Ex-reitor da UFMA, o professor do Departamento de Medicina III,
Fernando Ramos, fala pela primeira vez sobre a reivindicação dos estudantes
pela Casa no Campus. Na entrevista, Ramos reconstitui todos os passos que
efetivaram o Plano Estratégico de Desenvolvimento Institucional (PEDI),
aprovado na sua gestão, em 2005, no Conselho Universitário (Consun), que
assegurou a construção da Residência Estudantil no campus do Bacanga.
O prédio reivindicado pelos estudantes começou a ser
viabilizado na gestão do ex-reitor, com a finalidade de atender à demanda por
residência estudantil dentro do campus, conforme os procedimentos e valores
apontados na entrevista.
Sobre a conquista dos estudantes, Fernando Ramos afirma: “foi
a vitória dos princípios republicanos. Só lamentamos que, para se chegar a este
acordo, alguns estudantes tenham pago um preço bem alto, colocando em risco
suas próprias vidas.” Veja a entrevista:
Blogue - Na sua
gestão, como acontecia a Assistência Estudantil?
Fernando Ramos – A Assistência Estudantil deve ser sempre um
eixo fundamental das Universidades Públicas. Antes do Reuni, período de nossa
gestão, no orçamento da Instituição já estava presente a rubrica de Assistência
Estudantil, em valores bem menores que os enviados para as Universidades que
aderiram ao Reuni (fato que ocorreu na UFMA, em adesão tumultuada do Consun,
dias após termos deixado a Reitoria).
Mesmo com a melhoria orçamentária para a rubrica Assistência
Estudantil que o Reuni traria, não optamos por ele porque percebíamos não ser
este o desejo da maioria da comunidade universitária que vislumbrava outras
consequências. Entretanto, mesmo sem termos optado pelo Reuni, a dotação
orçamentária de Assistência Estudantil já contemplava: apoio às Residências
Universitárias (embora reconheçamos que os recursos eram poucos frente às
demandas sempre urgentes e pertinentes, vindo dos moradores destas
Residências).
Além destas, este mesmo recurso era destinado para as bolsas
alimentação e bolsas trabalho, assim como para apoio a eventos estudantis.
Apesar de todas as dificuldades, avançamos na busca de uma Assistência à Saúde
dos estudantes da UFMA, criando o HUzinho, na entrada do Campus, com
assistência médico-psicológica. Também aqui encontramos dificuldades pelo pouco
apoio da Direção do Hospital Universitário na época, que sempre alegou não
disponibilizar de profissionais para assistir à comunidade universitária dentro
do Campus do Bacanga. Apesar destas dificuldades, sempre mantivemos uma equipe
competente em contato direto com todos os estudantes e, muitas vezes, nós
mesmos, assim fazíamos, em reuniões noturnas nas próprias Casas.
Blogue - Quantas residências havia e elas abrigavam quantos alunos? Como eles eram selecionados?
Fernando Ramos – Existiam duas Residências ditas oficiais,
cujas despesas demandavam do Orçamento da UFMA, em sua totalidade. Estamos nos
referindo à Casa Masculina, prédio próprio da Instituição situada à Rua da Paz;
e à Casa Feminina, que inicialmente estava situada em residência alugada, na
Rua do Sol, e depois transferida para o sobrado atual, devido problemas
crônicos existentes na anterior. Existia, entretanto uma terceira Casa que,
embora cedida pelo Estado para estudantes de Universidades em geral, aos pouco
foi adotada pela UFMA, considerando o grande número de estudantes da nossa
Instituição moradores desta. Passamos, portanto, a adotá-la disponibilizando
aos seus moradores, o mesmo apoio logístico das outras (assistência à saúde e
alimentação no final de semana, uma vez que, durante a semana, todos os
residentes das três Casas alimentavam-se no RU do Campus). Quando assumimos a
Reitoria, os estudantes das três Casas não recebiam o café da manhã. Atendendo
reivindicação dos mesmos, passaram a receber os mantimentos (café, leite,
manteiga) e pão através de licitação institucional.
Nas três Casas havia uma média de 80 alunos, que eram
selecionados a partir de cadastro sócio-econômico, com entrevista e, sempre que
possível, nossa equipe fazia visita onde cada jovem estava temporariamente
instalado. Cada Residência tinha um Regimento próprio elaborado pela Equipe do
NAE (Núcleo de Assuntos Estudantis) e representação dos residentes. Vale
lembrar que estes regimentos sempre foram obedecidos e nunca tivemos que
deslocar alguém às Casas por questões de indisciplinas e badernas, como
possibilidade levantada, recentemente, por quem não defendia a Casa no Campus.
Blogue - Como nasceu
o projeto Residência Estudantil?
Fernando Ramos – Acreditamos que a história das residências
universitárias na UFMA se confunda com a própria história da Instituição, pois deste
o início de seu funcionamento esta Universidade sempre recebeu alunos oriundos
de outros municípios maranhenses ou de outros estados. Poderíamos fazer uma
longa lista de profissionais de todas as áreas que precisaram da residência
universitária para prosseguir seus estudos nesta Instituição. Todos eles, com
certeza, poderão testemunhar o quanto foi importante o apoio destas residências
para a conclusão de seus cursos. Muitos recordam sempre com emoção os tempos
vividos nelas. Hoje não é diferente, o perfil do estudante da UFMA revela um
grande percentual que precisa recorrer a sacrifícios, entre muitos o afastar-se
da família, na busca de uma melhor qualidade de vida para si e seu grupo
familiar. Esta história nos ajuda a perceber que a Construção da Residência no
Campus não deve ser visto como apenas um programa assistencialista, mas como
uma necessidade absoluta para a sobrevivência de muitos.
Blogue - Quanto foi
gasto e por que o atraso na conclusão da obra reivindicada pelos estudantes nas
manifestações?
Fernando Ramos - Em 2005, aprovamos no Consun (Conselho Universitário) a Resolução 77/Consun/UFMA
de 14/03/2005 referente ao Plano Estratégico de Desenvolvimento Institucional (PEDI), no qual, entre seus eixos, podemos citar o Eixo 6, Valorização dos Servidores e Alunos, com a seguinte meta “ELABORAÇÃO PROJETOS COM VISTAS À
CONSTRUÇÃO DE RESIDÊNCIAS UNIVERSITÁRIAS”. Com este PEDI aprovado, priorizamos
captar recursos para concretizar a referida meta. Ainda na LOA 2005, a UFMA foi
contemplada em seu orçamento com uma Emenda de Bancada no valor de R$
3.308.800,00 (três milhões, trezentos e oito mil e oitocentos reais).
Considerando a prioridade, autorizamos a Prefeitura de
Campus e a Pró-Reitoria de Gestão e Finanças que tomassem providências na
elaboração do Projeto da Residência no Campus (porque este era o desejo dos
residentes da época), assim como na licitação para a obra. O Projeto ficou
pronto, orçado em R$ 1.008.602,04 e a licitação aconteceu. Ficamos aguardando a
liberação da Emenda. Fato que ocorreu somente em dezembro de 2005, sendo
descontigenciado apenas R$ 992.640,00 .
Diante deste fato, autorizamos à Prefeitura
de Campus que refizesse o Projeto, garantindo a construção do pavimento térreo,
que ficou orçado em R$ 608.388,54 , sendo a firma vencedora da primeira
licitação consultada para saber se estava de acordo com a nova proposta, no que
houve aceitação. Em janeiro de 2006, autorizamos o início da obra, em espaço
também definido em reuniões com participação dos residentes da época,
levando-se em conta: proximidade de paradas de ônibus, proximidade do
restaurante universitário, proximidade da biblioteca e do próprio NAE (Núcleo
de Assuntos Estudantis). A obra demorou um pouco, no início devido problemas
sazonais (fortes chuvas no período), e sempre esteve fiscalizada por equipe da
Prefeitura e do NAE.
Em 2006, conforme havíamos prometido aos residentes,
partimos para conseguir o recurso para a construção do pavimento superior,
orçado em R$ 691.438,66. Conseguimos este Recurso através de uma
Descentralização do Ministério da Educação que, embora aprovado em 2006,
somente foi liberado no dia 13/06/2007, fato que contribuiu mais uma vez para o
atraso da obra. Nesta mesma data estávamos participando de uma audiência
pública na Justiça Federal com a participação do Ministério Público Federal e
os residentes. Nesta referida Audiência garantimos a continuidade da obra
porque o recurso complementar já estava no financeiro da UFMA. Como de fato a
obra foi reiniciada com o segundo pavimento sendo edificado. Nas proximidades
de outubro, quando deixaríamos a reitoria da UFMA, fomos surpreendidos com a
necessidade de um Aditivo para acabamentos da obra, no valor de R$ 172.000,00.
Como não tínhamos disponível no financeiro e, como tínhamos na LOA 2007 a
disponibilidade de uma Emenda de Bancada no valor de R$ 5.000.000,00 definimos
com a Assessoria de Planejamento (Asplan) e Prefeitura de Campus que
deixaríamos entre as metas de utilização desta Emenda a prioridade de conclusão
da Residência Estudantil no Campus.
Infelizmente esta emenda só foi descontigenciada,
integralmente, em 18/12/2007 quando já não estávamos na reitoria, e no dia
19/12/2007 o atual gestor autorizou o repasse, em quase sua totalidade para a
Fundação Josué Montello, não priorizando o aditivo da Residência Estudantil.
Tudo que afirmamos aqui temos como comprovar, com LOAS, projetos, licitações e
notas de empenho.
Portanto, a licitação correspondente à construção do térreo
foi orçada em R$ 608.388,54 e a correspondente à construção do andar superior
em R$ R$ 691.438,66. Como ainda havia a necessidade de um aditivo no valor de
R$ 172.000,00, isto totalizaria R$ 1.471.827,20 para a conclusão da
Residência em 2007.
Blogue - Os alunos
postaram um documento do Portal Transparência de 2007 mostrando que as obras da
Residência Estudantil estavam concluídas. Mas, uma placa identificadora de
obra, em 2013, mostra gastos de mais de um milhão de reais para adaptações no
prédio. Como o senhor vê isso?
Fernando Ramos - Na verdade, em outubro de 2007 toda a parte
estrutural do prédio estava concluída, faltando acabamentos. Não tenho
documentos suficientes para julgar o momento mais recente desta mesma obra,
quando o prédio foi readequado para então funcionar a Pró-Reitoria de Assuntos
Estudantis e o Núcleo de Assistência ao Estudante.
Blogue - O reitor
Natalino Salgado afirmou que a Residência Estudantil não foi institucionalizada
em sua gestão? O que o senhor tem a dizer sobre isso?
Fernando Ramos - Lamentamos que, para justificar a sua decisão
política de gestão, o atual reitor da UFMA tenha utilizado vários argumentos
facilmente derrubados ao longo do processo. Quando não conseguiu provar que a
questão era orçamentária, pois temos todos os comprovantes do que afirmamos
acima, procurou se respaldar em afirmativas burocráticas. Entretanto, mais uma
vez comprovamos o equívoco do Magnífico Reitor que, ao afirmar que a Residência
Estudantil não havia sido institucionalizada, desconheceu a Resolução 77/CONSUN
de 14/03/2005 que aprovou o Plano Estratégico de Desenvolvimento Institucional
da UFMA (PEDI), onde no Eixo Assistência ao Estudante e Servidor consta a meta
Elaborar Projetos para Construção de Residências Estudantis. Portanto, a referida
meta constava sim em PEDI (atual PDI).
Blogue - Na sua
gestão houve uma ocupação do prédio da Reitoria, por causa dos atrasos na
conclusão da obra da Residência Estudantil. Quais foram os desdobramentos dessa
situação?
Fernando Ramos – Realmente, diversas vezes fomos motivados
pelos estudantes das Casas, no sentido de sentar e dialogar. Nunca nos negamos,
pois, apesar de todas as dificuldades de gestão, compreendíamos e nos
sensibilizávamos pelas condições que viviam. Em junho de 2007, decorrente de
uma ocupação da Reitoria, no lugar de chamarmos a Polícia Federal para a
reintegração de posse, optamos por solicitar a intermediação da Justiça
Federal, com a participação do Ministério Público e dos próprios residentes, no
sentido de realizarmos uma Audiência Pública, onde ratificamos, enquanto Reitor
da Instituição, o Compromisso Institucional para completar a referida
Residência no Campus. Fato só não concretizado porque, conforme já afirmamos
anteriormente, a Emenda com a da qual planejávamos destinar o recurso
complementar do Aditivo só foi liberada em dezembro de 2007, quando não
estávamos mais na Reitoria. Entretanto, jamais acreditamos que um
Compromisso Institucional, contemplado no PEDI e ratificado na presença da
Justiça e do Ministério Público fosse desconsiderado pela atual gestão. Mas
hoje, o importante é que a atual Administração pode refletir que nenhum
compromisso deve ser maior que o dirigido a garantias de direitos. Os jovens
conquistaram o seu direito à Casa no Campus, inclusive com a promessa de
Construção de outra, maior e de melhores condições. Que bom!
Blogue - Em sua
última entrevista, o atual reitor fala que a mudança de Residência
Universitária para Centro de Assistência Estudantil foi incluída no Plano de
Desenvolvimento Institucional (PDI) e aprovada no CONSUN. O que o PDI diz sobre
isso?
Fernando Ramos - O Plano de Desenvolvimento Institucional
(PDI) é hoje uma exigência dos órgãos controladores, no sentido de garantir
otimização desde o planejamento até a execução de ações nas Instituições
Federais de Ensino Superior (IFES). Tão logo os referidos órgãos começaram a
sinalizar sobre a importância deste documento, em 2005 já o elaboramos e
aprovamos em CONSUN, através da Resolução 77/CONSUN de 14/03/2005, denominado
na época como Plano Estratégico de Desenvolvimento Institucional (cujas metas
eram programadas para quatro anos).
Neste PEDI constava o eixo Assistência ao
Estudante e Servidor, onde destacamos a meta Elaborar Projetos para Construção
de Residências Estudantis. Só lamentamos que a decisão de mudança do objeto
daquela construção tenha ignorado o PEDI anterior, as plantas e licitações
realizadas com destinação explícita de Residência Estudantil e principalmente a
Audiência Pública na Justiça Federal chancelada pelo Ministério Público
Federal. Que bom que houve reflexão por parte da gestão atual, até porque rever
decisões, em benefício da comunidade, deve pautar sempre o exercício
democrático de todo gestor.
Blogue - Tem sido
comum reitores da UFMA destinarem finalidades diferentes para projetos iniciados
pelos seus antecessores?
Fernando Ramos - Não posso falar por todos. Na nossa
gestão procuramos respeitar estes compromissos, por entendermos os mesmos como
Compromissos Institucionais. O exemplo maior do que afirmamos aconteceu na
construção do Colégio Universitário no Campus. Acreditamos que os professores
do COLUN que na época caminharam diversas vezes conosco para a Secretaria de
Estado da Educação possam dar testemunhos disto.
Blogue - Como o
senhor analisa o acordo assinado como resultado da luta dos estudantes para
reconquistarem a Residência Estudantil que foi construída durante a sua gestão
na Reitoria da UFMA?
Fernando Ramos - Vemos como algo extremamente
importante e sério. Foi a vitória dos princípios republicanos. Só lamentamos
que, para se chegar a este acordo, alguns estudantes tenham pago um preço bem
alto, colocando em risco suas próprias vidas. Parabenizamos os jovens
residentes das Casas pela perseverança na luta por aquilo que acreditam. Nós
fazemos parte daqueles que acreditam ser este um direito de tantos jovens
oriundos dos municípios do Maranhão e até de outros Estados, agora e
principalmente, por força do Reuni e do ENEM, estes sim, aprovados sem
discussão ampla na comunidade universitária.
Blogue - O senhor
acredita que a demanda por residência universitária pode ter diminuído com as
cotas, criação de cursos e de campi e da chegada de alunos de outros estados e
cidades?
Fernando Ramos – De maneira alguma. As cotas, na época,
amplamente discutidas dentro e fora da Universidade e que, consequentemente, ampliaram
o percentual de alunos carentes na Instituição, o REUNI, que ao exigir novos
acréscimos de alunos por curso, em troca de mais recurso, garantiu um aumento
ano de discentes na Instituição e o ENEM, que nacionalizou o acesso à
Instituição, trazendo (trouxe) para o Estado, jovens de diversas partes do
país, .Fforam programas federais que fatalmente têm contribuído para o acesso
maior de jovens deste ou de outros estados que necessitam do apoio cada vez
maior da Instituição. É inadmissível, por exemplo, que desde 2007 até o
presente, o número de moradores das casas permaneça no patamar médio de 80
estudantes nas três residências.
Blogue - Por que o
seu nome não consta na lista dos ex-reitores da UFMA, publicada na homepage da Instituição?
Fernando Ramos - Pelo que fomos informados, houve uma
mudança recente no site institucional e algumas informações foram apagadas.
Acreditamos nesta versão, pois seria inadmissível acreditar em exclusões
propositais, seja qual for o motivo. Este seria um gesto, antes de tudo,
mesquinho.
Blogue - O senhor se
manteve afastado das discussões durante as manifestações dos alunos. Por que
não participou das entrevistas ou escreveu sobre o assunto?
Fernando Ramos - Na verdade, procuramos não responder às
provocações vindas por parte da Reitoria. Primeiro, porque desejávamos muito
que os residentes encontrassem uma solução para o problema e imaginamos que, se
polemizássemos, poderíamos contribuir para uma radicalização maior por parte
dos atuais gestores da UFMA. Segundo, porque sempre tivemos a consciência
tranquila sobre os passos que demos com o objetivo da construção da Casa no
Campus, razão porque pudemos oferecer nossa contribuição, cedendo para
consulta, todos os documentos que portávamos sobre o tema e já descritos acima
e que tranquilamente podem testemunhar de que lado está a verdade.
Um comentário:
Ed, parabéns, muito boa entrevista. Esperamos que que agora, com mais essas incontestes informações prestadas pelo ex-reitor, a atual gestão da UFMA se digne em ser mais afeita à verdade!
Viva a Casa no Campus e à luta estudantil!
Bartô
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