Eduardo Julio *
Pouco depois da derrubada das torres gêmeas em 11 de setembro de 2001, um simpático vagabundo (como se autodenominou certa vez) passou a perambular pelas noites da Praia Grande, com um turbante improvisado. Dançava, brincava e curtia o movimento do Centro Histórico, fantasiado de terrorista islâmico, sempre bêbado com um sorriso estampado no rosto, como se estivesse num eterno carnaval. Seu nome ninguém nunca soube, mas logo foi chamado pelos frequentadores da área de Bin Laden da Praia Grande.
Ao contrário do temido radical saudita, o Bin Laden maranhense não ameaçava ninguém, nem dinheiro pedia. Às vezes, era interpelado por algum transeunte, mas se esquivava e seguia seu rumo. Sim, é verdade, há pouco menos de uma década, os desocupados que circulavam pela Praia Grande tinham senso de civilidade e alguns (somente os mais bacanas) também eram bem-humorados e performáticos. A área estava longe de se transformar em reduto de viciados em crack. Era basicamente frequentada por artistas, universitários, turistas, comerciantes, funcionários públicos e muitos, muitos cães sem dono.
A qualidade do entretenimento oferecido também era melhor, os bares ainda não tinham caído em desgraça, disseminando poluição sonora com pagode barra pesada, no lugar do tambor de crioula e do reggae, por exemplo. Os órgãos de cultura não estavam sucateados e ofereciam programações constantes e variadas.
Mas voltando ao assunto inicial, numa certa manhã, o nosso Bin Laden manifestou-se verbalmente pela primeira vez. Ao entrar na livraria Poeme-se, encarou sem mais nem menos o dono do estabelecimento, o Riba do sebo, e disse de forma veemente: "Você pensa que vida de vagabundo é fácil??!! Não é fácil não! Vagabundo sofre muito, meu amigo". E saiu, sorrateiramente.
Logo depois, em dezembro de 2002, um grupo de artistas de São Luís, incluindo o designer Cláudio Vasconcelos, o artista plástico Paulinho César, o fotógrafo Márcio Vasconcelos, o compositor Júnior Aziz e o repórter que vos escreve, realizaram num final de semana uma intervenção no bar do Adalberto, extinto reduto de poetas, artistas e boêmios da Praia Grande. Naquela manhã de sábado, eis que surgiu o Bin Laden timbira com o tradicional turbante improvisado, dançando sob o sol escaldante, em frente ao bar, ao som de música árabe, uma cortesia da trilha universal que programamos para "iluminar" o evento.
O premiado fotógrafo Márcio Vasconcelos não perdeu tempo e fez algumas imagens daquela "figura". Uma delas ilustra este texto. Esta talvez tenha sido a última importante aparição do Bin Laden da Praia Grande. Pouco tempo depois, soube que tinha falecido, se não estou enganado, em decorrência de um ataque cardíaco. Foi curta a passagem do Bin Laden da Praia Grande, bem mais rápida do que a do terrorista. Morreu, sem deixar discípulos.
* Eduardo Júlio é poeta e jornalista.
Ao contrário do temido radical saudita, o Bin Laden maranhense não ameaçava ninguém, nem dinheiro pedia. Às vezes, era interpelado por algum transeunte, mas se esquivava e seguia seu rumo. Sim, é verdade, há pouco menos de uma década, os desocupados que circulavam pela Praia Grande tinham senso de civilidade e alguns (somente os mais bacanas) também eram bem-humorados e performáticos. A área estava longe de se transformar em reduto de viciados em crack. Era basicamente frequentada por artistas, universitários, turistas, comerciantes, funcionários públicos e muitos, muitos cães sem dono.
A qualidade do entretenimento oferecido também era melhor, os bares ainda não tinham caído em desgraça, disseminando poluição sonora com pagode barra pesada, no lugar do tambor de crioula e do reggae, por exemplo. Os órgãos de cultura não estavam sucateados e ofereciam programações constantes e variadas.
Mas voltando ao assunto inicial, numa certa manhã, o nosso Bin Laden manifestou-se verbalmente pela primeira vez. Ao entrar na livraria Poeme-se, encarou sem mais nem menos o dono do estabelecimento, o Riba do sebo, e disse de forma veemente: "Você pensa que vida de vagabundo é fácil??!! Não é fácil não! Vagabundo sofre muito, meu amigo". E saiu, sorrateiramente.
Logo depois, em dezembro de 2002, um grupo de artistas de São Luís, incluindo o designer Cláudio Vasconcelos, o artista plástico Paulinho César, o fotógrafo Márcio Vasconcelos, o compositor Júnior Aziz e o repórter que vos escreve, realizaram num final de semana uma intervenção no bar do Adalberto, extinto reduto de poetas, artistas e boêmios da Praia Grande. Naquela manhã de sábado, eis que surgiu o Bin Laden timbira com o tradicional turbante improvisado, dançando sob o sol escaldante, em frente ao bar, ao som de música árabe, uma cortesia da trilha universal que programamos para "iluminar" o evento.
O premiado fotógrafo Márcio Vasconcelos não perdeu tempo e fez algumas imagens daquela "figura". Uma delas ilustra este texto. Esta talvez tenha sido a última importante aparição do Bin Laden da Praia Grande. Pouco tempo depois, soube que tinha falecido, se não estou enganado, em decorrência de um ataque cardíaco. Foi curta a passagem do Bin Laden da Praia Grande, bem mais rápida do que a do terrorista. Morreu, sem deixar discípulos.
* Eduardo Júlio é poeta e jornalista.
Foto: Marcio Vasconcelos
3 comentários:
Legal a matéria, Eduardo. Retificando, Bin Laden da Praia Grande era filho de dona Roxa, e não morreu de ataque cardíaco. Dormiu sentado numa cadeira de bar, caiu e bateu com a cabeça na quina de uma calçada. E deixou, sim, inúmeros discípulos...alguns já morreram também, como Fidel, o Homem Bomba...que frequentava o Bar do Adalberto. Abraço.
Parabéns ao Eduardo Júlio por esse delicioso texto sobre o "nosso" Bin Laden.
Fazia tempo que não me divertia tanto com uma crônica maranhanse!
Saudações.
Caro Paulo Melo.
Obrigado pelas observações.
Abraços,
Grande Cristiano,
Valeu pelas considerções.
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