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domingo, 31 de julho de 2016

FESTIVAL DE MÚSICA BARROCA DE ALCÂNTARA SE CONSOLIDA COMO EVENTO INTERNACIONAL

Por Eduardo Júlio – poeta e jornalista

Se no ano passado o Festival de Música Barroca de Alcântara deu passos largos ao incluir na programação grupos latino-americanos, em 2016 o perfil internacional do evento se ampliou, ao trazer músicos norte-americanos, norte-africanos e do Oriente Médio. Neste ano, o tema do evento, realizado de 21 a 27 de julho, foi “Diálogos Musicais entre Oriente e Ocidente” e o público maranhense teve a oportunidade - provavelmente pela primeira vez - de fazer uma audição, ao vivo, de sons tradicionais do Oriente Médio e do Norte da África.

Público prestigiou as apresentações nos três dias do festival
O objetivo foi homenagear a cultura árabe-andaluz, que por mais de 700 anos foi predominante na Península Ibérica. O repertório do festival também contemplou a música judaica-sefaradita, do período medieval e renascentista ibérico, que também possui moldes árabes.

Além de apresentar formas musicais dos antepassados ibéricos, o objetivo foi fazer uma reflexão sobre o momento político atual do mundo e conclamar a paz e o bom convívio entre os povos. Afinal, culturalmente, existem muitas diferenças entre o Ocidente e o Oriente, mas há vários aspectos semelhantes também, principalmente no passado.

EXOTISMO

Festival é oportunidade para conhecer os instrumentos e artistas de música antiga
Em São Luís, o primeiro dia do evento, realizado na Igreja da Sé, foi aberto com o grupo paulista Yaqin Ensemble, liderado por Mário Aphonso III, um músico brasileiro, descendente de ciganos, profundo conhecedor dos elementos musicais do Oriente Médio, tendo estudado com músicos turcos e árabes.

Os integrantes do grupo se apresentaram com vestimentas do Oriente Médio, utilizando diversos instrumentos da região, como derbake, alaúde e saz, ney, aliados à rabeca brasileira e ao violoncelo barroco. A bela e impecável apresentação foi muito aplaudida pelo público que disputou espaço na catedral de São Luís.

Em seguida, foi a vez do Boston Camerata, fundado nos Estados Unidos em 1954, fazer um passeio por cânticos inspirados no Alcorão, pelo repertório judaico-sefaradita e pelas famosas “Cantigas de Santa Maria”, canções galego-portuguesas compostas, em homenagem à Virgem Maria, na corte do rei espanhol Afonso X. Integram o grupo o simpático Joel Cohen, a cantora Anne Azéma e o cantor e instrumentista Boujemaa Razgui, nascido no Marrocos, que já colaborou com artistas pop como Shakira e Beyoncé.

No segundo dia, cujo palco foi o Teatro Arthur Azevedo, a abertura ficou por conta do projeto Encontro Oriente Ocidente (Brasil-Síria), inspirado no encontro executado, nos anos 60, pelo músico indiano Ravi Shankar e o violinista judeu Yehudi Menuhin. Pois, desta vez, a cantora lírica paranaense Marília Vargas, que sempre vem ao festival maranhense, dividiu a cena com a cantora síria Oula Al-Saghir, apresentando músicas do repertório judeu-sefaradita e canções árabes tradicionais. Na base, estavam os músicos Guilherme de Camargo (cordas), que também já veio várias vezes ao evento, e Dyocleir Baulé (flautas). Foi realmente lindo.

Para encerrar, teve o cantor sufi (corrente mais mística e espiritual do islamismo) Abderrahim Abdelmoumen, do Marrocos. Acompanhado pelos músicos Yacoubi Otmani (alaúde) e Bakale Moheen (derbake) o artista de voz intensa, realizou uma cerimônia rígida, hipnótica e transcendente no teatro.

Um ponto baixo do festival foi o seminário cuja atração principal era a fala da professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Beatriz Bissio, autora do livro “O mundo falava árabe”, ocorrido no dia 25, no Convento das Mercês. Talvez pelo horário, pelo local ou pelo período (férias) a importante palestra da historiadora foi pouco aproveitada, com público pequeno e desinteressado, apesar da presença dos jovens que integram a Banda do Bom Menino. Merecia uma ponte com, pelo menos, os cursos de História e Jornalismo das instituições de ensino superior locais.

No entanto, várias outras importantes ações sociais foram realizadas ao longo do festival, nas cidades de Bacabeira, Alcântara, Rosário e São Luís, entre concertos, conversas e oficinas, oferecendo música erudita a um público que, provavelmente, não costuma manter contato com este tipo de sonoridade.

CRÍTICAS

Ouvi alguns puristas afirmando, contrariados, que o festival não é propriamente de música barroca e que, portanto, faria propaganda enganosa. Pois respondo: o evento, de fato, é mais abrangente do que o enorme universo do Barroco. Na prática, é um festival de Música Antiga, denominação que engloba os períodos medieval, renascentista e barroco. Não posso falar pela organização, mas acredito que, para facilitar o entendimento do grande público, o produtor Bernard Vassas tenha optado pela referência ao Barroco, nome mais popular do que o termo Música Antiga.

Não está preciso, é certo, mas não está totalmente errado. E, de fato, a programação deste ano não contou com música barroca, chegando, no máximo, ao período renascentista, além de ter oferecido um cardápio variado de sons tradicionais do Oriente Médio e do Norte da África, que atravessam séculos. Como já afirmei, o público maranhense talvez nunca tenha experimentado, anteriormente, ao vivo, a audição deste tipo de música.

Outra questão é que os festivais de música costumam ser muito mais abrangentes do que os gêneros aos quais se referem. O Rock in Rio nunca foi somente de rock e o célebre Festival de Jazz de Montreux, na Suíça, também não é só de jazz. Isso, só para ficar nos exemplos básicos.

Para evitar surpresas, basta manter-se informado e conhecer a proposta de cada edição e, apesar de alguns poucos equívocos, informação é o que não falta na divulgação do Festival de Música Barroca de Alcântara. Por fim, o tema já dava a dica.

Um comentário:

Anônimo disse...

Parabéns, Eduardo. Não apenas pelo report mas sobretudo pela crítica producente. Esse festival, independentemente do nome que possua, é um dos grandes momentos culturais de São Luís.