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terça-feira, 14 de agosto de 2012

UM OLHAR DE ALUISIO AZEVEDO SOBRE SÃO LUÍS NO FINAL DO SÉCULO XIX

O TEXTO A SEGUIR É DE AUTORIA DO ESCRITOR ALUISIO AZEVEDO, PUBLICADO EM 24 DE FEVEREIRO DE 1883, NO RIO DE JANEIRO, ONDE ELE MORAVA NA ÉPOCA.

TRATA-SE DA APRESENTAÇÃO DO PRIMEIRO LIVRO DE POEMAS DE RAIMUNDO CORRÊA.

PUBLICADO NO SÉCULO FINAL DO SÉCULO XIX, O TEXTO TEM ALGUMA ATUALIDADE NO MARANHÃO DO SÉCULO XXI.

Raimundo Correa é filho do Maranhão, dessa paupérrima província que, por um abuso de retórica de 1840, ficou classificada de Atenas Brasileira. Gonçalves Dias, João Francisco Lisboa, Gomes de Sousa, Odorico Mendes, Sotero, Galvão e outros vultos que pereceram com a metade do nosso século e que arrolados se acham hoje pelo ilustre Doutor Antônio Henriques Leal no seu Panteon Maranhense, foram pretextos para tão pretensiosa classificação; todavia ninguém mereceu menos do Maranhão que esses homens ilustres. O mesmo acaba de suceder com os modernos maranhenses, que o folhetinista citou ao lado daqueles, para endeusar a famigerada província.

Todos ou quase todos esses vultos maranhenses cujos nomes são aqui repetidos com o amor e respeito, e cujo talento flameja, ora na imprensa, ora na ciência, ora na literatura, nunca receberam da sua província a menor prova de simpatia. O Maranhão só festeja um filho, isso mesmo às vezes, depois de que fora o aclamaram. Antes, não se contenta em desprezá-lo, escarnece-o, precisamos restabelecer a verdade. A César o que é de César.

Maranhão não é Atenas Brasileira, Maranhão não é mais que uma triste província de terceira ordem, sem originalidade, sem caráter nacional, sem literatura, sem ciência de espécie alguma, sem a menor noção de Belas Artes, e sem comércio ao menos. A opinião pública é lá formada e dirigida por uma meia dúzia de portugueses ignorantes e retirados dos negócios; a sociedade diverte-se a falar mal da vida alheia; o trabalho mais rendoso é o tráfico de escravos, e os tais atenienses de maior monta na província, os únicos que ela respeita, não passam de alguns tipos pretensiosos, cheios de regras gramaticais e tolice.

O único grêmio literário que lá existe é um desconjuntado Ateneu Maranhense, onde há trinta anos vão aos domingos alguns empregados públicos espectorar as suas asneiras. De todos esses maranhenses que o generoso folhetinista citou, não há um só que deva à sua província o menor serviço, a menor prova de gratidão. Ela é principalmente ingrata com os filhos que mais a tornam conhecida.

O autor destas linhas, a quem o folhetinista tão injustamente colocou ao lado dos maranhenses de verdadeiro mérito, se bem que seja menos autorizado a voltar-se contra a sua província, não hesita a declarar que, por ocasião de publicar aí o romance O Mulato, enquanto no Rio de Janeiro, São Paulo e Pernambuco erguiam-se Joaquim Serra, Valentim Magalhães, Tobias Barreto, Urbano Duarte, Clovis Bevilacquia, Araripe Júnior, Sá Viana, Capistrano de Abreu, Alcides Lima, e muitas outras penas de igual valor, procurando animá-lo a prosseguir, ela, a tal Atenas de contrabando, só encontrava descomposturas para atirar sobre seu filho romancista.

(...) Aos maranhenses distintos, que tiveram a feliz idéia de deixar a província, onde nunca seriam apreciados, para erguerem fora um nome ilustre, todos os nossos afetos e todas as nossas ovações. Mas para esse agregado de nulidades pretensiosas, que constitui a ilha miserável em que nascemos, todo o nosso desprezo e todo o nosso esquecimento.

3 comentários:

Francisco disse...

Transposto para os dias de hoje, o texto permanece atual. Incrível, não?

Celso Borges disse...

Ed,
Eu sabia das críticas contundentes do Aluísio contra a província, mas esse texto, especificamente, desconhecia. Quanta atualidade! Ele, mais do que ninguém, sentiu na pele e na alma a podridão da província. E cuspiu nela. Grande abraço. Celso Borges

Celso Borges disse...

Ed,
Eu sabia das críticas contundentes do Aluísio contra a província, mas esse texto, especificamente, desconhecia. Quanta atualidade! Ele, mais do que ninguém, sentiu na pele e na alma a podridão da província. E cuspiu nela. Grande abraço. Celso Borges