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quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

DE CAMELÔ A PROFESSOR: O SONHO REALIZADO DE ELISEUMAR SOUSA

Eliseumar trocou o emprego nos Correios por uma escola na zona rural de vargem Grande
Ele foi comerciário, ajudante de pedreiro, recapador de pneus e camelô. Aos 37 anos de idade, formou-se em Letras e já havia sido aprovado no concurso dos Correios. Trabalhou como carteiro durante sete anos, em São Luís.

Além da graduação, tem o DELE C2 (Diploma de Español Como Lengua Extranjera, Nivel C2) , o grau mais avançado outorgado aos participantes desses exames, concedido pelo Instituto Miguel de Cervantes.

O grande desejo de Eliseumar Vieira de Sousa era ser professor. Para concretizar esse sonho, ele abandonou um emprego federal nos Correios e fez um concurso para professor em Vargem Grande, município do Baixo Parnaíba.

“Se eu não me tornasse professor acho que, ao envelhecer, seria um velho frustrado”, resumiu. Eliseumar leciona em uma escola no povoado Fazendinha do Baz, a quase 30 Km da sede. Educando crianças pobres na zona rural, ele declara seu amor ao magistério: “é uma missão.”

Veja a caminhada de Eliseumar:

Blogue – Como foi a sua infância no interior do Maranhão?

Eliseumar Sousa – Sou o mais novo de oito filhos. Minha mãe, depois que se separou, teve que cuidar de todos sozinha trabalhando na roça. Morávamos num povoado chamado Sapucaia, distrito de Anapurus, numa casa extremamente simples sem energia elétrica ou qualquer conforto. Em 1980, quando eu tinha 8 anos, nos mudamos para Palestina, distrito de Brejo. Lá tinha um pouco mais de estrutura e pude concluir o ensino primário na Unidade Escolar Prefeito Elias, mas continuavam os dias difíceis.

Passamos muitas dificuldades. Não ter comida suficiente era só uma delas. Calcei o primeiro par de tênis aos 13 anos. Detalhe: era de segunda, foi um irmão que me deu.

Apesar disso, não me lamento. Minha mãe, uma mulher sábia e trabalhadora, soube mostrar o rumo certo a seguir, tanto é que todos somos trabalhadores e cidadãos de bem e jamais a envergonhamos. Tinha o pulso firme, entende?

Blogue – Depois que chegou em São Luís, quais caminhos trilhou?

Eliseumar Sousa - Cheguei a São Luís, em 1987, aos 15 anos de idade, com o apoio de um dos meus irmãos. Vim para estudar e trabalhar. Durante algum tempo trabalhei numa pequena mercearia da qual meu irmão era sócio e ao mesmo tempo estudava.

Depois que deixei a mercearia fui ajudante de pedreiro, de serralheiro e por fim consegui o primeiro emprego numa renovadora de pneus em 1990. Dois anos e meio depois, saí da empresa e fui trabalhar numa outra do mesmo ramo.

Cerca de um ano depois fiquei novamente desempregado, com uma filha de 2 anos, a esposa grávida da minha segunda filha e eu só com o ensino fundamental, que concluí aos 18 anos. Então, comecei a busca de um novo emprego. Depois de vários nãos, restou a alternativa de me tornar camelô, no centro de São Luís. Era o ano de 1994. Fiquei até 1999 e voltei a ser recapador de pneus. Em 2002 (ano em que voltei a estudar) lá estou de novo ambulante e em 2005, já universitário, voltei a trabalhar com pneus. Em 2007, comecei a trabalhar nos Correios, de onde saí em 2014, para me tornar professor em Vagem Grande.

Blogue – Qual o aprendizado do trabalho de camelô na rua Grande?

Eliseumar Sousa - Lidar com pessoas de variados segmentos sociais foi o principal aprendizado dos tempos de camelô (foram quase dez anos, contando alternado). Entender as diferentes formas de relacionamento e disso tirar lições para nortear as suas ações no cotidiano é um legado que levarei para sempre comigo. Foi então que percebi que quem não estuda é posto de lado. Quando isso não é feito pelos que o rodeiam, a vida se encarrega de fazê-lo.

Blogue – Quando você decidiu mudar de vida?

Eliseumar Sousa - Eu tinha 30 anos e apesar de jamais ter abandonado os livros (sempre gostei de ler) faltava-me uma preparação formal. Consciente de que precisava dar um novo rumo à minha vida e sabendo que essa mudança passa, necessariamente, pela escola, resolvi voltar aos bancos escolares depois do longo período longe. Matriculei-me numa escola estadual no bairro São Cristóvão (CEM-São Cristóvão), em 2002. Tive excelentes professores ali, com os quais sempre pude contar. Terminei o ensino médio em 2004 e no ano seguinte como bolsista do recém-criado PROUNI, estava matriculado no Curso de Letras Português/Espanhol da Faculdade Santa Fé. Formei-me em 2009, aos 37 anos.

Paralelamente a isso, estudava para concurso. Até que em 2006, passei no concurso dos Correios, tendo sido admitido em abril de 2007.

Blogue – Por quê você abandonou um concurso federal nos Correios para ser professor em uma escola municipal?

Eliseumar Sousa – Quando entrei nos Correios eu já estava na faculdade e tinha em mente que como professor a minha contribuição social seria bem maior. Minha escolha tem a ver com essa convicção. Acredito que ser professor, muito mais do que ter uma profissão, é ter uma missão de fomentar sonhos e apontar o rumo da concretização aos discípulos. Se eu não me tornasse professor acho que, ao envelhecer, seria um velho frustrado. Foram quase sete anos como carteiro, período de muito aprendizado e bom relacionamento que não desprezo.

Blogue – Como foi a vida de estudante universitário, já na idade adulta e pai de família?

Eliseumar Sousa – Não foi fácil. Eu saía de casa muito cedo e só chegava por volta das 23h. Foi um período complicado. Mas tive bons professores, o que, de certo modo, serviu para fazer valer a pena todo o sacrifício. Jamais pensei em desistir.

Blogue – Depois de concluir o curso superior, você continuou estudando?

Eliseumar Sousa – Sim. Como a minha formação é também em Espanhol e consciente das minhas limitações nesse idioma, passei mais quatro anos a estudá-lo. Depois disso prestei o exame do Instituto Miguel de Cervantes e consegui, em 2013, o DELE C2 (Diploma de Español Como Lengua Extranjera, Nivel C2) que é o nível mais avançado outorgado aos participantes desses exames. Também fiz vários concursos nesse ínterim, até que, em 2013, consegui passar no concurso da Prefeitura de Vargem Grande, onde vivo e trabalho desde 2014 como Professor de Português na Escola Tertuliano Torquato de Mesquita, no povoado Fazendinha do Baz, a quase 30 km da sede.

Blogue – Está valendo a pena encarar a vida de professor em Vargem Grande?

Eliseumar Sousa - Apesar das dificuldades e de ser uma escola da zona rural, está sim. Sei que não vou mudar o mundo, mas com certeza posso contribuir para que meninos da zona rural, como eu, realizem os seus sonhos.

Blogue – Quais as vantagens e desvantagens de ser professor?

Eliseumar Sousa - Entre as vantagens, pode-se destacar o fato de você se tornar referência para o seu aluno e poder ser um instigador, um provocador ou descobridor de talentos. Quanto ao lado negativo o destaque é a preocupação excessiva do sistema com os índices de aprovação em detrimento do ensino-aprendizagem de qualidade. Isso tira, de certo modo, a autonomia do professor. Não me refiro aqui, especificamente, de onde trabalho, mas num sentido mais amplo. Nada que não seja contornável.

Blogue – Você se sente realizado pela opção que fez, trocando a profissão de carteiro pela de professor?

Eliseumar Sousa – Sim. Eu não me arrependo nem um pouco da escolha que fiz e se o tempo voltasse não hesitaria em fazê-la de novo.

Blogue – Que conselho você daria para as pessoas que estão pensando em abraçar a profissão de educador?


Eliseumar Sousa – Que o façam, desde que tenham certeza de que querem ser agentes de uma transformação necessária e urgente que a sociedade precisa; que o façam, desde que compreendam o magistério como uma missão e não somente como uma profissão qualquer; que o façam, desde que estejam dispostos a encarar um desafio diferente a cada instante.

2 comentários:

maria. disse...

Elizeumar, fiquei imensamente feliz em ler um pouquinho da História. E que bela história linda e feliz!Glória a Deus, nos sempre nos dar vitória por Seus filho Jesus. Tenho certeza absoluta, que quando fazemos o que gostamos nossa vida se torna mais alegre e frutífera. Sua História é como de todo vencedor. Se sua mãe ainda estivesse aqui com certeza também estaria muito feliz. Volta para Jesus.
Meu abraço fraterno. M.jesus.

Alexandre Oliveira disse...

Parabéns, Elizeumar, pela bela lição de vida.