Carlos Agostinho Couto *
De quando em quando vemos ressurgir no cenário sociopolítico
brasileiro opiniões a favor e contra a adoção de diretrizes religiosas para
enfrentarem-se problemas e discussões que estejam em voga.
Muito recentemente houve uma espécie de crise envolvendo os
partidários da presidente Dilma Rousseff, quando um deputado ligado a um
movimento religioso, e de cariz claramente conservador, presidiu a Comissão de Direitos Humanos da
Câmara dos Deputados. De um lado os políticos religiosos que davam apoio ao
então deputado-presidente e às suas ideias, de outro, deputados de outras
religiões (ou sem nenhuma) que se contrapunham ao pensamento do presidente da
Comissão.
O problema é que boa parte dos deputados que se digladiaram
na defesa ou na contraposição ao presidente da Comissão são da base aliada da
presidente da República, que teve que administrar os interesses dos dois
grupos, mas com vontade de não contrariar a nenhum. Tal situação expôs um
problema importante no debate sobre a adoção de uma religião oficial (os
chamados Estados Confessionais) pelos países de tendência democrática.
Ainda resistem Estados Confessionais no mundo, que não podem
ser confundidos com Estados Teocráticos. Nestes últimos, o poder é exercido
diretamente por algum líder religioso, que se arvora de representante divino e
político. Nos primeiros o que existe é uma religião reconhecida como oficial.
Em ambos os casos, os preceitos religiosos são muito relevantes, até
excludentes socialmente.
Não se pode esquecer, entretanto, que, via de regra, a
adoção de uma vertente religiosa pelo Estado - aqui visto como instituição - é
geralmente seguida de pouca tolerância com as demais. Não podemos esquecer do
forte cristianismo da Idade Média que tanto foi intolerante quando teve os
católicos à frente (lembremos da Noite de São Bartolomeu, na França), quanto
quando viu crescer o protestantismo (o movimento iconoclasta pela Europa, como
reforço do desenvolvido no Império Bizantino, é um exemplo). Assim o foi também
com o pensamento nazista contra os judeus e o é em alguns países muçulmanos em
relação a outras formas de expressão da fé.
Há casos em que o Estado Laico, aquele que não possui
religião oficial, persegue grupos religiosos, como acontece com os monges
(budismo vajrayana) no Tibete desde a invasão chinesa na década de 1950, mas
isso tem mais a ver com geopolítica (combate à influência inglesa na região na
época da invasão) do que com religiosidade. De qualquer forma, é uma situação
diferente, pois a China não pode ser considerado um Estado democrático.
É comum, e até esperado, que os grupos que chegam ao poder
desejem que seu pensamento prevaleça, mas, do ponto de vista do direito à
liberdade religiosa e à livre manifestação do pensamento, é um risco a ideia de
que uma orientação religiosa específica deva hegemonizar a política. Risco que
a própria história demonstra. Quase sem exceção, a religião preponderante foi
intolerante com as demais e com as liberdades daqueles que agissem diferente
dos seus dogmas, o que é um risco para a democracia e para a sobrevivência das
próprias religiões.
Suponhamos, tomando o Brasil como exemplo, que algum grupo
chegue ao poder e determine que, por maioria constitucional ou pela força, o
país adotará uma religião qualquer. O que seria das demais? O que seria das
religiões vindas da África se fosse determinado que o tambor não poderia ser
usado em cultos? O que seria dos católicos sem suas imagens de veneração? O que
seria dos evangélicos históricos sem sua liberdade de crítica à tradição? O que
seria dos pentecostais sem o seu direito de fazer culto-show? O que seria dos
budistas se não pudessem raspar os cabelos para expressar sua fé? O que seria
dos indígenas sem a pajelança? O que seria de alguém que optasse por não seguir
nenhuma religião?
Correríamos o risco de ter que mudar a religião oficial para
os religiosos poderem ter liberdade num eterno sem-fim religioso? Correríamos o
risco de compatriotas lutarem por causa de religião, como houve/há no Reino
Unido?
Quem crê que acredite: nada melhor para as religiões do que
o Estado Laico, pois todas subsistirão.
* Carlos Agostinho Couto é jornalista e
professor da UFMA
Nenhum comentário:
Postar um comentário