Jorge Leão *
A participação na vida política não é possível sem a atuação
consciente de sujeitos autônomos. Em todo o processo participativo é
imprescindível a existência do ser livre, como mola propulsora da vida em
comunidade.
Todavia, com o individualismo apregoado pelo mecanismo
ideológico do capital, a tática é esvaziar o quanto antes o conceito de “espaço
público”. Observa-se atualmente as inúmeras desmobilizações que o sistema de
controle impõe à vida política. Quanto mais enfraquecido estiver o espírito de
pertença à coisa pública, tanto melhor para a ideologia dominante.
Igrejas, sindicatos, partidos, grêmios estudantis são
atacados frequentemente pelo mecanismo de controle para difundirem o “salve-se
quem puder”. Quem for mais esperto ganha a guerra. Quem aceitar calado a
exploração garante o “bom viver” dentro das instituições. É essa a estratégia,
que funciona e amedronta, quem costuma viver alheio à participação em
comunidade.
Como esta manobra sobrevive? Simples: ameaçando a
mobilização conjunta. Em resumo, o alimento do mecanismo implica em usar a
máquina de controle para garantir a atuação de medo e subserviência destes
espaços, atualmente, em sua grande maioria, manobrados pelo mecanismo da força
e da alienação da vida política.
Como elemento de contra-força, quem participa da vida
política assume a condição da liberdade dentro do espaço público. É este o
momento legítimo da práxis política. Do contrário, o conceito de participação
perde sua autonomia. Desse modo, quando é dito, por exemplo, “você é livre para
escolher”, e não age de modo a garantir a participação consciente do outro,
então é falacioso proclamar o direito à participação.
Em tempos de exacerbado individualismo, em que cada um assume para si o que considera mais oportuno no momento, a herança da polis como tarefa humana básica vai sendo minada. O que rege o modo de atuar no mundo das relações descartáveis é o uso do outro como objeto. Aí acontece o processo de falência do conceito de comunidade.
Ser autônomo, por consequência, não é alimentar o atomismo
político, como se vê atualmente. Ao contrário, a autonomia nos lança para o
universo da polis, isto é, com a adesão no processo de construção coletiva,
todos respondem pelo destino da coisa pública, uma vez que assumiram, pelo uso
da liberdade, o fortalecimento do pertencimento ao espaço legítimo da
comunidade.
Quando se nega o outro enquanto ser autônomo, nega-se também
o direito de pensar a liberdade como fundamento da vida política. Entra em cena
então a heteronomia, isto é, postula-se que o outro não é capaz de pensar o
destino da polis em comunidade. Os sistemas totalitários funcionam a partir
deste mecanismo de negação da autonomia. É mais fácil manipular quem se
encontra acuado pelo medo ou pela ignorância.
Além da reflexão sobre o momento de esvaziamento em que se
encontra a coisa pública, outro ponto é trazido para o ponto de crise, que é:
“que herança deixaremos para as futuras gerações?”...
Enquanto se alimenta a ideia de que “cada um por si e Deus por
todos” irá resolver nossos problemas comuns, mais e mais o dia a dia de miséria
e violência que nos deparamos ao sairmos de casa ganha acento em nossas
discussões, sem que com isso assumamos nossa responsabilidade pelo que é visto,
e depois, quase que de modo automático, esquecido.
* Professor de Filosofia do IFMA – Campus Monte Castelo
Um comentário:
Excelente texto do Professor de Filosofia Jorge Leão. Mostra bem essa nossa realidade individualista e as consequências disso dentro e fora das instituições. Quando o ser humano abdica da sua criticidade, da sua participação política, algo tão próprio do indivíduo, começamos a perceber a fragmentação da coletividade, o enfraquecimento das instituições e principalmente, vemos a sociedade afundar-se em seus próprios problemas sem assumirmos tal responsabilidade. A "política" do "salve-se quem puder" ou do "não é comigo" está tão presente em nosso dia-a-dia que é aceito como algo natural, numa postura acomodada e medrosa de se sobreviver dentro do sistema, ou melhor dizendo, de ir "levando a vida". É assim mesmo em nosso local de trabalho, na nossa igreja, nas escolas, faculdades, hospitais, enfim. Parafraseando o Professor Jorge, a ideia é, de fato, desmobilizar as mobilizações, a partir da alienação política, da fragmentação do pensamento, pois é sem pensar no todo que vamos, mais uma vez, "levando a vida". Anderson Alves - Empregado Público
Postar um comentário