Paulo Melo Sousa
Reportagem publicada em 27.03.2015 no suplemento JP Turismo, veiculado às sextas-feiras, no Jornal Pequeno.
A ilha vista de Alcântara (foto acima) e do seu ponto mais alto: potencial turístico perto de São Luís |
A cidade histórica de Alcântara possui um potencial
turístico inigualável, que reúne patrimônio arquitetônico e cultural invejável,
com belos sobrados, monumentos únicos como fontes, igrejas e um preservado
pelourinho, ruínas imponentes, manifestações culturais marcantes, com festejos
de cunho religioso que inflamam multidões, tais como a Festa do Divino Espírito
Santo e a de São Benedito, belas praias ainda preservadas, o que favorece o
turismo ecológico e o de aventura, com a presença de sítios arqueológicos e
paleontológicos, como os da Ilha do Cajual, grande presença de comunidades
quilombolas rurais, o que confere ao município o caráter de território étnico,
dentre outros atrativos de igual interesse.
No entanto, sobrevivem na cidade problemas crônicos, sendo o
primeiro deles justamente o acesso a esse valioso destino turístico. As lanchas
que faziam o percurso até há pouco tempo atrás desapareceram, e hoje alcançar
Alcântara, situada apenas a 22 km de São Luís, é uma penitência. Existem barcos
e catamarãs que fazem o trajeto, partindo da capital pela Rampa Campos Melo
(Praia Grande, Centro Histórico). Os barcos são desconfortáveis, com banheiro
sem as mínimas condições de higiene. Os catamarãs nem banheiros possuem, e não
existe preparo adequado para recepcionar os turistas. A travessia é dura e
muita gente não retorna à cidade por conta do mar revolto da Baía de São
Marcos, que é impiedosa para quem sofre de enjôo no mar. Secretários de Turismo
do Estado nem visitam a cidade, e os prefeitos se sucedem, eleitos com
promessas que nunca são cumpridas. Dessa forma, o tempo passa sem que o
problema seja solucionado.
Lugar aprazível para descanso e turismo ecológico |
As lanchas que fazem o transporte de militares do Centro de
Lançamento de Alcântara - CLA levam apenas 30 minutos para fazer o percurso,
sem atropelos, enquanto que o visitante e os moradores precisam de uma hora e
meia para chegar ao destino. Lanchas adequadas, ágeis como as do CLA não
poderiam ser viabilizadas para os civis? Falta competência aos gestores do
turismo, falta vontade política à prefeitura de Alcântara, pois o problema é
antigo, existe há décadas. Os prefeitos mudam, as promessas são as mesmas, e os
problemas continuam, afetando os moradores e prejudicando o setor turístico,
que já é de há muito, precário.
O território ocupado pela cidade de Alcântara foi, num
passado remoto, habitado pelos índios Tapuias (cabelos compridos), que foram
expulsos desse território para o interior do continente, e os Tupinambás é que
estavam lá, quando da tentativa de colonização francesa do Maranhão, em 1612.
Daí é que vem o nome de Tapuitapera, como alguns ainda se reportam a Alcântara,
ou seja, aquela que já foi taba, e depois apenas tapera dos Tapuias. A povoação
foi elevada à categoria de Vila de Santo Antônio de Alcântara em 22 de dezembro
de 1648 e, durante o período colonial, abrigou um significativo centro agrícola
e comercial. O município foi criado a partir da Lei Provincial nº 24, de 7 de
julho de 1836. Em 1948, no dia 22 de dezembro, Alcântara recebeu o título de
Patrimônio Histórico Nacional. Localiza-se no litoral norte do Estado,
pertencendo à micro-região da Baixada Ocidental Maranhense, e integra a região
metropolitana de São Luís.
Achados fósseis de interesse dos pesquisadores em Arqueologia foram encontrados na ilha |
Apesar dos muitos entraves em relação ao acesso, a cidade
continua recebendo turistas atraídos pelo título que a cidade ostenta.
Infelizmente, o receptivo é deficiente. As pousadas ainda precisam melhorar o
atendimento, algumas praticam preços abusivos, os guias turísticos não se
preocupam em estimular o pernoite dos visitantes, o que prejudica a já
combalida rede hoteleira. Dessa forma, prevalece o famoso bate-volta, mal o
turista chega e passeia pela cidade e já é obrigado a voltar. Dependendo da
maré, o passeio pode durar apenas três ou quatro horas. O visitante, dessa
forma, é considerado apenas excursionista, e não turista, já que esta última
categoria pressupõe o pernoite na cidade. Essa caótica situação tem provocado
não apenas o desânimo, mas também sério prejuízo econômico aos moradores que
ainda insistem em permanecer no ramo do turismo.
Dentre as inúmeras e valiosas atrações de Alcântara vale
destacar o destino turístico da Ilha de Nossa Senhora do Livramento, que fica
defronte da cidade, e que se encontra situada na Área de Proteção Ambiental -
APA das Reentrâncias Maranhenses, possuindo um rico e diversificado
ecossistema, representado por manguezais, apicuns, mata remanescente da
floresta amazônica (eram frequentes, ali, os pés de pau d’arco amarelo e roxo),
com a presença de aroeiras, andirobas, dentre outras espécies. O ecossistema se
caracteriza pela presença de praias desertas, propícias ao banho, com águas
ainda limpas, o que favorece o turismo ecológico e de aventura. Inúmeras
trilhas podem ser desfrutadas na ilha, tanto pela orla, com passagem por um
diferenciado lajeiro de pedra, quanto pelo interior da mesma, que ainda abriga
tatus, além das belas aves migratórias. Os guarás, as garças e os maçaricos
adornam a paisagem. O local também é um importante sítio paleontológico, com a
presença de pedaços de árvores e de dinossauros fossilizados, que já foram
recolhidos por pesquisadores. Além disso, as ruínas da antiga igreja de Nossa
Senhora do Livramento também caracterizam o local como sítio arqueológico.
Prefeitura de Alcântara ignora o potencial turístico da Ilha do Livramento |
Num promontório situado na parte mais alta erguia-se uma
modesta igrejinha consagrada à santa. Havia na cidade, outrora, a festa em
homenagem à Virgem do Livramento, em dezembro, e que, segundo Antônio Lopes,
era a mais importante de Alcântara. “O culto nos veio de Portugal, como tantos
outros, e era devoção da família de Antônio Albuquerque Coelho de Carvalho, o
primeiro Donatário de Alcântara; além de dar à santa a ilha para seu
patrimônio, ele mandou erguer a igreja em pagamento de promessa por salvação de
naufrágio numa das viagens à antiga capitania. Essa igrejinha foi reconstruída
em 1744 por Antônio Marques "na própria ilha e lugar", de acordo com
o historiador César Marques”, informa a pesquisadora e folclorista Zelinda
Lima. Hoje, da igrejinha restam apenas ruínas, e a festa desapareceu. O brasão
em pedra lioz que encimava o portão de entrada da igreja foi retirado do local
e se encontra no Museu Casa Histórica de Alcântara.
A ilha é um paraíso ecológico, mas há alguns anos que a
praia, na sua parte leste, que é visualizada de Alcântara, vem sofrendo erosão.
A maré já avançou cerca de vinte metros, atingindo a margem e provocando a
morte de muitas árvores. As embarcações que fazem o trajeto para Alcântara
também não controlam seus passageiros, que jogam lixo no mar. Boa parte do lixo
dos navios que estacionam na baía de São Marcos também vai parar na ilha,
sobretudo lixo plástico. O local é habitado apenas por dona Mocinha, a irmã
dela e pelo José (mais conhecido como Punk), que ajuda dona Mocinha nos seus
afazeres e transporta os visitantes ao local numa pequena canoa com motor de
rabeta. Dona Mocinha possui ali um pequeno bar e restaurante, que recebe tanto
moradores de Alcântara quanto turistas ocasionais. À noite, o restaurante se
transforma em pousada, e funciona como redário; em frente ao barracão e próximo
dele existem áreas limpas para a prática de camping. Com uma pequena taxa, os
visitantes podem pernoitar no local.
Dona Mocinha serve a melhor galinha de parida que seu
paladar pode desejar, acompanhada por um pirão delicioso e pelos inesquecíveis
ovos pochês, que ela prepara com esmero. As aves são criadas num galinheiro que
ela mantém ali, e o tempero conta com o toque especial das ervas nativas. Ela
também serve peixe, carne e frango, de acordo com o freguês, tudo previamente
agendado, isso porque não existe, no momento, energia elétrica no local, e os
alimentos precisam ser comprados em Alcântara e preparados de imediato.
Dona Mocinha tem um equipamento completo de energia solar,
com placas e baterias, mas que está em desuso. Um contrato que ela possui
atesta que a prefeitura de Alcântara se responsabilizaria pela manutenção e
reposição das baterias, o que não acontece. A prefeitura foge da
responsabilidade e o local prova que, no Maranhão, a luz elétrica não é para
todos. Essa situação prejudica de forma crucial o trabalho e a vida de dona
Mocinha e dos que convivem com ela, contribuindo, também, para que o turismo de
Alcântara continue à deriva. Mesmo com tanta dificuldade a Ilha de Nossa
Senhora do Livramento representa um atrativo turístico de primeira linha. É
possível transportar cerveja, água mineral e refrigerante em caixas de isopor.
O Punk carrega tudo em um carro de mão, desde o ponto em que a canoa atraca até
o restaurante / pousada de dona Mocinha, de tal forma que, com um pouco de
jeito, a presença do visitante no local pode ser bastante prazerosa.
À noite, com a presença do luar ou em companhia das estrelas,
vale um passeio pela praia deserta, na maré seca, ou simplesmente ficar tomando
um gostoso café ou um chocolate quente, ao pé de uma fogueira que é sempre
acesa em frente ao barracão, escutando as estórias de dona Mocinha ou de Punk,
estórias místicas ou de encantaria, que nos preparam para o sono e nos aliviam
corpo e espírito neste mundo tão precisado de alma.
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