Ana Maria Marques *
Verão de 2001. Caminhando à beira mar, ele fumava um cigarro e se perdia nas lembranças olhando a fumaça que se dissipava ao longe. Estava assim, inerte e preso em seus pensamentos até que um som, inconfundível, o trouxe de volta.
Encantamento e admiração o detiveram em sua caminhada: morena, cabelos longos e negros, soltos, balançavam-se no gingado do corpo e emolduravam-lhe, em desalinho, o sorriso. As mãos seguravam a saia branca do vestido, já molhado de suor e mar. Sem se dar conta do feitiço que lançava, ela pungava ao som do tambor e cantava e sorria...
E ele, ali, a contemplar a mistura de sons e imagem que lhe atiçava o desejo.
Era noite quando chegou ao pequeno quarto da pousada. Mas não ficou por muito tempo. A cidade era pequena, poderia revê-la outra vez, e o faria.
Desceu a escadaria que dava para o Pelourinho. Seria perfeito encontrá-la naquele lugar de ruínas, tendo a lua como companhia. Parou bruscamente ante um novo som. A flauta chamava... E ela conduzia aqueles sons numa calma feminina, numa mansidão quase sobrenatural!
Novamente paralisado pela mistura de som e imagem, inquietou-se com aquele olhar que parecia ser todo arte, toda arte, por toda parte... que parecia falar as palavras certas e que, num contorno indecifrável, demonstrava-lhe, em sentimento, uma tranqüilizadora certeza.
Ela, serena, parecia invulnerável.
Ele,inquieto, coração aos pulos, dividia-se entre o agir e o sonhar. No breve espaço de tempo, que o destino lhe permitiu, questionou-se se ela permaneceria na redoma do lúdico ou se saltaria no seu corpo insano, mundano.
Alheia a toda angústia, ela pousou, suavemente, a flauta sob suas pernas e esboçou leve sorriso.
Tudo nela era convidativo: havia calor, suavidade, certeza... Pequenos sinais, secreta expectativa.
Juntos caminharam pela escuridão, entrelaçaram-se na experiência do amor que transforma corpos em engrenagens de carne. Sussurros e a languidez do olhar moreno em êxtase: outra vez encantou-se com som e imagem.
E quando abriu os olhos foi como se tivesse sonhado. E ele sabia o significado do sonho: nada é para sempre. Contra o tempo eles fizeram seu pacto: viveram em horas o que guardariam por anos... Olhou pro lado, já havia partido. De certa forma, sempre estamos partindo enquanto o coração voa entre penhascos.
Caminhando à beira mar, ele fumava um cigarro e se perdia nas lembranças vendo a fumaça que se dissipava ao longe, enquanto o coração voava entre penhascos.
· *Ana Maria Marques Ribeiro é graduada em Direito e mestre em Políticas Públicas (ambos pela UFMA), professora de Direito Ambiental da Faculdade São Luiz e superintendente de Administração na SEMED.
Um comentário:
Ana Maria escreve com simplicidade, mas num tom elegante, que dá às palavras um brilho especial. E a gente vai passeando pelo texto, torcendo para que o fim fique cada vez mais distante. E qundo termina, resta uma mistura de satisfação e de desejo incompleto.
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