Josemar Sousa Lima é economista, com especialização de
Projetos de Desenvolvimento Rural Sustentável e Consultor do Instituto
Interamericano de Cooperação para a Agricultura – IICA.
O Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, lançado em 1990
pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, originou-se de
estudos realizados pelo economista paquistanês Mahbub Ul Hag e teve como
objetivo explícito “Desviar o foco do desenvolvimento da economia e da
contabilidade nacional para políticas centradas em pessoas”.
Para produzir o primeiro Relatório do Desenvolvimento Humano
– RDH Mahbub reuniu um grupo seleto de economistas bem conhecidos, incluindo
Paul Streeten, Frances Stewart, Gustav Ranis, Keith Griffin, Sudhir Anand e
Meghnad Desai, mas foi o trabalho de Amartya Sem, sobre capacidades e
funcionamentos que forneceu o quadro conceitual do trabalho. Hag tinha certeza
de que uma medida única, composta pelo desenvolvimento humano, seria necessária
para convencer a opinião pública, os acadêmicos e as autoridades políticas de
que podem e devem avaliar o desenvolvimento não só pelos avanços econômicos,
mas também pelas melhorias no bem estar humano.
A partir de 2010, o IDH passou a combinar as três mais
significativas dimensões do desenvolvimento humano: Uma vida Longa e Saudável,
O Acesso ao Conhecimento e Um Padrão de Vida Decente. Foram, então,
desenvolvidos os três seguintes índices: IDH/Educação, IDH/Longevidade e
IDH/Renda.
Faço esse enfoque inicial para mostrar os três grandes
desafios que o governo, a sociedade civil e os empreendedores passam a ter a
partir de 1 de janeiro de 2015, quando a nova administração do estado do
Maranhão inicia uma cruzada para elevar os indicadores sociais que envergonham
todos os maranhenses.
O Maranhão hoje é o vigésimo sexto no ranque nacional do
IDH, só ganhando do desditado estado de Alagoas, também vítima da mesma doença
cancerígena que atacou o Maranhão e o deixou em estado terminal na UTI, ou mais
apropriadamente na sarjeta porque lá não existiam mais vagas para indigentes.
IDH/RENDA E COEFICIENTE DE GINI
O IDH/Total do estado do Maranhão situa-se na casa de 0,639,
numa escala que vai de zero 0 (zero) a 1 (um), com status de médio
desenvolvimento humano (0,600 a 0,699). O segundo mais
baixo IDH setorial é o IDH/Renda, objeto de nossa análise neste artigo, o 27º (vigésimo
sétimo) entre os estados brasileiros, atualmente na faixa de 0,612. Ai
já se nota uma imensa contradição entre visões do que é efetivamente desenvolvimento
no estado do Maranhão: pela medição do PIB somos a 16ª economia do Brasil, um
estado beirando à riqueza, como afirmavam e festejavam os roseanistas; e pelos
critérios de distribuição dessa renda entre a população, critério incorporado à
metodologia do IDH, o Maranhão situa-se como um dos mais desiguais do Brasil,
sendo assim um estado de população pobre.
Se em outros indicadores o estado apresenta alguma evolução
desde o lançamento do 1º Relatório de Desenvolvimento Humano em 1991, o mesmo
não acontece em relação a desigualdade de renda, medida pelo Índice de Gini,
que evoluiu de 0,600, em 1991, para 0,620, no Relatório do Desenvolvimento
Humano 2014. O Índice ou Coeficiente de Gini consiste em um número entre 0
(zero) e 1 (um), onde o 0 (zero) corresponde à completa igualdade de renda (onde
todos têm a mesma renda) e 1 (um) corresponde à absoluta desigualdade de renda
(onde uma pessoa tem toda a renda, e as demais nada têm).
Este índice mostra de forma clara o privilégio concedido a
algumas poucas famílias maranhenses no acesso às riquezas do estado. Tenho um
amigo médico que, numa conversa sobre essas mazelas, confidenciou-me que os 90%
dos recursos da saúde recebidos no estado do Maranhão à época ficavam
concentrados em uma rua de São Luís – aquela que então concentrava a maioria
dos hospitais e clínicas particulares, a Rua do Passeio, atualmente essa
concentração já apresenta variações, mas a lógica perversa ainda é a mesma.
No Índice de Desenvolvimento Humano – componente Renda – a
dimensão “Acesso a um Padrão de Vida Decente” é medida no Brasil pela renda per
capita, ou seja, a renda média de todos os residentes, dividida pelo número de
pessoas que moram no estado do Maranhão, inclusive crianças e pessoas sem
registro de renda, conforme dados do IBGE, sendo esses números apresentados
pelo Maranhão, comparados com o estado do Rio Grande do Norte, que ocupa a 16º
posição no ranking do IDH/Brasil.
Tomamos o estado do Rio Grande do Norte como parâmetro
porque é a posição que o estado do Maranhão ocupa no ranking do Produto Interno
Bruto – PIB e, talvez, onde pretenda chegar para conseguir o equilíbrio PIB e
IDH.
CONCENTRAÇÃO DE RENDA
A renda é essencial para que a população possa acessar
necessidades básicas como alimentação, água potável, habitação, energia
elétrica e outros bens e/ou serviços, mas também para poder transcender dessas
necessidades básicas rumo a uma vida de escolhas genuínas e exercício pleno de
liberdades. A renda é um meio para uma série de fins e possibilita que a
população ou o indivíduo possa fazer escolhas por alternativas disponíveis e a
falta dela limita as oportunidades de avanços na melhoria das condições de vida.
Quando dissecamos a renda per capita auferida pelo cidadão
maranhense verificamos que ela é uma das menores entre todos os estados
brasileiros, situando-se na faixa de R$ 360,34, menos da metade do salário
mínimo nacional, sendo que no estado do Rio Grande do Norte chega quase ao
dobro e, além disso, é altamente concentrada. Um grupo de famílias maranhenses
ricas, representativas de apenas 10% da população total se apropria de 50,06%
de toda a renda gerada ou obtida pelo estado, ficando os demais 90% da
população com apenas 49.04% da riqueza, gerando um raio de pobreza que se
espalha por toda a zona rural do estado e pelas periferias das cidades sedes
municipais. Quase a metade das pessoas ocupadas, com idade igual ou superior a
18 anos, 48.74%, tem rendimento mensal inferior ou igual ao salário mínimo e
isso não podia ser diferente, tendo em vista o nível educacional da população
economicamente ativa. Vimos isso no artigo anterior!
Temos no estado do Maranhão um dos maiores percentuais de
pessoas extremamente pobres, 22,47%, sendo que no estado do Rio Grande do Norte
é menos da metade, 10,33%. A vulnerabilidade da população à pobreza é de
63,58%, sendo que a perversidade da pobreza se expressa covardemente junto às
crianças, já que a maioria delas, 53,43% são pobres e, pasmem, 77,47% estão
vulneráveis à pobreza.
Alterar essa realidade é uma tarefa que exige visão
estratégica e coordenada do Governo Estadual, da Sociedade Civil e do Mercado
e, ainda, ações concretas vinculadas a uma Estratégia Geral. No artigo anterior
sugeri quatro estratégias gerais onde as 65 Propostas do Plano de Governo
fossem se incorporando pelo grau de inter-relação.
PROPOSTAS
Existe no Plano de Governo Flávio Dino - 2015/2018 um conjunto de propostas com
sinergia suficiente para iniciar um processo de elevação do IDH/Renda, desde
que elas sejam hierarquizadas em torno de uma estratégia geral, com um Projeto
Âncora, com gestão específica e que seja monitorado e avaliado permanentemente.
Destaco, aqui, a proposta de desenvolver um Programa de
Substituição de Importação, sustentado no pequeno empreendimento industrial e
nos empreendedores individuais, voltado ao suprimento dos mercados locais e
regionais, os programas de incentivo a modernização e adensamento da Cadeia
Produtiva e Arranjos Produtivos vinculados à atividade Agropecuária, com ênfase
da recuperação dos solos, criação intensiva de rebanhos e incorporação de
culturas alimentares e florestais consorciadas ao pesto; à Pesca e Aquicultura,
à Agricultura Familiar Consolidada, às Iniciativas Sustentáveis da Economia
Solidária, o aproveitamento econômico de
energias alternativas (eólica, solar, maremotriz e de biomassa) no Maranhão,
além das propostas de envolvimento das Universidades, Institutos Tecnológicos e
Centros de Pesquisas que visem ao desenvolvimento de novas tecnologias e
inovações tecnológicas no processo produtivo, bem como o aprimoramento e
elevação do capital humano, capital social e capital empresarial empreendedor.
PRODUÇÃO FAMILIAR
A proposta de criação
da Secretaria de Estado da Agricultura Familiar é louvável, mas não é inédita.
O Estado já teve em sua estrutura administrativa essas duas secretarias e nada
mudou. É essencial que paralelo à criação da nova secretaria seja elaborado
participativamente um Plano de Revitalização da Produção Familiar do Maranhão,
com objetivos, metas, recursos, estratégias, cronograma, apoio técnico e
financeiro, incentivos, tecnologias, gestão, alianças estratégias e avaliação,
adequadamente bem definidos e incorporados em um Projeto de Lei ou Medida
Provisória, suprindo a falta de uma Lei Agrícola que o estado não possui até
hoje.
Evidente que isso não elimina o apoio e importância que
também necessita a Agricultura Empresarial, mas suas demandas estão em níveis
mais elevados, como infraestrutura de transporte e armazenamento, medidas de
proteção e recuperação do meio ambiente e zoneamento territorial. Tecnologicamente,
na área agrícola, o Maranhão é um estado dos extremos!
Quando falo em produção familiar e não apenas agricultura
familiar, refiro-me ao um arranjo meio mágico, dotado de um estoque de
conhecimento acumulado deste os nossos primeiros habitantes, aprimorado pelos
africanos e que permite que aproximadamente 300 mil famílias ainda consigam
sobreviver autonomamente no campo.
Esse arranjo tem seu núcleo na agricultura
ou pesca artesanal, dependendo da região, e se complementa com atividades
vinculadas ao extrativismo vegetal ou florestal, criação de pequenos e médios
animais, agroindústria de beneficiamento e transformação, principalmente da
mandioca, artesanato; aquicultura rudimentar, horticultura também rudimentar e
aproveitamento sazonal de frutas dos quintais.
Essa atividade esquecida
e relegada a uma coisa quase que marginal e sem capacidade competitiva pode ser
um dos caminhos mais curtos para a melhoria das condições de vida da população rural,
com a garantia inicial de segurança alimentar e nutricional e saltos
posteriores para o mercado institucional e privado, além da manutenção dos
postos de trabalho.
A produção familiar vive, entretanto, uma crise sem
precedentes no seu equilíbrio econômico e ecológico, pela pressão demográfica
nas áreas de cultivo até nas chamadas áreas reformadas, pelo esgotamento da
fertilidade natural dos solos, agravado pela diminuição drástica da biomassa
necessária à queima e produção de cinzas, o seu único adubo, e aumento da
penosidade do trabalho causado pela necessidade de maior número de capinas
anuais pela queima insuficiente.
É urgente a necessidade de adoção de uma nova
matriz tecnológica que preserve os saberes e garanta a eliminação do fogo e da
itinerância, sem comprometer a produção tradicional de alimentos,
principalmente, mandioca, arroz, milho, feijão, melancia, abóbora, quiabo,
vinagreira, maxixe e outros produtos típicos da alimentação cabocla.
Esse parece ser um dos programas que merece tornar-se âncora
em torno do qual outros projetos gravitarão, como Assistência Técnica e
Pesquisa. Não tem sentido investir atualmente em assistência técnica se não
houver uma mudança na matriz tecnológica, até porque agricultura de corte e
queima o agricultor tradicional sabe fazer melhor do que o técnico. Uma nova
assistência técnica, compartilhada com os municípios, para uma nova
agricultura!
O Estado do Maranhão tem condições concretas de avançar na
melhoria do IDH/Renda, desde que não encare a renda pela renda, mas a renda
como fruto de um processo mais amplo que a dimensão econômica e que esteja
umbilicalmente vinculado aos dois outros componentes do IDH/Total - o
IDH/Educação e o IDH/Qualidade de Vida, este o Terceiro Trabalho de Hércules,
que abordarei no próximo e último artigo da série.
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