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sábado, 14 de maio de 2016

O PT PODERÁ SE REINVENTAR?

Frei Betto

Ver Dilma ser enxotada do Planalto me traz profunda indignação. Éramos vizinhos na década de 1950, na rua Major Lopes, em Belo Horizonte. Fomos vizinhos de cela no Presídio Tiradentes, em São Paulo, na década de 1970. E, pela terceira vez, vizinhos na Esplanada dos Ministérios, ela ministra e eu assessor especial de Lula, em 2003-2004.


Minha indignação tem a ver com a mesquinhez da política institucional brasileira. Sem convencer a mim e a muitos que Dilma cometeu algum crime, o rolo compressor da oposição ressentida e do oportunismo ontofisiológico de caciques do PMDB, abriu a machadadas um atalho na ordem constitucional para fazer coincidir oposição e deposição. O precedente está criado! Daqui pra frente a tribuna parlamentar cede lugar ao tribunal de Justiça. A judicialização da política brasileira faz com que a soberania popular, através do voto nas urnas, passe a ter insignificância.
 
Os três primeiros governos do PT representam o que há de melhor em nossa combalida história republicana. Saíram da miséria 45 milhões de brasileiros. Os programas sociais, do Bolsa Família ao Mais Médicos, estenderam à parcela mais pobre da nação uma rede de proteção social. O acesso à universidade foi deselitizado. O FMI deixou de se meter em nossas contas. A América Latina ganhou maior unidade, e Cuba foi retirada do limbo.
 
Lástima que o PT se deixou picar pela mosca azul. Não ousou implementar reformas de estruturas, como a política, a tributária e a agrária. Permitiu que o Fome Zero, de caráter emancipatório, fosse substituído pelo Bolsa Família, compensatório. Erradicou, em fins de 2004, Comitês Gestores em mais de 2 mil municípios, e entregou às mãos dos prefeitos o cadastro do Bolsa Família.
 
Como se a retórica fosse suficiente para encobrir gritantes desigualdades, o PT tentou, em vão, ser o pai dos pobres e a mãe dos ricos. Para renovar o Congresso, não confiou no potencial político de líderes de movimentos sociais. Preferiu alianças promíscuas cujos vírus oportunistas acabaram por contaminar alguns de seus dirigentes. Em 13 anos de governo, não se empenhou na alfabetização política da nação nem na democratização da mídia, sequer no modo de distribuir verbas publicitárias para veículos de comunicação.
 
Graças ao crédito facilitado, ao controle da inflação e ao aumento real (e anual) do salário mínimo acima da inflação, a população teve mais acesso a bens pessoais. Dentro do barraco de favela, toda a linha branca favorecida pela desoneração tributária e, ainda, computador, celular e, quem sabe, no pé do morro, o carro comprado a prestações.
 
Porém, lá está o barraco ocupado pela família sem acesso à moradia, segurança, saúde, educação e ao transporte coletivo de qualidade. A prioridade deveria ter sido o acesso aos bens sociais. Criou-se, portanto, uma nação de consumistas, não de cidadãos, nação feita de eleitores que votam como quem cumpre um preceito religioso ou retribui um favor de compadrio, enternecidos com os laços de família que se estendem do netinho evocado em pleno parlamento à protuberância glútea exibida ministerialmente.
 
Entre avanços e desvios, o PT deixa como legado programas sociais que merecem figurar como políticas de Estado, e não ocasionalmente de governos. Mas terá o partido a ousadia de se reinventar?
 
Agora, os pobres, os excluídos, os sem-terra e os sem-teto, que tinham a esperança de ser felizes, terão que buscar outras agremiações partidárias ou forjar novas ferramentas de fazer política, fundadas na ética, na supressão das causas de desigualdades sociais, e na busca de um outro Brasil possível.

Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros.

2 comentários:

Anônimo disse...

Se homens como Frei Betto estivessem sido escutados, não estaríamos nessa situação lastimável, o que me leva conclusão de que assim como Dilma, frei Betto foi enxotado por ser correto.. agora, como podemos imaginar Waldir Maranhão no PC do B depois de tudo que ele aprontou até hoje contra os cofres maranhenses? seria o PC do B igual a Waldir, ou Waldir igual ao PC do B? é muito surreal, e uma verdade há de ser dita: é difícil ser correto nesse país onde os valores cada dia mais vão se esvaindo. Abraço, Maria.

Anônimo disse...

De alguma forma, respeito sim, muito, a opinião de frei Betto, mas discordo de muitos aspectos presentes neste texto. não consigo enxergar ainda, como seria esse governo proposto, Betto. Até vou pensar a respeito. MAs de uma tenho plena certeza. A presença de Dilma na presidência foi uma tentativa de Lula, de um lado de apoiar a emancipação da mulher, de outro, de ter uma marionete para manipular. De qualquer forma, Dilma nunca se prestou a títere, mas deu continuidade a crença de que a diversidade brasileira poderia participar da vida, com mais respeito. Agora, sabemos nós, que mulheres, negros, índios, glbt, e outras todas personagens da vida nacional, não representam absolutamente nada. Pura massa de manobra.
Esse golpe, foi mais bolchevique que o mais truculento dos bolcheviques.