Carlos
Agostinho Couto *
Em que
pese todo o poder comunicacional que tem demonstrado quando deseja se utilizar
da imprensa para a divulgação de notas do seu interesse (dezenas de blogs,
colunas em jornais da situação e oposição, entrevistas em jornais e na TV), a
Universidade Federal do Maranhão demonstrou uma insensibilidade sem tamanho ao
tratar da morte de um jovem em uma festa promovida dentro do campus do Bacanga.
Não que ela
não tenha conseguido divulgação, pois isso sempre acontece, numa impressionante
conquista de espaço que já uniu em favor de uma mesma causa antagonistas
ferrenhos - como a Coluna do Pêta (JP) e a Estado Maior (EMA) - no caso da
criação de um sindicato oficial na Universidade. Houve divulgação da Nota
Oficial da instituição sobre o assassinato, mas o conteúdo da mesma é de
envergonhar qualquer pessoa com um mínimo de bom senso. Nos defensores dos
direitos humanos (que deveríamos ser todos nós) deve dar vontade de denunciar
às cortes internacionais.
No lugar
da sensatez, apuração, disponibilidade e auxílio às autoridades policiais e à
família do rapaz, a Nota opta pela criminalização da vítima.
A Nota
inicia com uma informação imprecisa de que uma senhora não identificada havia
informado que “10 indivíduos estavam assaltando” pessoas no campus. Com o
intuito de garantir a “segurança patrimonial da instituição” (percebamos: não
se pretendia acabar com possível tumulto ou com o risco para as pessoas
presentes na festa) os seguranças foram acionados. A Nota continua tratando os
envolvidos por “meliantes”, “infratores” e “assaltantes”, sem restar comprovada
qualquer ação criminosa específica ou condenação judicial dos mesmos.
O
documento é encerrado com um depoimento da mãe da vítima que dá conta de que
ela “já sabia que isso iria acontecer”, como se fosse possível a ela prever que
o filho fosse ser assassinado, não sem antes divulgar a alcunha do rapaz
(“Cachorrão”) e sugerir que os participantes sejam ligados a um grupo criminoso
local.
Embora
não possamos afirmar que essa era a verdadeira intenção da UFMA (justamente
porque antecipar um juízo, como foi feito, seria temerário), todos sabemos que no
Maranhão, infelizmente, essa é uma prática comum. Quando há crises, denúncias,
acidentes, debates mais aguerridos, condena-se a vítima para evitar críticas e
transferir a responsabilidade. Já houve dezenas de casos assim, principalmente
no mundo policial e político.
Porém, a
mesma imprensa tão colaborativa com os interesses das notas oficiais e
oficiosas, principalmente quando se trata de atingir quem ousa criticar a
administração, demonstrou que pode ser outra a verdade. Matéria do Jornal
Pequeno, publicada no último dia 15, dá conta de que a visão da família e as intenções
do jovem morto podem não ser as contidas na Nota.
Diz a
matéria que a mãe do rapaz, ao perceber que a sua filha voltara do arraial sem
o irmão, mandou que a mesma retornasse e o levasse para casa; que o jovem
escondeu-se por trás de um poste de iluminação pública, para fugir da confusão,
quando foi baleado; que o morto havia concluído o Ensino Médio e preparava-se
para tentar cursar Engenharia Mecânica; que a mãe prestou queixa à polícia do
fato e que a polícia investiga o assassinato, mas que não menciona assaltos no
local.
No final
da apuração pode-se chegar à conclusão de que realmente houve assaltos,
ameaças, tiroteio e que a morte foi uma fatalidade na tentativa de controlar a
situação? Sim, é possível. Mas não se pode antecipar juízos de valor,
criminalizar a vítima, seus companheiros e sugerir que a família dava como
certa a morte do rapaz. A Universidade, como promotora da festa, deveria
assumir os riscos e colocar segurança suficiente e competente para uma situação
como esta; solidarizar-se com todos os envolvidos (frequentadores da festa,
família do jovem morto, vigilante acusado...), colocar-se à disposição das
autoridades e, finalmente, demonstrar que age como se espera de qualquer
universidade: uma instituição séria e que assume as suas responsabilidades,
mesmo quando elas recaem sobre uma situação que ninguém quer ou espera, agindo
com isenção, transparência e atenção para com a comunidade.
Abaixo
os links de acesso aos conteúdos citados:
Link
para a Nota da UFMA (http://www.viasdefato.jor.br/index2/index.php?option=com_content&view=article&id=952%3Aassassinato-na-ufma&catid=34%3Ayootheme&Itemid=204)
Link
para a matéria do JP (http://jornalpequeno.com.br/edicao/2014/06/15/jovem-e-morto-com-tiro-peito-por-vigilante-em-arraial-na-ufma/)
* Professor do Departamento de Comunicação Social da UFMA, é Doutor em Políticas Públicas e membro do Conselho de Representantes da APRUMA
Um comentário:
Caro Carlos Agostinho Couto, parabéns pelo texto. Certamente os conteúdos das Notas seriam de melhor qualidade se tivéssemos vc na comunicação da universidade. E mais sensibilidade para tratar com a vida humana. Correram para dizer o que interessava. O problema, querido amigo, é que quando a PF concluir o processo, a grande mídia, em sua maioria, não vai estar interessada como agora. Vai sair um "textinho" apenas, Como disse minha amiga Sirliane Souza Paiva, falta saber quem foram os organizadores do arraial?
Postar um comentário