O ProUni fortaleceu
faculdades de fachada. Já as federais, agora produtivistas, não têm nem
prédios. Mas vozes privatistas, "de mercado", criticam a greve.
A expansão do ensino superior
durante os governos Lula e Dilma foi quantitativamente ampla, tanto para as
universidades públicas quanto para as privadas.
O primeiro grupo vivenciou
uma expansão dos campi muito significativa, através da profusão de cursos - muitos
dos quais, entretanto, pautados pela razão instrumental, de qualidade duvidosa
e em sintonia com a era da flexibilidade.
O segundo grupo viu o governo
do PT mostrar também um lado generoso em relação aos mercados.
Faculdades em sua grande
maioria de fachada, autodefinidas como "instituições do ensino
superior", carentes de rigor científico mínimo em sua docência e pesquisa
(esta, salvo raras exceções, inexiste neste ramo empresarial), tiveram seus
cofres inflados com o ProUni.
Já que os pobres são tolhidos
em larga escala das universidades públicas -uma vez que frequentam o ensino
fundamental em escolas públicas, que se encontram destroçadas-, o governo Lula
encontrou uma saída bárbara: reuniu-os nos espaços privados do ProUni.
De outra parte, deu-se
positivamente a ampliação das universidades públicas, através da expansão dos
cursos nas instituições federais e da contratação significativa de docentes.
Mas o governo o fez deslanchando o Reuni, programa de expansão das
universidades federais.
Constrangidos pelo
produtivismo (anti)acadêmico e calibrados pela competição, há precarização de
condições de trabalho. Os salários são baixos. A carreira, mal estruturada.
Mas o governo não contava que
essa ampliação quantitativa tivesse fortes consequências qualitativas: a nova
geração de jovens professores, doutores em sua grande maioria, parece não
aceitar sem questionamentos esse lado perverso do Reuni, que quer assemelhar
universidades públicas àquelas onde viceja o ProUni.
Dando aulas muitas vezes em
galpões, sem salas de professores (quando há, sem condições de pesquisar), os
docentes, cujos adoecimentos e padecimentos, para não falar de mortes, não
param de se ampliar, decretaram uma ampla e massiva greve nas federais.
Querem melhores salários,
condições de trabalho dignas e carreira efetivamente estruturada.
Os conservadores dizem,
tentando mascarar o desejo pela completa privatização, que a greve dos docentes
públicos é uma forma de "receber sem trabalhar". "Esquecem"
algo elementar: qual docente, no juízo razoável de suas faculdades, quer
arrebentar seu calendário e repor aulas quando deveria estar em férias?
Só mesmo as vozes
conservadoras podem identificar uma greve, com suas atividades, assembleias,
debates, desgastes, riscos e tensões, como "descanso remunerado",
argumento histórico das direitas derrotado pela Constituição de 1988.
Para muitas dessas vozes, a
pesquisa e a reflexão livres incomodam. Elas gostariam de privatizar as
federais, convertendo-as ou em universidades profissionalizantes ou, ao menos
parte delas, em "universidades corporativas", uma flagrante
contradição, pois universalidade não rima com corporação.
Há um segundo ponto
importante: muitos alegam que é preciso investir no ensino básico, o que os
leva a recusar o apoio à universidade pública. Mas alguém seriamente acredita
que aqueles que querem destroçar a universidade pública querem, de fato, um
ensino básico público, laico e de qualidade?
* Ricardo Antunes, 59, é
professor titular de sociologia na Unicamp e autor de "O Continente do
Labor" (Boitempo)
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