Fiquei
impressionado com a criatividade dos organizadores e produtores
musicais da programação cultural da Festa dos 400 anos de São
Luís. Falo mais especificamente, do concerto “São Luís: 400 anos
de ritmo”, que teve a participação da Orquestra Sinfônica
Brasileira do Rio de Janeiro – OSB e de artistas maranhenses.
Nessa
ocasião, a OSB apresentou um programa com “sotaque”
exclusivamente maranhense, composições de Ubiratan Sousa, Turíbio
Santos, entre outros, acompanhada por percussionistas e cantores
locais. A exceção foi a peça de abertura, “Parabéns São Luís”,
de autoria do maestro Mateus Araújo (RJ), mas que também, teve
“inspiração” maranhense.
Um
repertório desse gabarito é de impressionar e de encher de orgulho
a nós, maranhenses, por ver “nossa música” sendo executada por
uma das orquestras mais importantes do país.
Bem,
seria isso mesmo que eu também sentiria se não fosse o fato de que
o Maranhão não possui uma orquestra sinfônica. Explico.
Uma
orquestra é a formação instrumental, por excelência, para
democratizar a música dita universal, obras de compositores de
vários lugares, épocas e estilos, que por seu valor histórico,
artístico e cultural, tornaram-se um patrimônio universal, a que
todos deveriam ter acesso. Entretanto, este é um direito, o qual vem
sendo (e ouso dizer, por 400 anos!) sistematicamente negligenciado ao
povo maranhense. Direto que é negado, não só pelo fato da
inexistência de uma orquestra sinfônica no Maranhão, mas também
pela “ditadura” da cultura popular como única expressão
artística com validade real em nosso Estado.
O
Povo Maranhense vive e faz música popular 365 dias por ano. A música
folclórica do Bumba-meu-boi, do Tambor de Crioula, entre outros
tipos maranhenses já ultrapassaram os limites espaço-temporais do
Carnaval e do São João, acontecendo durante todo o ano e também,
já gozam de reconhecimento nacional e até internacional. Por tudo
isso, consolidou-se como uma expressão legítima e visceral da
cultura maranhense, o que muito nos alegra. Mas será que este mesmo
Povo não merece conhecer Vivaldi, Bach, Mozart, Beethoven, Schubert,
Wagner, Tchaikovsky, Carlos Gomes, Villa-Lobos, Ernani Aguiar,
Francisco Mignoni, (certamente, todos fazem parte do repertório da
OSB), e mais Antônio Rayol, Elpídio Pereira, Pedro Growell entre
outros, artistas igualmente legítimos e viscerais da cultura
universal, que expressam/despertam as mais diversas emoções por
meio da arte musical?
A
música popular maranhense NÃO precisa da OSB para se projetar para
o resto do mundo, coisa que os grupos e artistas locais já o fazem,
e diga-se de passagem, muito melhor, com toda a sua criatividade e
originalidade e a despeitos das adversidades. No entanto, o Povo
Maranhense ainda precisa SIM da OSB para ter acesso ao patrimônio da
música universal.
Trazer
uma orquestra sinfônica para São Luís, para que ela se apresente,
entre músicos, cantores e performances de dançarinos, é colocar a
música sinfônica em segundo plano, pois todos havemos de concordar
que nesse contexto, a orquestra foi apenas o suporte, o
acompanhamento dos cantores, dos dançarinos e dos “nomes
pseudomaranhenses” que estiveram no palco da Lagoa da Jansen, no
dia 6 de setembro de 2012.
Por
que será que a organização e os produtores da Festa, não
solicitaram a Gilberto Gil, a Zezé de Camargo e Luciano, a Ivete
Sangalo, a Alcione, a Zeca Pagodinho ou a Roberto Carlos que também
fizessem os seus shows exclusivamente com músicas maranhenses?
No
entanto, tal “concepção artística” sobrou para a OSB (atração
que, como já dissemos, é a única porta-voz da música universal) e
que, politicamente, aceitou tal incumbência, a pedido da organização
e da produção da Festa dos 400 Anos e, obviamente, de seus
patrocinadores oficiais.
Perdemos
mais uma raríssima chance de ouvirmos obras, compositores, estilos
musicais que fazem sim, parte de nossa cultura e que somente (e
infelizmente!) poucos, aqui em São Luís, tem acesso.
Este
desabafo não é, de maneira alguma, um ataque à música, ou à OSB,
ou aos artistas locais que participaram do concerto. Mas, um ATO DE
REPÚDIO às circunstâncias e às instâncias que tal programa foi
concebido. E isso inclui, uma não representatividade legítima de
artistas, profissionais e instituições que efetivamente trabalham
com música e que sabem o valor da música universal para a formação
de qualquer ser humano.
Completamos
400 anos. 400 anos de muitas alegrias e conquistas. Mas também, de
tristezas, de descasos, como a que observamos nesta oportunidade em
que o Povo Maranhense continua a ser subestimado, onde os nossos
líderes ainda impõem as ordens, ditam e rasgam regras, concedem
privilégios particulares e execram direitos coletivos.
Contagiado
pela euforia deste momento festivo, mas também, envolvido por um
sentimento de pesar, é que lhe desejo.
PARABÉNS,
SÃO LUÍS!
* Rogério Chaves é músico violoncelista.
Um comentário:
Que belo comentário!!!
Realmente um desperdício da orquestra, um rebaixamento da grande música, uma submissão do universal ao local, uma redução do todo às partes... Menosprezam o povo supondo não gostarem da grande música!
Se era para prestigiar a música maranhense que fosse a grande música, digna de uma orquestra, como a de Antõnio Rayol!É difícil entender!!
Parabéns ao Rogério chaves pelo texto!
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