Juiz Márlon Reis, motivado a divulgar o livro, vem recebendo apoio em todo o Brasil |
A repercussão provocada pelo livro “O
nobre deputado”, do juiz maranhense Márlon Reis, está provocando reações a
ponto de o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN),
acionar o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra o magistrado. A representação
não intimida Reis, que segue disposto a divulgar o livro.
Capa do livro: repercussão nacional |
Um dos idealizadores da Lei da Ficha
Limpa, o juiz revela na obra, fruto de sua tese de doutorado, os detalhes do
esquema de corrupção eleitoral. Entre os casos mais graves, cita a agiotagem. “É
algo brutal...Os agiotas são membros do crime organizado e estão dispostos a sequestrar
e matar se necessário”, revelou.
Na entrevista ao Blogue do Ed Wilson, o
magistrado falou ainda sobre o apoio e a solidariedade que vem recebendo em
vários lugares do Brasil para seguir firme na luta contra a corrupção eleitoral
e administrativa.
Blogue – A mobilização popular que
resultou na Lei da Ficha Limpa gerou muita expectativa. Depois de aprovado o
projeto, qual o balanço que você faz da aplicação da Lei? É frustrante ou
animador?
Márlon Reis – É muito animador. Basta
registrar que agora não é mais possível que um candidato renuncie para escapar
de uma cassação e se mantenha elegível. Aquele senador por Goiás (Demóstenes
Torres) foi o primeiro a enfrentar a Lei da Ficha Limpa, mesmo fora da eleição.
Não podia renunciar ao mandato, pois isso o deixaria inelegível por quatorze
anos. Ficou até o final e foi cassado. Essa é só uma mais muitas contribuições
da Lei da Ficha Limpa para o Brasil.
Blogue – Há situações concretas em que
a Lei da Ficha Limpa esteja dando resultados?
Márlon Reis - Na base de dados do
Conselho Nacional de Justiça estão cadastradas mais de 14 mil pessoas tornadas
inelegíveis pela Lei da Ficha Limpa. A Procuradoria Geral Eleitoral, por seu
turno, trabalha com dados que demonstram que esses números ultrapassam 300 mil
pessoas. Desse total, apenas 600 pessoas pleitearam registro de candidato e
sofreram impugnações agora em 2014. Isso num total de mais de 26 mil candidatos
em todo o País. Isso mostra que a quase totalidade dos candidatos, um montante
superior a 96%, não está submetida a nenhuma das hipóteses previstas na Lei da
Ficha Limpa. Os demais ainda terão que ser julgados pela Justiça Eleitoral.
Muitos desses 600 serão impedidos de participar.
Blogue – Como foi elaborada a pesquisa
para desembocar no livro “O nobre deputado”?
Márlon Reis - Ouvi diversos integrantes
da vida política nacional. Dois deles são pessoas verdadeiramente muito
influentes. Os demais são integrantes de grupos políticos ou estão diretamente
ligados a mandatários. Todos fazem da política sua atividade principal. Um
deles, por exemplo, trabalha organizando a realização de esquemas de compra de
votos. É um operador profissional da política mercenária. Outro levava dinheiro
em sacos para prefeitos que apoiariam um candidato a um cargo elevado. Acertei
com eles que lhes asseguraria o absoluto anonimato em troca de que aceitassem
falar com franqueza e profundidade sobre os bastidores da corrupção eleitoral
no Brasil.
Blogue – De tudo o que foi levantado na
pesquisa, qual a situação mais grave, aquela que mais afeta a democracia?
Márlon Reis - Fiquei particularmente
impressionado com a agiotagem política. É algo brutal e afeta principalmente
candidatos a prefeito. Ansiosos pela vitória, aceitam empréstimos de grandes
quantias de dinheiro, o que lhe assegura a vitória no pleito. Mas aí tem início
o desvio de verbas públicas para fazer face aos pesados encargos cobrados pelos
agiotas. As taxas de juros chegam a 20% ao mês. Isso inviabiliza a
administração do Município. E não há a alternativa do calote. Os agiotas são
membros do crime organizado e estão dispostos a sequestrar e matar se
necessário.
Blogue – A corporação parlamentar
repudiou o seu livro, inclusive o presidente da Câmara dos Deputados. Como você
avalia essa reação?
Márlon Reis - Foi uma reação
corporativista. Não se levou em conta o interesse do Parlamento, mas de alguns
deputados. Eles se sentiram ofendidos com uma verdade que não se pode esconder.
Gostaria de haver sido convocado para falar sobre minha pesquisa e colaborar
para a construção de alternativas que debelem a corrupção nas eleições. Faço
parte de um imponente movimento social que tem diversas alternativas a
apresentar ao Congresso a esse respeito. A reação desmedida e agressiva
representa uma afronta ao direito constitucional à liberdade de expressão.
Minha resposta a isso é difundir o meu livro e o meu pensamento por todo o
Brasil. Farei isso mesmo que lancem meu livro num index de textos proibidos e o
atirem à fogueira num auto de inquisição.
Blogue – Você recebeu alguma ameaça por
causa do livro?
Márlon Reis - O presidente da Câmara
dos Deputados anunciou a decisão de representar contra mim junto ao Conselho
Nacional de Justiça. Isso para mim nada representa, pois estou certo de que o
Judiciário não irá me punir por expor meu pensamento em um livro. A Câmara
deveria velar pela liberdade de expressão, não buscar meios de podá-la. Minha
resposta consiste em dar sequência à divulgação do meu livro. (Nota do Blogue: O
presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), representou ontem ao CNJ contra o juiz Márlon Reis)
Blogue – Como está sendo a
receptividade do livro fora do parlamento?
Márlon Reis - Excelente. Recebe todos
os dias diversas mensagens de pessoas de todas partes do Brasil falando
do estímulo que o livro proporciona para devotarem maior atenção à
política. A superação de figuras como a do Cândido Peçanha depende de
conhecermos os mecanismos pelos quais atuam. Mas também há deputados que me
procuram para dizer que acertei ao publicar o livro e pedem que eu não
desista.
Blogue – Quais seriam as mudanças
fundamentais para modificar o sistema eleitoral brasileiro?
Márlon Reis - Precisamos reduzir o
custo das eleições. O primeiro passo é proibir a doação empresarial e limitar
as doações individuais. Além disso é preciso
agregar transparência extrema às
movimentações financeiras dos partidos e candidatos. Por outro lado é
preciso acabar o sistema eleitoral para a eleição de parlamentares vigente, que
permite que se vote em um e se eleja outro. É um modelo que favorece as
campanhas de caciques e enfraquece o debate ideológico e programático.
Blogue – É possível realizar uma
reforma política com o sistema eleitoral viciado que sempre mantém políticos
corruptos com mandatos?
Márlon Reis - A Reforma Política
dependerá do envolvimento de toda a sociedade. A maioria dos membros
do Parlamento não deseja mudança alguma. Por isso é preciso que a mudança do
sistema eleitoral se transforme num sentimento de toda a nação.
Blogue – Qual é o mapa do Congresso
Nacional hoje? Quais são as bancadas estratégicas e seus financiadores?
Márlon Reis - A maioria dos eleitos
sustentou suas campanhas em dinheiro de grandes empreiteiras, bancos,
mineradoras, além de hospitais e universidades privadas. Estão lá para defender
os interesses desses segmentos, não os da sociedade.
Blogue – Como ocorre na prática o
processo de corrupção eleitoral e o financiamento de campanhas? E depois, como
o parlamentar retribui o esquema que o elegeu?
Márlon Reis - As doações privadas são
apenas uma antecipação, um investimento. Nenhuma empresa retira dinheiro do
seu capital sem demonstrar aos acionistas em que isso colaborará para o aumento
dos lucros. Então se trata na verdade de um negócio muito lucrativo. A
retribuição vem por meio da influência sobre a composição do orçamento da
União. O parlamentar eleito por essa forma terá que atender aos interesses
da empresa financiadora assegurando recursos que gerarão muitos lucros.
Blogue – Quais os níveis de compra de
voto nas escalas federal, estadual e municipal?
Márlon Reis - Não é possível calcular
com exatidão. Ela acontece com muitos força em todos os Estados. Mas
é possível afirmar que em alguns deles a maioria dos eleitos tem sua campanha
baseadas em esquemas que envolvem a compra de apoio político.
Blogue – Como é produzido um deputado
corrupto?
Márlon Reis - O
deputado corrupto é fruto do sistema eleitoral vigente, que é opaco,
elitista, caro e injusto. Os candidatos não disputam em igualdade de
condições. E os eleitorais não são capazes de compreender o sistema
eleitoral vigente, cuja extrema complexidade é mantida de forma
proposital.
Blogue – Qual o nível de influência do
dinheiro da agiotagem nas eleições?
Márlon Reis - Em alguns lugares, como
no Maranhão, se observa uma presença gigantesca da agiotagem nas eleições
municipais. Isso influenciará muito as demais eleições. Prefeitos eleitos
e em dívida com agiotas tratarão de vender seu apoio para candidatos a
deputado. É uma forma de se capitalizar e sair um pouco do flagelo do
endividamento brutal.
Blogue – Você se considera solitário
nessa luta? Quais são seus aliados e adversários?
Márlon Reis - Nunca agi de forma
solitária. Integro uma rede, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral,
composto por mais de 50 organizações sociais de grande prestígio em
todo o Brasil. Meus adversários são poderosos, mas em regra não me atacam de
frente. Não me impressiono com a força dos que gostariam que o mundo
permanecesse como é. O que me anima é o crescimento do número de pessoas
dispostas a mudá-lo.