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domingo, 3 de junho de 2012

POEMA “ANTE O ESPELHO”, DE RODRIGO PEREIRA, GANHA O I FESTIVAL DO PAPOÉTICO

Saiu do longo e denso texto de Rodrigo Pereira (“Ante o espelho”, veja abaixo) a vitória no I Festival de Poesia do Papoético. Entre os melhores poemas ganharam ainda “Poética”, de Kissyan Castro (2º lugar); e “Desencontro”, de João Cobelo Foti (3º lugar).

Melhores intérpretes:

1º lugar: Keyla Santana, interpretando “Alfama”, de César Borralho;

2º lugar: Nuno Lilah Lisboa, interpretando “Eu comi Oswald de Andrade”, de Kátia Dias;

3º lugar: Roberto Froes, interpretando “Flor Caída”, de Sílvio Rayol;

A Comissão Julgadora de Melhores Poemas conferiu ainda menção de destaque para quatro textos concorrentes: ‘Alfama’, de César Borralho; ‘Uma faca só lâmina’, de André Rios; ‘Bagagem’, de Rafael de Oliveira; e ‘Paisagem Vertigem’, de Elias Ricardo de Souza.

O festival é uma das crias do Projeto Papoético, idealizado pelo poeta, jornalista e pesquisador de cultura popular Paulo Melo Sousa, em novembro de 2010.

O Papoético acontece toda quinta-feira, no ChicoDiscos, com recitais de poesia, lançamentos de livros, canjas musicais, exibição de filmes, discussões filosóficas e exposição de ideias.

Nos encontros semanais, o público pode entrar em contato com o que é produzido na arte maranhense e brasileira e ainda encontrar  pessoas que têm participação ativa na construção da cultura contemporânea.

Diante da ausência de novos eventos e falência de antigas iniciativas da Prefeitura e do Governo do Estado sobre Literatura, o Papoético tomou a cena e já ocupa um importante espaço na vida cultural da cidade. Breve haverá o lançamento do concurso de fotografia e de contos.

Veja o poema vencedor

ANTE O ESPELHO

Marco Damasceno, antes de morrer,
tocou no espelho imagem que o surpreendia:
o rosto com o qual estivera tanto tempo
atrás da lâmina lhe surgia outro
e sorria, algo amargo
porque o tempo era de despedida.
Damasceno com os dedos procurava atento
as marcas e os sinais que, solícitos
por anos desenhavam sua presença
neste mundo. Lá fora, na rua estreita
(onde os judeus passavam e o outono
acendia um lento punhal de ouro
com o qual traçava
roxas filigranas nas estátuas) lá
fora a rua prosseguia
seus ritos e ninguém adivinhava que
na altura do número 600, terceiro andar
entre jornais ainda por ler
e
uma estante com livros de lombada escura
cartas de outra década,
cadernos com poemas de improviso
diante de um espelho em que já não se reconhecia
Marco Damasceno iria morrer.

Com os dedos ele marcava
os contornos
da face naquela
        opaca e lúcida janela:
olhos, óculos
poucos cabelos
o bigode branco os
lábios ressecados
Marco Damasceno
era Marco Damasceno? Assim perguntava
uma voz que súbita irrompia
daquele instante suspenso
em que cada coisa é liberta de seu peso;
em que o tempo entreabre
sua maquinaria extrema
e apresenta o núcleo – fruto
feito de nada;
e Damasceno, diante do espelho, diante
de um senhor com oitenta anos
e achaques
e rugosas superfícies
e os dedos
já  cansados de inspeções.
Marco Damasceno
que escrevera livros
que estudara línguas
que sabia da palavra
a densa teia de nervos;
que juntara às teorias
o fio de sua sátira.
                            Damasceno
tão inteiro
   com seu verbo sem lisonja
era a lavra de mão estranha
cristal, cimento e concha
presa à frente de um vazio
luminoso que a testemunhava.

Era a hora que chegava.

E era ele esse vazio
E o outro se despedia.
Logo a forma no espelho
armação definitiva
à orgia dos elementos
seria então devolvida.
Logo no esquecimento
tantas brigas, justas umas
outras que assim pareciam
amores frustros, a traição dos amigos
o aceno da glória e as dentadas da ira
Ah! Doce fumaça isso agora
o ar dissolveria.

Morto, menos será que um nome
na manhã distraída? O dia, o arco
deposto
aberto como um rio
sem fundo
dirá suas sílabas
vazias? Outro,
parte  Marco Damasceno
mais vivo
do que quando
neste sonho
existia.

Rodrigo Pereira

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