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quinta-feira, 31 de julho de 2014

JUIZ MÁRLON REIS SOFRE PRESSÕES AO DENUNCIAR A CORRUÇÃO ELEITORAL NO LIVRO “O NOBRE DEPUTADO”: PRESIDENTE DA CÂMARA REPRESENTA NO CNJ CONTRA O MAGISTRADO

Juiz Márlon Reis, motivado a divulgar o livro, vem recebendo apoio em todo o Brasil
A repercussão provocada pelo livro “O nobre deputado”, do juiz maranhense Márlon Reis, está provocando reações a ponto de o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), acionar o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra o magistrado. A representação não intimida Reis, que segue disposto a divulgar o livro.
Capa do livro: repercussão nacional
Um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, o juiz revela na obra, fruto de sua tese de doutorado, os detalhes do esquema de corrupção eleitoral. Entre os casos mais graves, cita a agiotagem. “É algo brutal...Os agiotas são membros do crime organizado e estão dispostos a sequestrar e matar se necessário”, revelou.

Na entrevista ao Blogue do Ed Wilson, o magistrado falou ainda sobre o apoio e a solidariedade que vem recebendo em vários lugares do Brasil para seguir firme na luta contra a corrupção eleitoral e administrativa.

Blogue – A mobilização popular que resultou na Lei da Ficha Limpa gerou muita expectativa. Depois de aprovado o projeto, qual o balanço que você faz da aplicação da Lei? É frustrante ou animador?

Márlon Reis – É muito animador. Basta registrar que agora não é mais possível que um candidato renuncie para escapar de uma cassação e se mantenha elegível. Aquele senador por Goiás (Demóstenes Torres) foi o primeiro a enfrentar a Lei da Ficha Limpa, mesmo fora da eleição. Não podia renunciar ao mandato, pois isso o deixaria inelegível por quatorze anos. Ficou até o final e foi cassado. Essa é só uma mais muitas contribuições da Lei da Ficha Limpa para o Brasil.

Blogue – Há situações concretas em que a Lei da Ficha Limpa esteja dando resultados?

Márlon Reis - Na base de dados do Conselho Nacional de Justiça estão cadastradas mais de 14 mil pessoas tornadas inelegíveis pela Lei da Ficha Limpa. A Procuradoria Geral Eleitoral, por seu turno, trabalha com dados que demonstram que esses números ultrapassam 300 mil pessoas. Desse total, apenas 600 pessoas pleitearam registro de candidato e sofreram impugnações agora em 2014. Isso num total de mais de 26 mil candidatos em todo o País. Isso mostra que a quase totalidade dos candidatos, um montante superior a 96%, não está submetida a nenhuma das hipóteses previstas na Lei da Ficha Limpa. Os demais ainda terão que ser julgados pela Justiça Eleitoral. Muitos desses 600 serão impedidos de participar. 

Blogue – Como foi elaborada a pesquisa para desembocar no livro “O nobre deputado”?

Márlon Reis - Ouvi diversos integrantes da vida política nacional. Dois deles são pessoas verdadeiramente muito influentes. Os demais são integrantes de grupos políticos ou estão diretamente ligados a mandatários. Todos fazem da política sua atividade principal. Um deles, por exemplo, trabalha organizando a realização de esquemas de compra de votos. É um operador profissional da política mercenária. Outro levava dinheiro em sacos para prefeitos que apoiariam um candidato a um cargo elevado. Acertei com eles que lhes asseguraria o absoluto anonimato em troca de que aceitassem falar com franqueza e profundidade sobre os bastidores da corrupção eleitoral no Brasil. 

Blogue – De tudo o que foi levantado na pesquisa, qual a situação mais grave, aquela que mais afeta a democracia?

Márlon Reis - Fiquei particularmente impressionado com a agiotagem política. É algo brutal e afeta principalmente candidatos a prefeito. Ansiosos pela vitória, aceitam empréstimos de grandes quantias de dinheiro, o que lhe assegura a vitória no pleito. Mas aí tem início o desvio de verbas públicas para fazer face aos pesados encargos cobrados pelos agiotas. As taxas de juros chegam a 20% ao mês. Isso inviabiliza a administração do Município. E não há a alternativa do calote. Os agiotas são membros do crime organizado e estão dispostos a sequestrar e matar se necessário. 

Blogue – A corporação parlamentar repudiou o seu livro, inclusive o presidente da Câmara dos Deputados. Como você avalia essa reação?

Márlon Reis - Foi uma reação corporativista. Não se levou em conta o interesse do Parlamento, mas de alguns deputados. Eles se sentiram ofendidos com uma verdade que não se pode esconder. Gostaria de haver sido convocado para falar sobre minha pesquisa e colaborar para a construção de alternativas que debelem a corrupção nas eleições. Faço parte de um imponente movimento social que tem diversas alternativas a apresentar ao Congresso a esse respeito. A reação desmedida e agressiva representa uma afronta ao direito constitucional à liberdade de expressão. Minha resposta a isso é difundir o meu livro e o meu pensamento por todo o Brasil. Farei isso mesmo que lancem meu livro num index de textos proibidos e o atirem à fogueira num auto de inquisição. 

Blogue – Você recebeu alguma ameaça por causa do livro?

Márlon Reis - O presidente da Câmara dos Deputados anunciou a decisão de representar contra mim junto ao Conselho Nacional de Justiça. Isso para mim nada representa, pois estou certo de que o Judiciário não irá me punir por expor meu pensamento em um livro. A Câmara deveria velar pela liberdade de expressão, não buscar meios de podá-la. Minha resposta consiste em dar sequência à divulgação do meu livro. (Nota do Blogue: O presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), representou ontem ao CNJ contra o juiz Márlon Reis)

Blogue – Como está sendo a receptividade do livro fora do parlamento?

Márlon Reis - Excelente. Recebe todos os dias diversas mensagens de pessoas de todas partes do Brasil falando do estímulo que o livro proporciona para devotarem maior atenção à política. A superação de figuras como a do Cândido Peçanha depende de conhecermos os mecanismos pelos quais atuam. Mas também há deputados que me procuram para dizer que acertei ao publicar o livro e pedem que eu não desista. 

Blogue – Quais seriam as mudanças fundamentais para modificar o sistema eleitoral brasileiro?

Márlon Reis - Precisamos reduzir o custo das eleições. O primeiro passo é proibir a doação empresarial e limitar as doações individuais. Além disso é preciso agregar transparência extrema às movimentações financeiras dos partidos e candidatos. Por outro lado é preciso acabar o sistema eleitoral para a eleição de parlamentares vigente, que permite que se vote em um e se eleja outro. É um modelo que favorece as campanhas de caciques e enfraquece o debate ideológico e programático. 

Blogue – É possível realizar uma reforma política com o sistema eleitoral viciado que sempre mantém políticos corruptos com mandatos?

Márlon Reis - A Reforma Política dependerá do envolvimento de toda a sociedade. A maioria dos membros do Parlamento não deseja mudança alguma. Por isso é preciso que a mudança do sistema eleitoral se transforme num sentimento de toda a nação. 

Blogue – Qual é o mapa do Congresso Nacional hoje? Quais são as bancadas estratégicas e seus financiadores?

Márlon Reis - A maioria dos eleitos sustentou suas campanhas em dinheiro de grandes empreiteiras, bancos, mineradoras, além de hospitais e universidades privadas. Estão lá para defender os interesses desses segmentos, não os da sociedade.

Blogue – Como ocorre na prática o processo de corrupção eleitoral e o financiamento de campanhas? E depois, como o parlamentar retribui o esquema que o elegeu?

Márlon Reis - As doações privadas são apenas uma antecipação, um investimento. Nenhuma empresa retira dinheiro do seu capital sem demonstrar aos acionistas em que isso colaborará para o aumento dos lucros. Então se trata na verdade de um negócio muito lucrativo. A retribuição vem por meio da influência sobre a composição do orçamento da União. O parlamentar eleito por essa forma terá que atender aos interesses da empresa financiadora assegurando recursos que gerarão muitos lucros. 

Blogue – Quais os níveis de compra de voto nas escalas federal, estadual e municipal?

Márlon Reis - Não é possível calcular com exatidão. Ela acontece com muitos força em todos os Estados. Mas é possível afirmar que em alguns deles a maioria dos eleitos tem sua campanha baseadas em esquemas que envolvem a compra de apoio político. 

Blogue – Como é produzido um deputado corrupto?

Márlon Reis - O deputado corrupto é fruto do sistema eleitoral vigente, que é opaco, elitista, caro e injusto. Os candidatos não disputam em igualdade de condições. E os eleitorais não são capazes de compreender o sistema eleitoral vigente, cuja extrema complexidade é mantida de forma proposital. 

Blogue – Qual o nível de influência do dinheiro da agiotagem nas eleições?

Márlon Reis - Em alguns lugares, como no Maranhão, se observa uma presença gigantesca da agiotagem nas eleições municipais. Isso influenciará muito as demais eleições. Prefeitos eleitos e em dívida com agiotas tratarão de vender seu apoio para candidatos a deputado. É uma forma de se capitalizar e sair um pouco do flagelo do endividamento brutal. 

Blogue – Você se considera solitário nessa luta? Quais são seus aliados e adversários?

Márlon Reis - Nunca agi de forma solitária. Integro uma rede, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, composto por mais de 50 organizações sociais de grande prestígio em todo o Brasil. Meus adversários são poderosos, mas em regra não me atacam de frente. Não me impressiono com a força dos que gostariam que o mundo permanecesse como é. O que me anima é o crescimento do número de pessoas dispostas a mudá-lo.

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