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sexta-feira, 6 de março de 2015

OITO ANOS DE SANÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA

Ricardo Costa Gonçalves
Professor e mestrando em Políticas Públicas pela FPA

A violência doméstica é causa de todas as violências. As vítimas não são unicamente as mulheres e crianças que sofrem reiteradamente, apanham, são estupradas e eventualmente são mortas. A vítima acaba sendo toda a sociedade. A violência doméstica reproduz e alimenta um aprendizado que geralmente não fica restrito às paredes do lar. Crianças, adolescentes e jovens que crescem nesse meio muitas vezes, respondem aos conflitos quotidianos e à necessidade de autoafirmação, tão típicos da juventude, usando a linguagem aprendida, da violência. Conforme Cerqueira et al (2015)[1], quando tais incidentes ocasionam uma morte, uma espiral de agressões e de vingança reciprocas envolvendo grupos de jovens gera inúmeras outras vítimas fatais, sendo que o rastro da origem de todos os problemas há muito foi apagado por uma sequência de eventos, tornando invisíveis para a sociedade as consequências do aprendizado da violência intrafamiliar.

Ainda de acordo com autor acima, a importância de se enfrentar a violência doméstica, no Brasil, a ideologia patriarcal, que define as relações de poder entre homens e mulheres na sociedade – e que permeia a cultura, as instituições e o próprio sistema de justiça criminal – tem constituído um forte obstáculo para os avanços em direção à garantia de igualdade de direitos para as mulheres.

Apesar de a Constituição de 1988 ter igualado as funções familiares entre homens e mulheres, apenas em 1995 a Lei nº 9.520 revogou o Artigo 35 do Código de Processo Penal, que estabelecia que a mulher casada não poderia exercer o direito de queixa sem a autorização do marido, salvo quando fosse contra ele, ou que esta estivesse separada. Em 2000, a Lei nº 2.372, que propunha medidas protetivas para a mulher vítima de violência doméstica – com o afastamento do agressor da habitação – foi totalmente vetada pelo presidente da República. Até a sanção da Lei Maria da Penha (Lei no 11.340/2006), os incidentes de violência doméstica eram julgados segundo a Lei no 9.099/1995, ou seja, como crimes de menor potencial ofensivo, em que nenhuma medida protetiva era oferecida à vítima, ao passo que nos poucos casos em que o perpetrador era condenado, sua pena se reduzia ao pagamento de cestas básicas.

A Lei Maria da Penha se constitui em um marco de amadurecimento democrático, pois contou na sua formulação com a participação ativa de organizações não governamentais feministas, Secretarias de Políticas para Mulheres, academia, operadores do direito e o Congresso Nacional.

Uma inovação importante da Lei Maria da Penha é que a mesma procurou tratar de forma integral o problema da violência doméstica, e não somente da imputação de uma maior pena para o agressor. A Lei ofereceu um conjunto de medidas para possibilitar a proteção e o acolhimento emergencial à vítima, isolando-o do agressor, ao mesmo tempo em que criou mecanismo para garantir a assistência social a ofendida. Também, previu os mecanismos para preservar os direitos patrimoniais e familiares da vítima; propôs arranjos para o aperfeiçoamento e efetividade do atendimento jurisdicional; e previu instâncias para tratamento do agressor.

A Lei Maria da Penha transformou o tratamento do Estado em relação aos casos envolvendo violência doméstica, a partir de três canais, pois: 1) aumentou o custo da pena para o agressor; 2) aumentou o empoderamento e as condições de segurança para que a vítima pudesse denunciar; e 3) aperfeiçoou os mecanismos jurisdicionais, possibilitando que o sistema de justiça criminal atendesse de forma mais efetiva os casos envolvendo violência doméstica.

Esses três elementos, por sua vez, afetaram o comportamento de agressores e vítimas. Enquanto, potencialmente, as vítimas passaram a encontrar um ambiente de maior segurança, que lhes possibilitava denunciar a agressão sem receio de vingança, em face das medidas protetivas emergenciais, o sistema de justiça, a princípio, teria melhores condições para fazer aumentar a taxa de condenações para dado número de denúncias, uma vez que polícia, Ministério Público, Defensoria e Juizados Especiais se integraram com o enfoque de providenciar respostas mais efetivas ao problema da violência doméstica. Os dois últimos elementos conjuntamente contribuem para aumentar a probabilidade de condenação. Ou seja, em tese, é razoável supor que a Lei Maria da Penha contribuiu para fazer aumentar o custo esperado da punição, que se dá pelo aumento do custo da condenação, bem como do aumento da probabilidade de condenação. Por sua vez, o aumento desse custo esperado possui uma relação inversa com a probabilidade de um indivíduo agressivo perpetrar o crime (Cerqueira et al, 2015).

A sanção da Lei Maria da Penha foi um importante exemplo de amadurecimento democrático no Brasil, pois contou com a participação efetiva da sociedade na sua formulação. Além disso, a lei incorporou aspectos inovadores ao tratar de forma integral o problema da violência doméstica e ao considerar a necessidade de implantação de onze tipos de serviços e medias protetivas para garantir direitos e tentar levar a paz aos lares.

CERQUEIRA et al. Avaliando a efetividade da Lei Maria da Penha. Texto para discussão/Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. - Brasília: Rio de Janeiro, 2015.

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