Gabriel Brito e Paulo Silva Junior
Para muitos, é tão óbvio quanto angustiante: a mídia
empresarial brasileira é dominada por monopólios consolidados na época da
ditadura militar e não representa qualquer esboço de democratização das
comunicações. Apesar das mídias ditas alternativas, a diversidade de opinião
nos grandes meios de comunicação é inferior à dos anos 50 do século passado.
Além disso, a falta de vez e voz das maiorias é dramatizada por um vazio
jurídico pouco conhecido do público. Isso sim, devidamente censurado do
noticiário.
“Enquanto a imensa maioria do espectro radiofônico é
controlada por grupos empresariais que visam o lucro, ao contrário de vários
países, o Brasil não tem um forte sistema público de comunicação. As emissoras
comunitárias carecem de apoio estrutural e financiamento, quando não são
altamente criminalizadas. O acesso à internet no Brasil ainda é excludente para
metade da população. Portanto, vivemos um quadro em que o exercício da
liberdade de expressão é praticado por quem detém o controle da propriedade dos
meios, e não pela sociedade em geral”, resumiu a jornalista Bia Barbosa em
entrevista ao Correio da Cidadania.
Na entrevista, a jornalista se vale da postura de diversos
veículos nas eleições, de modo a deixar claro que tais grupos de mídia têm
imensos interesses políticos e econômicos refletidos em seus conteúdos.
“Acredito que os meios de comunicação ‘têm lado’ na disputa de um projeto de
país. Tal lado, em períodos eleitorais, fica muito mais claro. O aspecto
positivo é que, felizmente, uma parcela crescente da sociedade começa a se dar
conta disso. Nesse caso, nem se trata de julgar se são conteúdos verdadeiros ou
mentirosos.”
Bia Barbosa comenta ainda diversos pontos a serem
contemplados por um Projeto de Lei da Mídia Democrática, desenvolvido pelos
diversos grupos que compõem o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação
e que visa, antes de tudo, regulamentar artigos constitucionais até hoje
hibernados. No entanto, “não tenho perspectiva, e creio que essa seja a leitura
mais comum do movimento pela democratização da mídia, de que haverá uma radical
transformação no cenário no segundo governo Dilma”, pontuou Bia Barbosa.
Como analisa o atual cenário das comunicações no Brasil,
especialmente no que diz respeito à sua propriedade, aos conceitos de liberdade
de imprensa e expressão e à regulamentação da mesma?
Bia Barbosa – O cenário brasileiro das comunicações pode ser
bem caracterizado pela grande concentração da propriedade. Enquanto a imensa
maioria do espectro radiofônico (rádios e TVs) é controlada por grupos
empresariais que visam o lucro, ao contrário de vários países, o Brasil não tem
um forte sistema público de comunicação. As emissoras comunitárias carecem de
apoio estrutural e financiamento, quando não são altamente criminalizadas. O
acesso à internet no Brasil ainda é excludente para metade da população, que
não pode ser considerada usuária da rede mundial de computadores.
Portanto, vivemos um quadro em que o exercício da liberdade
de expressão é praticado por quem detém o controle da propriedade dos meios, e
não pela sociedade em geral. Esse desafio nos coloca uma demanda muito grande
de mobilização pra enfrentarmos a conjuntura e transformar o cenário midiático
brasileiro.
Sabemos do enorme poder político e econômico das empresas de
comunicação. Enfrentá-lo, para garantir que o poder público tenha vontade
política de democratizar a voz e a liberdade de expressão, é algo que requer
uma organização e mobilização muito grandes da sociedade civil. E é nesse
sentido que temos trabalhado. O Intervozes é só um dos grupos que faz a luta,
ao lado do FNDC (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação) e centenas
de outras entidades que têm essa luta como prioritária.
Qual a sua opinião quanto ao comportamento da mídia nos
últimos anos, especialmente nas gestões petistas e no mandato de Dilma
Rousseff, no que se refere a este contexto analisado?
B.B. – Acredito que os meios de comunicação “têm lado” na
disputa de um projeto de país. Isso tem ficado cada vez mais claro ao menos em
uma parcela da chamada grande mídia. Tal lado, em períodos eleitorais, fica
muito mais claro. Vimos o comportamento dos grandes veículos no processo
eleitoral, principalmente no segundo turno das eleições, mas é algo que se
manifesta cotidianamente. Não só na eleição, mas nos grandes temas que envolvem
o futuro da nação e os direitos da cidadania em geral.
O aspecto positivo é que, felizmente, uma parcela crescente
da sociedade começa a se dar conta disso. E a entender que o conteúdo veiculado
em tais meios é feito a partir de opções político-ideológicas deles mesmos.
Nesse caso, nem se trata de julgar se são conteúdos verdadeiros ou mentirosos.
Mas o simples fato de a população conseguir entender que há opções claras por
trás das escolhas editorais, com defesas ou críticas a projetos, já faz com que
telespectadores, ouvintes e leitores tenham uma postura mais crítica e autônoma
em relação ao que tais veículos publicam, sem achar que ali constam verdades
absolutas e inquestionáveis.
É claro que ainda temos desafios muito grandes. A televisão,
em especial, tem um poder muito grande na formação da opinião pública nacional,
mas avançamos cada vez mais no sentido da compreensão das pessoas sobre o papel
dos meios de comunicação, entendendo suas escolhas e linhas editoriais, o que permite
uma leitura mais crítica desses veículos.
Acredita que o novo mandato de Dilma possa avançar um
processo de radical democratização da mídia, é possível ter otimismo quanto a
isso?
B.B. – Temos de ser otimistas, senão desistimos de lutar.
Mas não tenho perspectiva, e creio que essa seja a leitura mais comum do
movimento pela democratização da mídia, de que haverá uma radical transformação
no cenário. Saudamos a presidente Dilma quando diz que pretende abrir debate
com a sociedade sobre a necessidade de fazer a regulação dos meios de
comunicação.
É importante para desmistificar a ideia de que qualquer
regulação é censura, como propagandeiam diariamente os meios de comunicação,
que não querem, justamente, a democratização do setor. Com isso, colocam na cabeça
das pessoas que a regulação poderia cercear a liberdade de expressão no país, o
que não é verdade.
Assim, temos expectativa de que as declarações da
presidente, tanto no segundo turno como nas entrevistas após o resultado
eleitoral (ao dizer que o setor das comunicações, assim como outros, a exemplo
da economia, precisa ser regulado, a fim de enfrentar a concentração da
propriedade, quebrar monopólios, garantir uma diversidade maior de vozes no
espaço midiático), se tornem ações concretas. E que, de fato, seja aberto o
debate com a sociedade sobre a necessidade de um novo marco regulatório para as
comunicações.
Do nosso ponto de vista, dos movimentos sociais, cobraremos
que tal agenda seja realmente implementada. O que não pode continuar
acontecendo é, depois de 12 anos de governo de esquerda no país, o debate
seguir interditado. Não temos expectativa de que a questão, delicada e
polêmica, se resolverá em quatro anos. Mas pelo menos o debate tem de ser
aberto.
Quais medidas seriam, em sua opinião, essenciais a caminho
dessa democratização? Como, por exemplo, a ideia de propriedade pública entra
nesse contexto?
B.B. – O movimento social tem um conjunto de demandas já
construído, a partir das resoluções da primeira Conferência Nacional das
Comunicações, em 2009, que foram sistematizadas em torno de um Projeto de Lei
de Iniciativa Popular, o Projeto da Mídia Democrática. Esse projeto, para o
qual coletamos assinaturas em todo o país, prevê, em primeiro lugar, a
regulamentação dos artigos da Constituição Federal que tratam da comunicação,
desde o que proíbe o monopólio até os que preveem a garantia do direito de
resposta, o incentivo à produção independente e regional, a complementaridade
entre os sistemas públicos, privados e estatais. Todos esses artigos carecem de
leis específicas, o que faz com que sigam valendo como princípios
constitucionais, mas não sejam implementados na prática.
Nosso Projeto de Lei da Mídia Democrática também avança em
outras questões, como a importância de garantir a diversidade da representação
étnico-racial, de gênero, de orientação sexual, de respeito às pessoas com
deficiência nos meios de massa etc. Defende mecanismos de proteção aos direitos
das crianças e adolescentes na mídia, fala da importância de políticas públicas
que incentivem a radiodifusão comunitária...
Enfim, trata-se de um conjunto de propostas que convidamos
todos a conhecer. Também está no site Para Expressar a Liberdade, que sintetiza
uma série de questões fundamentais de garantia do direito à comunicação no
Brasil.
Finalmente, o que pode nos contar do seminário promovido
pelo Fórum Nacional de Democratização das Comunicações e as atividades que se
seguirão na Câmara dos Deputados?
B.B. – O seminário realizado pelo FNDC foi preparatório para
o Fórum Brasil de Comunicação Pública, que ocorreu na Câmara e reuniu
diferentes atores do campo público. Emissoras de rádio e TV, legislativas,
públicas, comunitárias, universitárias e educativas, têm uma série de desafios
a enfrentar para a consolidação do campo público da comunicação brasileira.
Nos últimos anos, tais entidades estavam desarticuladas, sem
espaço de diálogo para construir estratégias comuns de ação. E como sabemos que
o campo privado e comercial é muito forte e organizado, a garantia de espaço
para o campo público requer muita articulação e mobilização. O que tentamos
construir no Fórum é justamente isso, para pensarmos estratégias comuns. Foram
mais de 300 pessoas participando e pode-se encontrar tudo no site e no canal de
TV da Câmara.
Gabriel Brito e Paulo Silva Junior, do Correio da Cidadania
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