista do carrão dele buzinou. Ele fez com a mão que esperasse e entrou. 

Assim que ele entrou, eu fechei a porta e me joguei nos braços dele. Foi um beijo fundo, um beijo que eu devia ter dado nele doze anos antes, quando ele disse que me amava, mas não dei. Ao invés disso, fugi com o primo dele pro Mato Grosso. 

Nos beijamos muito, ele tirou minha roupa com muita força, eu puxei ele até a cama, que tava cheia de trecos em cima. Nos amamos com vontade, foi um gozo rápido mas muito bom, ele me dizendo sem parar que me amava.

Depois nos vestimos e ele foi embora. De noitinha, depois de tomar banho e trocar de roupa, reparei no pacote. Abri e lá tinha um montão de dinheiro, amarrado com uma liga azul. Contei e tinham cinco mil reais, em notas de cem.

Três dias depois, deu na televisão que um empresário do ramo da construção civil tinha morrido num acidente de avião, indo para Brasília. O avião se despedaçou numa montanha e ninguém sobreviveu. E apareceu a foto dele, com o nome embaixo. Chorei muito. Muito mais chorei depois, quando soube que estava grávida.

E essa é a história do seu pai, que voltou pra me trazer a felicidade e, ao mesmo tempo, desgraçou ainda mais a minha vida.


* Marcos Fabio Belo Matos é jornalista, escritor e professor doutor da UFMA (Comunicação Social - Jornalismo), no campus de Imperatriz.

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