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domingo, 15 de maio de 2016

FLÁVIO DINO ATRAVESSOU O RUBICÃO

Dino, Dilma e Maranhão: jogada ousada para cancelar a votação do impeachment na Câmara
O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), entrou definitivamente na agenda política nacional. Dois fatores concorreram para esse agendamento. 1- Ele já tinha trânsito na República, quando presidiu a Associação dos Juízes Federais (Ajufe); 2 - Ao derrotar José Sarney na eleição de 2014, fez valer uma passagem de Dom Quixote: “E o vencedor é tanto mais honrado quanto mais o vencido é reputado”. Assim, Flavio Dino ganhou as manchetes da mídia nacional por seu mérito erguido nos escombros do oligarca derrotado.

A convivência no Judiciário federal e os ensinamentos da política no Maranhão subsidiaram o governador sobre a fragilidade dos poderes na província, submetidos ao império de Brasília. Nesse contexto, o governo dinista traduz a contradição da vitória eleitoral sem o controle dos cargos federais nem maioria folgada na Câmara dos Deputados. No Senado o quadro piora, porque até o aliado tático de 2014, Roberto Rocha (PSB), conspira para tomar o Palácio dos Leões em 2018.

Mas, o ingresso de Flávio Dino na vida política nacional ganhou visibilidade extrema no processo do impeachment da presidente Dilma Roussef (PT), quando o governador assumiu a o papel de advogado geral da nação petista, sob o argumento de que o pedido de afastamento é inconstitucional.

A razão é simples e de todos conhecida: se Dilma Roussef cair, José Sarney retoma consideráveis fatias do poder nacional e vai operar o retorno ao governo do Maranhão.

Nesse cenário, não resta outra opção ao comunista. A defesa do mandato petista é fundamental para assegurar o sucesso da gestão no Maranhão. Não apenas isso. Flavio Dino também se coloca como alternativa presidencial de futuro, diante do vazio de lideranças no campo chamado democrático-popular.

Assim, a empreitada dinista na defesa de Dilma enfrentou, a um só tempo, o Judiciário, o Ministério Público, o poderoso PMDB, os tucanos e a elite financeira da avenida Paulista. E Flávio Dino se contrapôs aos principais poderes da República.

Aqui se encaixa a expressão “atravessar o Rubicão”. Na história do Império Romano, o rio Rubicão tinha acentuada importância militar e jurídica. Localizado estrategicamente, o curso d’água era uma espécie de fronteira natural entre a cidade da Itália e a província romana da Gália Cisplatina. Visando proteger a República da ameaça militar interna, um decreto do Senado proibia que o Rubicão fosse atravessado por legiões do exército em regresso pelo norte da Itália.

Em 49 a. C, o general Caio Júlio César transgrediu a lei do Senado e atravessou o Rubicão. Esse ato constituiu uma declaração de guerra contra Pompéia, que detinha poder sobre Roma. Ao cruzar o rio com seu exército, César exclamou a frase que posteriormente ganhou popularidade: “Alea jacta est” (A sorte está lançada). Deflagrada a guerra, César vence Pompeu e o Império Romano ganha um capítulo especial na História.

“Atravessar o Rubicão” ficou associado a atitudes ousadas, sem volta, intempestivas, corajosas, radicais. Pode significar ainda a tomada de decisão perigosa, baseada no “pensar grande”, ultrapassando fronteiras, enveredando por caminhos duvidosos e arriscados.

Depois da vitória eleitoral sobre José Sarney (PMDB) e o decorrente agendamento na mídia nacional, Flavio Dino tem pensado grande. Ele sabe que o potencial eleitoral de Lula será diminuído até 2018 e o destempero verbal de Ciro Gomes (PDT) pode matar esta candidatura no nascedouro. O prefeito de São Paulo, Fernando Hadad (PT), é uma opção, mas vai depender da reeleição em 2016 e do sucesso da gestão, que será bombardeada pela mídia tucana.

Assim, Flávio Dino projeta o cenário nacional atento à escassez de quadros do centro-esquerda e se apresenta como herdeiro de uma síntese política que pode convergir para um desejo maior de candidato a presidente do Brasil.

Porém, o projeto presidencial só terá sucesso se a gestão comunista no Maranhão tiver resultados concretos para Flávio Dino apresentar como vitrine ao Brasil. Sem o apoio do governo federal, essa tarefa será delicada e a grande empreitada comunista pode sofrer desgastes.

Na defesa do mandato de Dilma esses desgastes são evidentes. Dino assume o ônus de advogar para o PT, mas não tem o retorno necessário. Os cargos federais no Maranhão, que já estavam sob o controle de José Sarney, agora serão revitalizados em uma operação de boicote ao governo comunista, a começar por Sarney Filho (PV) no Ministério do Meio Ambiente.

O abandono das estradas federais do Maranhão, vide a BR-135, é o principal exemplo do desgaste de defender o governo petista.

Dino assumiu ônus ainda maior, ao transformar o atrapalhado deputado federal Waldir Maranhão (PP) em copiloto da travessia do Rubicão. O governador comunista não só se contrapôs aos maiores poderes da República como aliou-se a uma figura degenerada para dar um contra-golpe no processo de impeachment.

Nesse capítulo, o agendamento positivo de Flávio Dino na mídia nacional caiu vertiginosamente, ao orientar Waldir Maranhão em uma operação desastrosa que arrastou ambos para a vala comum das manobras à la Eduardo Cunha (PMDB), nas infinitas tentativas de livrar-se do Conselho de Ética.

Flavio Dino, o advogado brilhante, orador renomado e quadro nacional do PCdoB emaranhou-se com um dos piores representantes do baixo clero no Congresso Nacional, na (talvez) última tentativa de impedir o afastamento da presidente Dilma.

É certo que esse episódio da travessia será guardado pelos apresentadores de talkshow, jornalistas e articulistas das editorias de Política da mídia nacional e internacional como um momento desfavorável do governador comunista do Maranhão.

Passado esse episódio, o cenário pós-impeachment terá o governador em situação delicada, após o confronto com a cúpula do Judiciário e do Ministério Público, além da crise econômica e das dificuldades de recomposição na eventual continuidade do governo Michel Temer (PMDB).

Na província Maranhão, os aliados conservadores que ajudaram na vitória de Flávio Dino em 2014 já começam a fazer uma recomposição. Oriundos do sistema oligárquico construído por José Sarney, figuras expressivas como o ex-governador e deputado federal José Reinaldo Tavares (PSB) e o senador Roberto Rocha (PSB), que sempre foram tucanos, já operam um campo político formatado nas bases mais retrógradas da política local.

Tavares, inclusive, já propôs um pacto com José Sarney. Essas forças retrógradas vão se apresentar a Michel Temer e aos tucanos como interlocutores do Maranhão em Brasília e, posteriormente, logo em 2018, oferecer um palanque local ao presidenciável da aliança PMDB-PSDB.

A travessia do Rubicão por Flávio Dino teve um custo muito alto. Ao assumir radicalmente a defesa de Dilma e todo o ônus dessa tarefa, ele provocou adversários em Brasília e jogou gasolina no fogo da sua base conservadora no Maranhão.

Dino tomou uma decisão ousada, coerente e necessária à sua sobrevivência política e também à melhoria dos indicadores sociais do Maranhão, seu principal objetivo. Nisso ele acertou e agiu na coerência da aliança nacional entre o PT e o PCdoB, desde 1989.

Excedeu-se na canetada de Waldir Maranhão. Mas, ele precisava arriscar, lançar a sorte diante do dilema: ou salva Dilma ou será boicotado por Sarney.

Se o impeachment for consumado, o governador comunista terá dias difíceis. A travessia do Rubicão, ousada e necessária, está consumada. Agora é aguardar o caminho natural do rio, correndo sempre ao encontro do oceano, onde “o mar da História é agitado”, como diria Maiakóvski.

4 comentários:

Mohammed Ghandi disse...

Jornalista Ed Wilson
Quero parabenizar pelo texto, um dos melhores que li nos tempos recentes oriundo de uma pena local.
Gostei da análise e das citações históricas, espetacular, rico, poderoso, um texto para guardar.
Há uma versão que diz que a frase "Alea Jact Est" foi dita pelo general Marco Antônio ao invadir o Egito.

Anônimo disse...

Perfeito professor! Só acrescento mais um "pedacinho" no excesso do arriscado jogo do orador renomado: colocar a frente do Itaqui um Waldir, digamos, "um pouco requintado" como capitão para conduzir o navio Maranhão. O resultado dessa travessia: sem os instrumentos de navegação e sem conhecimento empírico o inexpressivo capitão deixará o navio à deriva, enquanto a nova capitã aguarda para assumir o navio, troca-lo o nome (algo como Folia Mar) e curtir a viagem a estibordo. A federalização do Itaqui é questão de meses...

Ed Wilson Ferreira Araújo disse...

Sarney pretende tomar o porto e o Convento das Mercês.

Ed Wilson Ferreira Araújo disse...

Grato Mohammed, por gentileza, envie a versão sobre Marco Antonio.