Franklin
Douglas (*)
A greve dos professores das universidades federais (as IFES – Instituições Federais de Ensino Superior) completa 30 dias nesta semana. Um mês em que docentes e mais docentes vão transformando a greve numa surpreendente grande mobilização da categoria: são 51 das 59 IFES vinculadas ao Sindicato Nacional (ANDES) já paralisadas, do total de 99 existentes. Em algumas, como as federais do Rio de Janeiro (UFRJ) e Santa Catarina (UFSC), os estudantes também decretaram greve de apoio.
O velho Marx já nos ensinou: “Se aparência e essência fossem a mesma coisa, não precisaríamos de ciência”! Eis a força e o “carma” dos professores universitários, sobretudo aqueles comprometidos com a universidade voltada à construção da sociedade mais justa: sua obrigação profissional, através de pesquisa rigorosa, é desvendar a aparência das coisas e evidenciar os interesses que compõem sua essência – um incômodo aos poderosos do sistema e seu status quo.
Em aparência, temos no Brasil uma inédita expansão do ensino superior, a democratização do acesso à universidade, a ampliação dos programas de pós-graduação, o aumento da produção da pesquisa e de citação de pesquisadores brasileiros nos rankings internacionais...
Em essência, estamos sob o mais forte ataque à universidade pública, de qualidade, centro de referência de produção de conhecimento, colocando em risco sua autonomia e democratização – por exemplo, nos quase 10 anos do lulo-petismo no governo, nada mudou na forma de eleição dos reitores, ainda herança da Ditadura Militar.
Em aparência os problemas são locais: a superlotação das turmas, a precarização do trabalho do professor, a inadequação dos locais de ensino, a falta de bolsas de pesquisa, o produtivismo imposto pelas avaliações anuais (avaliação da CAPES, ENADE´s, ENEM´s, etc.), os parcos recursos para a atualização das bibliotecas e apoio à divulgação de pesquisas, a falta de política de incentivo à publicação de dissertações e teses...
Em essência, o que é local, na verdade, obedece a uma diretriz internacional de organizações como Banco Mundial, OMC (Organização Mundial do Comércio) e FMI (Fundo Monetário Internacional), sob a lógica de tornar as políticas educacionais dos países latinos submetidas ao modelo neoliberal que, dentre outras, como bem sistematiza o professor Roberto Leher (UFRJ), traz consigo características como:
1) a expansão do privatismo: onde, no Chile, entre 1990 e 2006, o número de matriculados saltou de 250 para 650 mil estudantes, sendo que no setor privado essas matrículas aumentaram em 900%; no Brasil e Bolívia, esse índice alcança os 70%, ante a média latinoamericana de 50% das matrículas do ensino superior em instituições privadas. Temos no Brasil 1 milhão 643 mil 298 universitários (em cursos presenciais e à distância) em universidades públicas (especificamente nas federais, temos 932 mil matriculados), para 4 milhões 736 mil em instituições privadas (INEP-Censo da Educação de 2010). O que não ocorre sem transferência de recursos públicos para o ensino privado, através de programas como PROUNI e FIES (no Brasil) ou ICETEX (na Colômbia);
2) separação entre ensino, pesquisa e extensão: tornando as universidades, centro de pesquisa por vocação, em meros “colégios de terceiro grau”, apenas ensino, geralmente com pouca qualidade;
3) redução da autonomia universitária, por exemplo, universidades que não façam adesão ao ENEM, ao REUNI, dispõem de menos recursos para se financiar;
4) criação de órgãos de avaliação e certificação: através avaliações tipo ENADE (no Brasil) ou SABER PRO (na Colômbia); órgãos como CONEAU-Comisión Nacional de Evaluación y Acreditación Universitaria (na Argentina) ou COPAES-Consejo para Acreditación de la Educación Superior (no México); que avaliam o ensino superior pela metade, e não por inteiro, impondo uma lógica baseada em produção de artigos, notas em provas, tempo de conclusão de trabalhos, sem considerar a qualidade dessa quantidade produtivista;
5) subordinação dos objetivos da universidade à lógica do mercado: impondo cursos sequenciais, à distância, que levam a uma formação fragmentada, acrítica, sem a experiência efetiva da “vida universitária”, o chamado currículo oculto, da participação em palestras, debates, encontros científicos, envolvimento em pesquisa/extensão, e tão somente priorizando a formação do aluno para o sistema produtivo do mercado.
A esse contexto, soma-se a baixa valorização salarial da carreira docente, reajuste insignificante, vencimento-base da carreira inicial abaixo do salário mínimo e previdência privatizada...
A greve dos professores das universidades federais (as IFES – Instituições Federais de Ensino Superior) completa 30 dias nesta semana. Um mês em que docentes e mais docentes vão transformando a greve numa surpreendente grande mobilização da categoria: são 51 das 59 IFES vinculadas ao Sindicato Nacional (ANDES) já paralisadas, do total de 99 existentes. Em algumas, como as federais do Rio de Janeiro (UFRJ) e Santa Catarina (UFSC), os estudantes também decretaram greve de apoio.
O velho Marx já nos ensinou: “Se aparência e essência fossem a mesma coisa, não precisaríamos de ciência”! Eis a força e o “carma” dos professores universitários, sobretudo aqueles comprometidos com a universidade voltada à construção da sociedade mais justa: sua obrigação profissional, através de pesquisa rigorosa, é desvendar a aparência das coisas e evidenciar os interesses que compõem sua essência – um incômodo aos poderosos do sistema e seu status quo.
Em aparência, temos no Brasil uma inédita expansão do ensino superior, a democratização do acesso à universidade, a ampliação dos programas de pós-graduação, o aumento da produção da pesquisa e de citação de pesquisadores brasileiros nos rankings internacionais...
Em essência, estamos sob o mais forte ataque à universidade pública, de qualidade, centro de referência de produção de conhecimento, colocando em risco sua autonomia e democratização – por exemplo, nos quase 10 anos do lulo-petismo no governo, nada mudou na forma de eleição dos reitores, ainda herança da Ditadura Militar.
Em aparência os problemas são locais: a superlotação das turmas, a precarização do trabalho do professor, a inadequação dos locais de ensino, a falta de bolsas de pesquisa, o produtivismo imposto pelas avaliações anuais (avaliação da CAPES, ENADE´s, ENEM´s, etc.), os parcos recursos para a atualização das bibliotecas e apoio à divulgação de pesquisas, a falta de política de incentivo à publicação de dissertações e teses...
Em essência, o que é local, na verdade, obedece a uma diretriz internacional de organizações como Banco Mundial, OMC (Organização Mundial do Comércio) e FMI (Fundo Monetário Internacional), sob a lógica de tornar as políticas educacionais dos países latinos submetidas ao modelo neoliberal que, dentre outras, como bem sistematiza o professor Roberto Leher (UFRJ), traz consigo características como:
1) a expansão do privatismo: onde, no Chile, entre 1990 e 2006, o número de matriculados saltou de 250 para 650 mil estudantes, sendo que no setor privado essas matrículas aumentaram em 900%; no Brasil e Bolívia, esse índice alcança os 70%, ante a média latinoamericana de 50% das matrículas do ensino superior em instituições privadas. Temos no Brasil 1 milhão 643 mil 298 universitários (em cursos presenciais e à distância) em universidades públicas (especificamente nas federais, temos 932 mil matriculados), para 4 milhões 736 mil em instituições privadas (INEP-Censo da Educação de 2010). O que não ocorre sem transferência de recursos públicos para o ensino privado, através de programas como PROUNI e FIES (no Brasil) ou ICETEX (na Colômbia);
2) separação entre ensino, pesquisa e extensão: tornando as universidades, centro de pesquisa por vocação, em meros “colégios de terceiro grau”, apenas ensino, geralmente com pouca qualidade;
3) redução da autonomia universitária, por exemplo, universidades que não façam adesão ao ENEM, ao REUNI, dispõem de menos recursos para se financiar;
4) criação de órgãos de avaliação e certificação: através avaliações tipo ENADE (no Brasil) ou SABER PRO (na Colômbia); órgãos como CONEAU-Comisión Nacional de Evaluación y Acreditación Universitaria (na Argentina) ou COPAES-Consejo para Acreditación de la Educación Superior (no México); que avaliam o ensino superior pela metade, e não por inteiro, impondo uma lógica baseada em produção de artigos, notas em provas, tempo de conclusão de trabalhos, sem considerar a qualidade dessa quantidade produtivista;
5) subordinação dos objetivos da universidade à lógica do mercado: impondo cursos sequenciais, à distância, que levam a uma formação fragmentada, acrítica, sem a experiência efetiva da “vida universitária”, o chamado currículo oculto, da participação em palestras, debates, encontros científicos, envolvimento em pesquisa/extensão, e tão somente priorizando a formação do aluno para o sistema produtivo do mercado.
A esse contexto, soma-se a baixa valorização salarial da carreira docente, reajuste insignificante, vencimento-base da carreira inicial abaixo do salário mínimo e previdência privatizada...
O
que em aparência é uma greve que prejudica alunos, que pára a universidade, que
legitima o ensino privado como aquele onde não falta aula por conta de greves...
Em essência, mostra que a
carreira docente nas universidades públicas está em jogo. O que está em risco é
a graduação e a pós-graduação acadêmica e seu processo de pesquisa de qualidade.
O que está em pauta é realidade cruel a que está submetido o aparente
“crescimento” da universidade pública brasileira. Eis a essência da greve
nas universidade federais. Todo apoio a ela!
(*)
Franklin Douglas - jornalista e professor, escreve
para o Jornal Pequeno aos domingos, quinzenalmente. Artigo
publicado no Jornal Pequeno (edição 10/06/2012, página
16.
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