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quinta-feira, 30 de julho de 2015

A QUEM INTERESSA UM PACTO POLÍTICO SEM CAUSA

José Reinaldo propõe a reaproximação com seu criador José Sarney
Salvador Fernandes *

A “boa nova”, nos meios político e jornalístico maranhenses é o polêmico artigo do deputado federal José Reinado Tavares (PSB), cujo teor, entre tantas “pérolas”, enaltece as qualidades de José Sarney (PMDB), ressalta que ele ainda possui “grande força política” e apregoa sobre a necessidade de um “Pacto pelo Maranhão”, para “unir todos pelo desenvolvimento do Maranhão”.

Pela sua recente trajetória política, não se pode considerar que a publicação do escrito de José Reinaldo seja palavras soltas, despropositada ou opinião inerte. Afinal, basta observar, em três momentos, o protagonismo reinaldista na política maranhense: a) artífice, há cerca de dez anos, da dissidência e do posterior rompimento com o grupo Sarney; b) vitorioso na tática eleitoral de 2006, quando a oposição elegeu governador o saudoso Jackson Lago (PDT); e c) contribuição para o retorno exitoso à vida político-partidária do governador Flávio Dino (PCdoB), primeiro como deputado federal e por fim alcançando a governadoria do estado. Ou seja, ações políticas no atacado, cuja centralidade foi impor derrotas político-eleitorais à oligarquia.

Portanto, a externalização de sua proposta de pacto tenciona o seio da coalizão que elegeu o governador Flávio Dino e expõe a sua frágil unidade política. Acrescentem-se os consequentes embaraços para a administração dinista, pois, no início de um governo que se propõe a fazer uma ruptura com o passado oligárquico e a enfrentar os problemas estruturais do Estado, é colocada em dúvida, por uma liderança da coalizão vencedora da eleição de 2014, a sua viabilidade política.

Pelo visto, a negação reinaldista ao projeto oligárquico passou por uma rápida e substantiva revisão, ao ponto de, após somente seis meses do novo governo e de ser personagem de inúmeros e severos conflitos com o grupo Sarney, trazer para o centro do tabuleiro político maranhense a surpreendente ideia de um pacto com essa mesma oligarquia que ontem combatia.

Agora, na sua formulação, releva as responsabilidades oligárquicas pelos entraves ao desenvolvimento maranhense. Espelha-se, como resultado bem-sucedido de união de forças políticas, o desenvolvimento experimentado, no ultimo quartel de século, pelo estado do Ceará. Argumento desprovido do indispensável registro de que naquela unidade da federação houve, entre os emergentes atores da política cearense originários de múltiplas orientações ideológicas, alternância efetiva de poder, além da derrota político-eleitoral imposta aos anacrônicos chefes oligárquicos que anteriormente se revezaram, por décadas, no comando estadual.  

Destaque-se que não há ineditismo na proposta reinaldista. Episódio parecido na política maranhense ocorreu em 1986, inclusive num cenário político e econômico favorável à indução do reclamado desenvolvimento estadual. Naquele momento, com José Sarney na presidência da República e José Reinaldo ministro dos Transportes, acolchoados por uma provisória estabilidade monetária.

À época, perante uma iminente derrota sarneysista na disputa ao governo estadual, uma negociação envolvendo a cúpula nacional do PMDB e o então presidente José Sarney selou um acordo entre as duas principais siglas partidárias maranhenses. Em consequência, sob a égide da unidade das forças políticas da Nova República, foi eleito o governador Epitácio Cafeteira.

Isso porque, dentre os motivos políticos do acordo nacional, o presidente José Sarney, mesmo com o reconhecimento público conquistado no rastro do sucesso do Plano Cruzado, teria de enfrentar, na eleição estadual, com reais probabilidades de perda, as duas principais lideranças oposicionistas, ambas dotadas de expressiva densidade eleitoral. No caso, o deputado federal Epitácio Cafeteira, que no MDB/PMDB fazia, há duas décadas, oposição ao grupo Sarney, e o dissidente ex-governador João Castelo, naquela ocasião, recém-rompido com a oligarquia.

Os resultados políticos para a oposição foram desastrosos. Ocorreu o fracionamento oposicionista, a oligarquia apossou-se do PMDB e, adicionalmente, assegurou a sua permanência, por mais vinte anos, no governo do Estado. O mais grave - apesar de todo esse somatório de capital político, fortemente recheado com a popularidade do governador Epitácio Cafeteira - não sobrevieram alterações estruturais na dura realidade socioeconômica do Maranhão e na forma patrimonialista de gestão do estado. Nesse sentido, não se pode deixar de perguntar: agora, por que seria diferente?

Presentemente, após o progressivo exaurimento político da oligarquia, a idílica proposta de José Reinaldo oferece ao grupo Sarney a possibilidade de reconquista da legitimidade perdida nos âmbitos estadual e nacional. Por isso, nas manifestações de políticos e blogueiros sarneysistas, fica nítida a satisfação com a tese reinaldista.

O “Moncloa” maranhense - versão timbira dos acordos políticos espanhóis pós-ditadura franquista, que nas palavras de José Reinaldo não representaria um pacto político, mas uma conjugação de esforços em torno de um conjunto de projetos estruturantes - sugere uma romântica “mea-culpa” de José Sarney, em razão do que deixou de fazer pelo Maranhão, e sua incorporação à causa maior que seria o desenvolvimento estadual.

Tarefa de convencimento político das mais complexas, uma vez que o chefe oligárquico verbera aos quatro cantos que quase tudo que se tem de bom no Estado foi obra e graça de sua ação política. Afiança que os maranhenses deixaram as trevas a partir de sua eleição, em 1965, ao governo do Maranhão - obviamente, esquece-se dos resultados nefastos de suas décadas de domínio político, a exemplo da miséria refletida nos repugnantes números dos indicadores sociais.

Nada contra as boas intenções reinaldistas. Entretanto, avalizar a execução de sua proposta sem a conexa partilha de poder político, nem proporcionar a ocupação de cargos estratégicos da administração estadual por membros do grupo Sarney, constitui-se num exercício de pura abstração idealista. Afronta a impositiva realidade das negociações entre as forças políticas atualmente praticadas.

Por fim, é patente que o artigo de José Reinaldo põe em questionamento as motivações políticas que permitiram a vitória político-eleitoral da composição partidária que elegeu o governador Flávio Dino.  É, sem dúvida, um acentuado abalo na coalizão que, afora os reflexos no governo dinista, insere novas condicionantes e incertezas nos futuros acordos políticos e eleitorais.

* Salvador Fernandes é economista e servidor público federal. Foi presidente do Diretório Estadual do PT/MA(1996-2000).

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